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Assexualidade: "Tinha muita dificuldade de praticar sexo, me forçava e odiava"

Luan Ferrazzo, assim como personagens da novela "Travessia", é assexual. Ele relembra como foi a descoberta e fala sobre relacionamentos

6 jan 2023 - 05h00
(atualizado em 11/1/2023 às 11h08)
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Luan Ferrazzo tem 31 anos e é assexual cinza panromântico
Luan Ferrazzo tem 31 anos e é assexual cinza panromântico
Foto: Arquivo Pessoal

Se você está acompanhando a atual novela das 21h da TV Globo, "Travessia", ou passeia pelas redes sociais, um tema pouco conhecido tem começado a fazer parte do seu repertório: a assexualidade, um aspectro da sexualidade humana onde a pessoa não sentre atração sexual ou afetiva, ou ambas, por outras pessoas. 

Segundo o Programa de Estudos da Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (ProSex-IPq), 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens brasileiros entre 18 e 80 anos se identificam como assexual. Um deles é o Luan Ferrazzo, de 31 anos. 

O paulista, nascido em Jundiaí e que vive em São Paulo há nove anos, assim como Caíque, o personagem de Thiago Fragoso na novela, é assexual romântico, ou seja, eles se relacionam afetivamente, mas não sexualmente. 

A diferença entre eles se dá no campo da orientação, enquanto o personagem é heterorômantico, ou seja, só se relaciona afetivamente com mulheres, Luan é panrômantico, o que siginifica que se relaciona afetivamente com homens e mulheres, independente da identidade de gênero. 

Outro fator ainda não posto pela novela é se Caíque é uma pessoa assexual estrita, aquela que não se relaciona sexualmente em nenhum momento, como já foi sinalizado que é o caso de outro personagem da trama, o Rudá, interpretado por Guilherme Cabral. 

Caíque (Thiago Fragoso) é assexual heteromântico e vive uma relação afetiva com Leonor (Vanessa Giácomo) na novela "Travessia", da Rede Globo
Caíque (Thiago Fragoso) é assexual heteromântico e vive uma relação afetiva com Leonor (Vanessa Giácomo) na novela "Travessia", da Rede Globo
Foto: Rede Globo/Fábio Rocha

No caso de Luan, ele se identifica como uma pessoa assexual cinza panromântico. A cor na nomenclatura indica que ele pratica sexo, porém com muito menos frequência do que a média. "Em 365 dias do ano eu faço sexo entre 5 e 10 dias", explica o analista de sistemas. 

Descoberta da assexualidade

"Por quase 10 anos de relacionamentos, eu tinha muita dificuldade de praticar sexo, me forçava e odiava", explica Luan, que ao longo da vida buscou respostas em diversos lugares como em conversas com amigos e na igreja, porém não encontrou nenhuma. 

Foi, então, que buscou auxílio de profissionais. A primeira providência foi entender como andava sua saúde mental. "Em sessão, falamos muito sobre as várias caixinhas que fui colocado ao longo da vida, dos traumas de infância, das relações familiares, coisas que pudessem gerar essa não vontade, mas não chegamos a lugar nenhum", conta. 

O segundo passo foi encontrar um urologista, especialista no trato geniturinário, que inclui os rins, bexiga, uretra e órgãos reprodutivos masculinos. "Foi um profissional muito bom, fiz vários exames para saber como estavam minhas questões hormonais e não identificamos nada de errado. Foi, então, que ele me falou que poderia passar medicamentos para aumentar a libido, mas sugeriu que eu buscasse informações sobre assexualidade. Me recomendou escutar o meu corpo e avaliar se eu gostaria de tentar a prática sexual induzida pela química", lembra Luan. 

Ao unir as duas coisas veio finalmente o entendimento: com as pesquisas feitas por indicação do urologista, retornou para profissional de saúde mental e entendeu que era uma pessoa assexual cinza panromântica.

Luan já viveu relacionamento com pessoas Assexuais e pessoas Alossexuais
Luan já viveu relacionamento com pessoas Assexuais e pessoas Alossexuais
Foto: Arquivo Pessoal

 Relacionamentos

Ainda que sinta tesão e impulso sexual, não é intenso o suficiente para a prática do ato sexual. Luan explica que para ele o ato é similar ao de bater palmas, um contato de pele com pele sem nenhum prazer.  

"Para maioria das pessoas, sexo é uma questão de saúde, mesmo elas não entendendo isso, é uma questão de saúde mental, é uma questão hormonal, então sempre no começo de uma relação eu já faço questão de falar que sou assexual", explica. 

Luan conta que, na maioria das vezes, pessoas alossexuais, ou seja, as que praticam sexo de forma recorrente, tendem a responder que sexo não é uma prioridade em suas vidas, mas que, na prática, a realidade é outra. "As pessoas não entendem o quanto sexo é importante até deixarem de fazer sexo", conta. 

Ele relata ainda que, na sua experiência, existe um padrão: "Primeiro as pessoas entendem, depois de quatro ou cinco meses sinalizam uma insegurança, uma ideia de que ela não é desejável o suficiente. Converso, explico novamente, tudo se acalma, mas depois de mais cinco ou seis meses surgem os ataques de que eu estou traindo, me relacionando com outra pessoa", desabafa. 

Em um dos seus relacionamentos, que durou pouco mais de um ano, as coisas caminharam de forma mais dinâmicas. No começo da relação, viveram como um trisal, e o namorado se relacionava com outro parceiro sexualmente. Entretanto, quando a relação se tornou monogâmica, o parceiro buscou extravasar a falta de sexo de outras formas: "Ele começou a fumar, beber demais, aí em terapia entendeu que estava buscando uma válvula para a falta de sexo". Com isso, o relacionamento chegou ao fim. 

Em outros momentos, Luan também se relacionou com pessoas assexuais e adorou a experiência. "Tive um namorado assexual e foi incrível. A gente passava horas conversando, tinha uma conexão de verdade, mas eu me apaixonei arrebatadoramente por outra pessoa, só por isso não deu certo".  

Informação e representatividade

Para Luan, sua trajetória seria muito mais tranquila se tivesse tido acesso à informação. "Infelizmente, se fala muito pouco sobre assexualidade, e o que tem de informação está ligado a experiências muito individuais", conta ele, que acaba consumindo conteúdos de internet e vídeos no Youtube. 

Diante da falta de conteúdo, o tema fazer parte da novela emocinou o paulista. "Eu chorei a primeira vez que apareceu na novela e na entrevista no 'Fantástico'. São dois casos muito diferentes de assexualidade (o de Caíque e o de Rudá) e me identificar com o personagem do Thiago Fragoso me fez muito bem. Eu converso com muitas pessoas e percebo que elas têm características assexuais, mas elas não fazem ideia. Quem sabe com a novela elas não percebam, assim como eu, que não precisam se martirizar e sofrer", finaliza Luan.

Fonte: Redação Nós
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