Casamento homoafetivo só é reconhecido em 17% dos países
Em 22 anos, 34 nações autorizaram as uniões igualitárias. Europa detém maior proporção de países onde a medida é permitida
Um levantamento da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA, na sigla em inglês) aponta que 17% dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao todo, 34 países permitem esse tipo de vínculo, a maioria deles na Europa Ocidental e nas Américas.
Em outras 36 nações, os casais podem assinar acordos de união civil. Em seu relatório, a ILGA ressalta que o reconhecimento de diferentes formatos de união civil homossexual veio antes da obtenção do direito ao casamento.
"A possibilidade de ter acesso a essa proteção em pé de igualdade oferece aos casais do mesmo sexo a estabilidade e a proteção tradicionalmente concedidas apenas a pessoas heterossexuais", diz o texto.
Dinamarca pioneira
Em 1989, a Dinamarca foi o primeiro país do mundo a ampliar o direito à união civil aos LGBTs. Na época, a prefeitura de Copenhague promoveu um evento na sede do governo para celebrar a parceria registrada de 11 casais. A mudança foi um marco para o país, onde até 1933 era proibido expressar a homossexualidade em público.
Apesar de a união civil não permitir a adoção de filhos, a medida possibilitou que um dos parceiros herdasse os bens do outro em caso de morte. Além disso, mesmo com a liberação, as cerimônias continuaram proibidas em igrejas evangélicas luteranas, maioria no país, e outras nações não reconheciam a união civil como casamento.
Os homossexuais dinamarqueses só puderam se casar no país a partir de 2012, com a aprovação de uma lei pelo Congresso. A norma também permitia que igrejas realizassem os casamentos. Um estudo publicado em 2019 pelo Instituto Dinamarquês de Prevenção do Suicídio e pela Universidade de Estocolmo atribuiu ao reconhecimento dessas uniões civis a queda na taxa de suicídios entre LGBTs na Dinamarca.
No restante do mundo, mudanças na legislação favoráveis ao casamento homoafetivo foram inauguradas em 2001, quando a Holanda celebrou o primeiro matrimonio entre LGBTs, depois da aprovação da norma no parlamento. Em 1º de abril, 4 casais tiveram a união confirmada na prefeitura de Armsterdã.
Casamento igualitário pelo mundo
A Europa é o continente que concentra a maior proporção de países que permitem a união civil ou o casamento homoafetivo: ao todo, 30 de seus 48 países. Na América, 12 dos 34 países reconhecem a união civil ou matrimônio. O primeiro país a legalizar o casamento entre homossexuais no continente foi o Canadá, em 2005. Por lá, antes da aprovação em nível nacional por meio de decisão da Suprema Corte, as províncias já tinham liberado o casamento gay localmente.
Na esteira dos canadenses, e após uma longa votação, os senadores argentinos passaram o projeto de lei que autorizou o casamento entre gays e lésbicas em 2010. O placar foi apertado: 33 votos a favor e 27 contrários.
Na Oceania, apenas Austrália e Nova Zelandia autorizam o casamento igualitário. A decisão do parlamento australiano, por exemplo, em 2017, foi respaldada por um referendo nacional em que 61,6% da população optou pela adoção da medida.
Na Ásia e na África, os direitos dos casais homossexuais são alvo da restrição. Entre os 42 países asiáticos, somente em Taiwan as pessoas do mesmo sexo podem se casar. O pleito no parlamento taiwanês que ampliou os direitos da comunidade LGBT ocorreu em 17 de maio de 2019, Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. Na ocasião, mais de 35 mil militantes protestaram pela mudança legislativa.
No continente africano, só na África do Sul os casais homossexuais podem se casar. O reconhecimento do direito foi oficializado em 2006 após uma decisão judicial do Tribunal Constitucional que obrigou o parlamento a alterar a lei do país sobre o tema. Em vez de "união entre homem e mulher", o casamento passou a ser definido como "união entre duas pessoas".
