Casamento gay e outros direitos estão em risco após medida sobre aborto na Suprema Corte dos EUA
Documento proíbe abortos após 15 semanas de gravidez e anularia a decisão de 1973 Roe vs. Wade, que legalizou o procedimento em todo o país
O rascunho do parecer do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Samuel Alito que acabaria com o reconhecimento do direito constitucional ao aborto pode colocar em risco outras liberdades relacionadas ao casamento, sexualidade e vida familiar, incluindo controle de natalidade e casamento entre pessoas do mesmo sexo, segundo especialistas jurídicos.
O documento, divulgado em um vazamento que levou o presidente da corte, John Roberts, a iniciar na terça-feira uma investigação, manteria uma lei do Mississippi que proíbe abortos após 15 semanas de gravidez e anularia a decisão de 1973 Roe vs. Wade que legalizou o procedimento em todo o país.
O raciocínio legal do rascunho, se adotado pelo tribunal quando for emitida sua decisão até o final de junho, pode ameaçar outros direitos que os norte-americanos consideram garantidos em suas vidas pessoais, de acordo com a professora de direito da Universidade do Texas Elizabeth Sepper, especialista em saúde e religião.
"O alvo mais fácil é a contracepção, provavelmente começando com a contracepção de emergência, e o casamento entre pessoas do mesmo sexo também é um alvo fácil, pois foi recentemente reconhecido pela Suprema Corte", disse Sepper.
A maioria conservadora de 6 a 3 da corte, incluindo Alito, tornou-se cada vez mais assertiva em uma série de questões. O tribunal confirmou a autenticidade do rascunho vazado, mas o chamou de preliminar.
A decisão Roe, uma das mais importantes e contenciosas do tribunal no século 20, reconheceu que o direito à privacidade pessoal sob a Constituição dos EUA protege a decisão da mulher de interromper sua gravidez.
"Roe estava flagrantemente errado desde o início. Seu raciocínio foi excepcionalmente frágil, e a decisão teve consequências prejudiciais", escreveu Alito no rascunho, acrescentando que Roe e uma decisão de 1992 que a reafirmou apenas "aprofundaram a divisão" na sociedade.
De acordo com Alito, o direito ao aborto reconhecido em Roe precisa ser derrubado porque não é válido sob o direito ao devido processo legal da 14ª Emenda da Constituição.
O aborto está entre uma série de direitos fundamentais que o tribunal ao longo de muitas décadas reconheceu, pelo menos em parte, como as chamadas liberdades processuais "substantivas", incluindo a contracepção em 1965, o casamento interracial em 1967 e o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015.
"PROGRESSO SOCIAL"
Assim como o aborto, outros direitos pessoais, incluindo contracepção e casamento entre pessoas do mesmo sexo, podem ser considerados por juízes conservadores como fora da estrutura envolvendo direitos "profundamente enraizados" na história norte-americana, de acordo com especialistas.
"Isso foi considerado progresso social - estávamos mudando como sociedade e coisas diferentes se tornaram importantes e se tornaram parte do que se prezava", disse Carol Sanger, especialista em direitos reprodutivos da Columbia Law School.
No rascunho, Alito buscou distinguir o aborto de outros direitos porque, ao contrário dos outros, destrói o que a decisão Roe chamou de "vida potencial".
"Nada neste parecer deve ser entendido para lançar dúvidas sobre precedentes que não dizem respeito ao aborto", escreveu Alito.
Sepper disse que Alito "não é particularmente convincente porque ele não faz o trabalho de distinguir esses casos de maneira significativa". Ela acrescentou: "É um parecer realmente abrangente."