Candidatos brancos têm bens quatro vezes maiores do que pretos
Candidatos que alteraram a autodeclaração de raça de branco para pardo têm média de bens avaliados próximo ao de políticos brancos; especialista acredita que os dados de candidatos pardos está supervalorizado por conta de fraudes
Os candidatos brancos nas eleições de 2022 têm bens com o valor quatro vezes superior ao de candidatos pretos. De acordo com as informações do TSE, os brancos têm em média bens avaliados em R$ 1,723 milhão, contra R$ 430 mil das pessoas pretas que concorrem no pleito deste ano.
Os políticos autodeclarados pardos tem R$ 903 mil e os amarelos R$ 1,066 milhão. A menor quantidade de bens é das candidaturas indígenas, que têm uma média de R$ 274 mil. Os dados foram levantados pelo programador Paulo Mota, integrante do Data_Labe.
O candidato com o maior valor de bens declarados é o segundo suplente para a vaga do Senado do Goiás, Marcos Ermírio de Moraes, filiado ao PSDB. Ele concorre pela federação PSDB e Cidadania, e é autodeclarado branco. O total de bens do candidato equivalem a R$ 1,2 bilhão.
O segundo candidato com mais bens declarados é Paulo Octávio, do Partido Social Democrata (PSD), com R$ 618 milhões, quem concorre ao governo do Distrito Federal. Paulo Octávio também se autodeclara como branco.
Existe também uma diferença nos indicadores de cada partido. O PSDB tem a maior média, com R$ 4,6 milhões em bens por candidato, seguido por MDB, com R$ 2,5 milhões, e PP, com R$ 2,1 milhões. Nos partidos, há também uma desigualdade racial, caso do PSDB, em que a média de valor de bens dos brancos é de R$ 6,9 milhões, enquanto os candidatos pretos, do mesmo partido, afirmam ter patrimônio orçado em R$ 202 mil.
No PSC, os candidatos de maneira geral afirmam ter patrimônios de R$ 1,9 milhão, quantia que salta para R$ 3,3 milhões para os autodeclarados brancos da legenda.
Najara Costa, autora do livro "Quem é Negra/o no Brasil?", acredita que os números apresentam as diferenças sociais e raciais do país. "Os dados representam o retrato da desigualdade racial que tem profundas raízes históricas na sociedade brasileira. A política é a maior representação disso, já que é majoritariamente composta por homens brancos, ricos e com forte apadrinhamento".
Bens dos candidatos com a raça alterada
As eleições de 2022 têm sido marcadas pela discussão sobre a mudança de autodeclaração de candidatos antes brancos e agora pardos. Depois de pedido da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), o TSE autorizou que as candidaturas de pessoas pretas e pardas recebam uma parte proporcional ao número de candidatos do Fundo Eleitoral de cada partido, e que as legendas vão receber o valor em dobro por votos em pessoas negras no momento de calcular os repasses do Fundo Eleitoral e Fundo Partidário. Os dois fundos são orientados a partir da presença de deputados de cada partido e a quantidade de votos de cada legenda.
Os candidatos que se autodeclaravam brancos em 2018 e agora se autodeclaram pardos têm uma média de bens de 1,5 milhão, quantia próxima ao valor de candidatos brancos nas eleições de 2022. Os antes pardos e agora brancos declararam 1,2 milhão, os pardos para pretos R$ 544 mil e os pretos para pardos R$ 421 mil.
Najara Costa acredita que existe um super dimensionamento dos valores anunciados para candidatos autodeclarados pardos. Pessoas brancas com os privilégios oferecidos pela sociedade brasileira que se autodeclaram pardas mudam as estatísticas no Brasil e dificultam a implementação de políticas públicas, segundo a pesquisadora. "Alteram significativamente os dados que de fato representam a população negra, pois distorcem a realidade de extrema a sub-representação do grupo".
O candidato à reeleição pelo Distrito Federal, Ibaneis Rocha, alterou a autodeclaração de branco para pardo, e afirmou ter um patrimônio de R$ 79 milhões, o maior entre os candidatos que mudaram de branco para pardo.
Nas eleições de 2022 também chamou atenção a autodeclaração de pardo do ex-prefeito de Salvador e candidato ao governo da Bahia, ACM Neto. Para Juarez Xavier, professor da UNESP que presidiu a comissão de verificação de fraudes de autodeclaração no vestibular da universidade, existe oportunismo por parte de candidatos no Brasil.
"Há muitos oportunistas tentando navegar nessa onda negra de afirmação de identidade. É o caso, na minha opinião, do ACM Neto, que sempre fez parte da elite branca da Bahia, uma das mais perversas do Brasil".
Ele acredita que existe um processo de maior orgulho negro, fruto das ações dos movimentos sociais, e confessa jamais ter imaginado que as bancas de verificação de fraudes pudessem ser necessárias no Brasil.
"Ninguem poderia imaginar, nos anos 80 e 90, que teríamos de fazer comissões de heteroidentificação para ter acesso às políticas públicas das ações afirmativas. Era tão definido pelo supremacismo branco quem era preto e que não era, que nós achávamos que não seria necessário".
Os casos de mudança de autodeclaração e as fraudes no processo eleitoral fazem o professor da UNESP acreditar na necessidade de trazer para a esfera política as mesmas bancas de verificação de fraudes das universidades e concursos públicos.
"Não temos outra saída, que não adotar as comissões de heteroidentificação. Essas comissões têm um trabalho bem importante para assegurar o acesso de pretos e pardos ao serviço público e as universidades públicas de qualidade. Não me parece que a gente possa fugir dessa possibilidade, de comissões de heteidentificacao", finaliza.
Debate presidencial e a democracia da branquitude