Proibições
O número de países que criminalizam as relações homossexuais supera o daqueles que as reconhecem. Em 62 nações, as relações homossexuais são vedadas de maneira explícita na lei. Pelo menos sete punem com pena de morte os envolvidos em relacionamentos homoafetivos.
Um deles é o Irã, onde a proibição entrou em vigor em 2013, depois de uma reforma no Código Civil classificando como crime a relação entre indivíduos do mesmo sexo. Em 2023, o governo de Uganda aprovou uma lei que condena à prisão perpétua ou à morte quem mantiver relações homossexuais.
Mas os casos não se restringem à África e ao Oriente Médio. Mesmo na Europa, que concentra a maior proporção de países onde o casamento homoafetivo é legalizado, há casos de sanções aos casais. Na Hungria, desde 2020 uma emenda à Constituição inviabilizou a adoção por casais homossexuais, ao incentivar que os cidadãos denunciassem às autoridades famílias LGBTs com filhos.
Na Rússia, a Constituição proíbe o que classifica como qualquer tipo de propaganda relacionada à causa e ao movimento LGBT. Também nos Estados Unidos a comunidade enfrenta retrocessos de direitos: o estado do Tennesse baniu apresentações de drag queens em locais públicos ou em presença de menores de 18 anos.
Caso do Brasil
No Brasil, o reconhecimento do casamento homoafetivo se sustenta por uma decisão judicial. Em 2011, o Supremo Tribunal federal (STF) deliberou em dois processos pela equiparação da união estável entre pessoas do mesmo sexo à heterossexual.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução obrigando os cartórios a celebrarem casamento civil homoafetivo. Nos dez anos desde então, houve o registro de 76,4 mil casamentos homoafetivos no Brasil, segundo balanço da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
No entanto, o direito não é regulamento pela legislação. Por isso o tema é alvo de debates no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, tramitam em conjunto dois projetos de lei sobre o assunto. Enquanto o projeto nº 5167/09 propõe incluir no Código Civil a proibição à união homoafetiva, outra matéria, o PL nº 580/07 quer o oposto: a possibilidade da união homoafetiva.
O texto é analisado na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família. Diante da iminência de que o relatório do deputado Pastor Eurico (PL-PE) favorável à proibição, fosse lido no colegiado em 19 de setembro, parlamentares da base aliada do governo apresentaram uma obstrução, e a discussão foi adiada.
Na quarta-feira (27/09), deputados apreciaram o parecer do relator. Na ocasião, a deputada federal Erika Hilton (Psol-RJ) defendeu que o relatório é inconstitucional, pois promove a retirada de direitos já adquiridos pela população.
"O relatório apresentado pelo Pastor Eurico é [...] um escárnio e um explícito ataque contra a vida, a dignidade e os direitos das pessoas LGBTQIA+. Além de defender a retirada de direitos já adquiridos pela população, o procedimento antidemocrático e inconstitucional por excelência".
O relator rebateu: "Alguns desses (deputados) disseram que eu estou querendo fazer trampolim político. Gente, o projeto não é meu. Eu estou no quarto mandato e não seria esse o trampolim que eu iria usar".
No parecer, o Pastor Eurico (PL) afirma que o Supremo "usurpou" competências do Legislativo ao deliberar sobre o tema. Para o deputado, "inexiste qualquer previsão que permita o casamento ou a união estável entre pessoas do mesmo sexo". Ele diz que a Constituição reconhece apenas como entidade familiar a união estável entre homem e mulher.
"O Brasil, desde sua constituição e como nação cristã, embora obedeça ao princípio da laicidade, mantém, na própria Constituição e nas leis, os valores da família, decorrentes da cultura de seu povo e do Direito Natural", prossegue o texto.
Diante do impasse entre os congressistas em torno do texto, um novo parecer será elaborado pelo relator, junto com quatro deputados.
Por tramitar em regime conclusivo, o projeto só precisa passar pelas comissões temáticas, e não é encaminhado ao plenário para votação. Depois da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família segue para a Comissão de Constituição e Justiça.