Autismo adulto: "Me entender autista foi um misto de alívio e sofrimento"
Jornalista Amanda Ramalho, ex-Pânico, relata as descobertas e mudanças com as quais vem lidando desde que recebeu o diagnóstico de TEA
"Minha vida foi construída de um jeito. Agora é hora de ressignificar tudo e construir uma nova narrativa", explica Amanda Ramalho. Conhecida em todo o Brasil por seu trabalho no programa "Pânico", a jornalista e radialista de 36 anos descobriu em 2022 que faz parte do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Embora assustada inicialmente com o diagnóstico, ela não hesitou em compartilhá-lo com o público. Falar de saúde mental tem sido uma de suas missões profissionais desde 2018, quando lançou o podcast "Esquizofrenoias" - indicado ao Troféu APCA na categoria Podcast em 2019.
Até há pouco tempo atrás, o autismo em adultos parecia improvável. Embora o assunto ainda careça de estatísticas e pesquisas aprofundadas, casos como o diagnóstico tardio de Amanda vêm se mostrando cada vez mais comuns. Como as pessoas não apresentam características severas do TEA, as dificuldades com linguagem, interação social, processos de comunicação e comportamento social são tidas como traços de personalidade ou confundidas com outros transtornos.
O fato é que receber o diagnóstico, para Amanda, não mudou nada e, ao mesmo tempo, mudou muita coisa. "Autismo é só uma palavra, mas desde a infância eu me sentia diferente. Algumas coisas que eu tratava como patogologia, agora entendo que são características do TEA", conta.
Sobrecarga e preconceito
Um exemplo é a sobrecarga sensorial que ela experimenta em algumas situações, como uma cirurgia emergencial de apendicite que enfrentou recentemente. Em vez de uma crise de ansiedade, como achava que tinha com certa constância, ela entendeu que a desorganização mental diante de momentos de estresse é um sintoma da condição. "Não lido bem com barulhos altos, por exemplo, então quando enfrento algum momento de estresse sei que ficar em um ambiente calmo me ajudará a voltar ao meu estado normal", afirma.
Por produzir um podcast sobre saúde mental, Amanda diz que tinha um certo conhecimento sobre TEA. Ainda assim, demorou para aceitar a palavra autista. "Percebi que eu tinha preoconceito em relação a mim mesma", admite. Conforme foi mergulhando no tema e processando as informações, sofria. "Na minha cabeça eu pensava: fui a vida inteira uma coisa, agora vou ter que ser outra coisa. Me entender autista foi um misto de alívio e sofrimento", declara ela.
A jornalista se dedica à terapia para ressignificar vivências do passado e evitar culpar terceiros e a si mesma por decisões e experiências. "As pessoas não conseguem entender o comportamento diferente. Elas ficam com raiva, se afastam, põem a culpa em você", diz.
O auge do "luto" pela descoberta do diagnóstico já passou. Agora, Amanda planeja não só um novo formato do "Esquizofrenoias" para facilitar o conhecimento sobre saúde mental como também um "braço" do podcast para abordar exclusivamente o autismo.
Em se tratando de políticas públicas e inclusão social, a jornalista avisa que é preciso pensar o TEA muito além da infância, sobretudo o nível 1 - que é o caso dela. "A criança com TEA nível 1 se torna um adulto e consegue levar uma vida independente com casa, parceiro e pet e fazer o que todo mundo faz, só que com mais dificuldade. Nosso sofrimento é mais invisível, pois não precisamos de tanto suporte, mas ele existe", observa. "É possível ter uma vida comum, PORÉM com algumas limitações de características e do modo de funcionar", pontua ela, que namora há cinco anos com o diretor de animação Vinícius Kahan, com quem divide o apartamento e quatro pets. "Chorei quando recebi o diagnóstico. Ele disse: 'Você sempre foi diferente, né? Só mudou o nome.' E tudo bem", finaliza.