Brasil sedia Surdolimpíadas pela 1ª vez; conheça evento quase centenário para atletas surdos
Edição começa neste domingo, 1º, em Caxias do Sul e terá a maior delegação brasileira da história dos Jogos
Antes do início das provas de natação e atletismo, nadadores e corredores se concentram para o momento decisivo da largada. Não há aviso sonoro. A prova se inicia quando é acesa uma luz de um dispositivo colocado no piso. Adaptações como essa são características que fazem parte da realidade da Surdolimpíada (Deaflympics, em inglês), criada em 1924 pelo Comitê Internacional de Desportos de Surdos, e que será sediada pela primeira vez na história no Brasil, entre 1º e 15 de maio.
A cidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, receberá mais de 5 mil surdoatletas e equipes, de 77 países, que participarão de 21 modalidades esportivas. Além de promover o esporte a cada quatro anos, o evento também serve para aproximar e valorizar a comunidade surda. Hoje, um quarto da população mundial têm algum grau de surdez, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, divulgados no ano passado.
Os atletas da Surdolimpíadas precisam se submeter a uma audiometria (exame mais comum para avaliação básica da audição) que comprove uma perda auditiva acima de 55 decibéis nos dois ouvidos. Não é permitido o uso de aparelhos auditivos e implantes cocleares nas provas e competições.
As regras das modalidades esportivas para atletas surdos são as mesmas das de atletas sem deficiência. As únicas adaptações necessárias envolvem a substituição de sinalização auditiva por sinalização visual, que é feita por meio de bandeiras, levantadas pelos árbitros nos momentos de marcação das disputas. No futebol, o árbitro principal usa uma bandeirinha, a mesma usada por seus auxiliares.
A presidente da Confederação Brasileira de Desporto de Surdos (CBDS), Diana Kyosen, ex-atleta da seleção brasileira de futsal vice-campeã mundial em 2015, exaltou a importância de o País sediar a edição da Surdolimpíada e reforçou o pedido por maior apoio aos surdoatletas.
"Falta acesso a políticas públicas esportivas, já que a categoria não se enquadra como 'paradesporto'. Poucas pessoas sabem, mas os atletas surdos não participam dos Jogos Paralímpicos por dois motivos. Um deles é porque os atletas surdos contam com essa competição específica, que é a Deaflympics (anterior à existência da Paralimpíada). O outro motivo é que, para os atletas surdos competirem com atletas ouvintes, seria necessário um grande número de intérpretes de língua de sinais para evitar as barreiras de comunicação entre eles". Segundo a confederação, surdos não se consideram pessoas com deficiência, em particular na capacidade física, mas sim "parte de uma minoria linguística e cultural".
O Brasil começou a competir em 1993 e já conquistou uma medalha de ouro, outra de prata e oito de bronze, sendo cinco delas conquistadas na edição de 2017. Em sua 7ª participação no torneio, terá sua maior delegação, com 237 integrantes, sendo 199 atletas (110 homens e 89 mulheres) e 38 membros da comissão técnica.
O único primeiro lugar conquistado foi há cinco anos com o nadador Guilherme Maia nos 200m livre e um novo recorde surdolímpico. Ao olhar para o placar e ver seu nome na primeira posição, com uma diferença de apenas 27 décimos para o segundo colocado, Guilherme levantou os braços, arregalou os olhos e falou um palavrão, ainda surpreso com o resultado.
Atualmente, ele treina com Régis Mencia, ex-técnico de Cesar Cielo, e vai disputar cinco provas na edição deste ano. Guilherme nasceu ouvinte e começou a nadar com apenas um ano e dois meses. Com menos de dois anos, teve perda de audição e chegou a usar aparelho por alguns anos. Iniciou cedo na natação graças à sua mãe, que é professora, e viajará de Santos para Caxias do Sul acompanhar o filho pela primeira vez na Surdolimpíada.
"Natação sempre foi sério para mim. Minha mãe e eu tínhamos um sonho: ser campeão. Esse ouro em 2017 me colocou numa posição de destaque. Vou tentar manter esse ouro nos 100/200 livre e trazer outras medalhas para representar nosso país", diz empolgado.
Paixão nacional, o futebol brasileiro só tem uma medalha conquistada nas Surdolimpíadas. Em 2017, a seleção feminina, que contou no elenco com Stefany Krebs, ex-Palmeiras e primeira atleta surda do futebol brasileiro, ficou com o bronze. Na disputa pelo terceiro lugar com a Grã-Bretanha, o Brasil saiu atrás do placar com um gol contra de Vaneza Wons, que empatou logo em seguida em cobrança de pênalti e também garantiu a vitória de virada no segundo tempo para delírio dos atletas brasileiros que foram torcer nas arquibancadas. Essa foi a primeira medalha de esporte coletivo e primeira feminina do Brasil nas Surdolimpíadas.
"Vamos ser vistos por todos e o meu sonho é conseguir conquistar, junto com as minhas parceiras de equipe, a medalha de ouro para o Brasil. Isso será o mais importante. Estou muito feliz em ser reconhecida para comunidade surda, ganhar visibilidade e mostrar que os surdos são capazes e não coitados", destaca Stefany, que começou a jogar futebol aos seis anos com o irmão, também surdo.
Já no masculino, o Brasil foi lanterna do grupo D, com derrotas nos três jogos da primeira fase. O campeão no futebol masculino foi a Turquia, que bateu a Ucrânia por 4 a 3 na decisão pelo ouro. Na atual edição, um dos adversários do time masculino do Brasil será a Holanda, que teve suas despesas de viagem pagas pelo zagueiro Virgil van Dijk, do Liverpool e da seleção do país. Van Dijk também doou sua camisa usada na conquista da Copa da Liga Inglesa em fevereiro para a caridade da seleção holandesa de surdos.
A primeira competição da Surdolimpíada acontece no sábado, dia 30 de abril, às 10h, um dia antes da abertura, com o futebol masculino, na partida entre Brasil e Camarões. Os jogos serão transmitidos pelo canal Deaflympics da XPLAY TV, no YouTube. E também no novo canal Markket, que está disponível para os assinantes da Claro (no canal 692) e, em breve, também da SKY, além da Plataforma Box Brazil Play.