Bahia tem quase duas mortes por dia por intervenção policial
Levantamento realizado pelo IDEAS - Assessoria Popular mostra que só nos primeiros dois meses do ano foram registradas 104 mortes decorrentes da letalidade policial, sendo a maioria das vítimas homens negros
Só nos primeiros dois meses deste ano, a Bahia registrou um total de 104 mortes decorrentes de intervenção policial, o que dá, em média, quase duas mortes por dia. Ao todo, foram 60 mortes contabilizadas em janeiro e 44 em fevereiro, ocorridas em Salvador, região Metropolitana e nas demais cidades com mais de 100 mil habitantes.
O levantamento foi realizado pela IDEAS - Assessoria Popular, que tem cobrado mais transparência nos dados da violência coletados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).
A organização é responsável por acompanhar e assessorar as famílias que perderam entes para a letalidade policial, como as famílias de Gamboa, que perderam três jovens negros mortos por policiais militares. O caso completou dois meses no último domingo (1) e entidades cobram por respostas sobre o inquérito apurado pela Corregedoria da Polícia Militar, cujo prazo limite de investigação terminou na segunda-feira (2).
Em nota enviada à Alma Preta, a Polícia Militar informou que o inquérito "já foi concluído e encaminhado para análise da coordenação de inquérito a fim de ser remetido ao Ministério Público". Sobre os policiais militares envolvidos na ação na Gamboa, a PM disse que eles estão em funções administrativas.
Caso Gamboa: PM envolvido já havia torturado um dos jovens antes
Segundo o coordenador do IDEAS, Wagner Moreira, o objetivo do levantamento é compreender a dinâmica da violência policial no estado e cobrar do governo do estado a inclusão das estatísticas da letalidade policial no Boletim Diário da SSP-BA, conforme prometido pelo secretário de Segurança Pública da Bahia, Ricardo Mandarino. "O secretário escutou, fez promessas e não cumpriu", comenta Wagner Moreira.
Os dados, coletados a partir de notícias publicadas em sites de veículos de comunicação, apontam que, das 104 vítimas fatais por intervenção policial, 103 eram do sexo masculino e apenas uma do sexo feminino - uma criança de 11 anos cuja familia e a comunidade afirmam que foi vítima da polícia. Na maioria dos casos reportados, as vítimas foram mortas sob a narrativa de confronto.
Do total de casos, 55 ocorreram na Região Metropolitana de Salvador e outros 49 nos municípios acima de 100 mil habitantes, levando em consideração a dinâmica da violência letal nessas cidades. Salvador foi a cidade com maior registro, com 38,5% do total; seguida por Vitória da Conquista (14,4%) e Feira de Santana (9,6%). Juntos os três municípios respondem por 62,5% da amostra colhida.
Na capital baiana, a maioria dos casos ocorreram em localidades periféricas, como nos bairros de Massaranduba, Engenho Velho de Brotas e Fazenda Coutos.
Em relação à raça/cor das vítimas, a amostra coletou os dados a partir da heteroidentificação por meio das fotos das vítimas, o que resultou em 19 pessoas identificadas como pretas/pardas e apenas uma identificada como branca. Nas demais 84 vítimas não foi possível fazer a identificação por ausência de fotografias. "Não estamos falando de mortes que estão acontecendo nas áreas centrais, nos bairros de elite. Se trata desse motor que a guerra às drogas, de fato, implementa: a morte de jovens, negros, periféricos e, muitas vezes, desconhecidos para a polícia que mata e para a mídia que reporta", ressalta Wagner Moreira.
Ainda conforme o levantamento, a maioria das vítimas (87,5%) não foram identificadas no momento do crime.
"O fato da gente não conhecer as identidades demonstra que não estamos falando de nenhuma operação em andamento, ou seja, de uma inteligência policial que está ativa e está tentando tirar de circulação, por exemplo, grandes figuras do tráfico ou tentando mudar a engenharia real daqueles que movimentam a dinâmica do tráfico de drogas", afirma o coordenador do IDEAS.
"A gente está falando que a polícia está agindo a 'esmo', matando figuras que não estão passando por um processo de investigação. Os dados confirmam a narrativa geral de que os sujeitos que estão sendo mortos na Bahia são negros e jovens", completa Wagner.
Falta de transparência
Em outubro do ano passado, secretarias e representantes dos movimentos negros se reuniram com o secretário de Segurança Pública, Ricardo Mandarino, que prometeu a criação de um Grupo de Trabalho (GT) como forma de auxiliar na construção de estratégias de combate à letalidade policial no estado. No entanto, a promessa nunca saiu do papel.
Ainda em março deste ano, outra reunião com o secretário Ricardo Mandarino, dessa vez com familiares das vítimas da Gamboa, houve uma promessa de que a SSP-BA iria passar a incluir dados sobre a letalidade policial nos boletins diários da Secretaria, o que também não aconteceu.
"Se esse GT tivesse sido criado, acho que a gente teria conseguido avançar em estratégias que ajudassem a reduzir a letalidade. Dentre essas estratégias, a própria ideia de transparência", diz o coordenador do IDEAS, Wagner Moreira.
A Alma Preta Jornalismo questionou a SSP-BA sobre quais as articulações têm sido feitas no sentido de garantir uma maior transparência nos dados sobre a letalidade policial no estado e se há previsão de incluir os dados nos boletins diários da Secretaria, conforme prometido pelo secretário Ricardo Mandarino. Porém, não obtivemos retorno até o fechamento da matéria.
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