Caso Eliza Samudio mostra sequência de violências contra mulheres que podem culminar no feminicídio
Em março de 2013, Bruno Fernandes foi condenado a mais de 20 anos de prisão pelo assassinato da modelo; ele está em liberdade condicional
Feminicídio é o assassinato de uma mulher em razão de seu gênero. Caso envolvendo o assassinato de Eliza Samudio ilustra cultura de violência contra mulheres no Brasil.
Feminicídio é o assassinato de uma mulher em razão de seu gênero, ou seja, pelo fato de ser mulher. No Brasil, a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), que altera o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), estabelece o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o coloca na lista de crimes hediondos. Dessa forma, enquanto a pena para o crime de homicídio simples varia entre 6 e 20 anos, para o feminicídio é de 12 a 30 anos.
Este crime é resultado de uma cultura de violência que perpetua a desumanização e a objetificação das mulheres, criando um ambiente propício para que atos de agressão e até homicídio ocorram. E a história da modelo Eliza Samudio, morta pelo ex-goleiro Bruno Fernandes de Souza, ilustra essa sequência de violências que podem culminar no feminicídio.
Nesta quinta-feira, 26, a Netflix irá lançar o documentário "A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samudio", relembrando o caso que chocou o Brasil. Relembre o crime:
Bruno forçou Eliza a abortar, o que ela não fez
Eliza e Bruno se conheceram em 2009 durante uma festa no Rio de Janeiro. Eles tiveram relações sexuais e, um tempo depois, ela descobriu que estava grávida do atleta. Segundo investigações, Eliza contou ao então goleiro do Flamengo da gravidez e ele a forçou a abortar, mas Eliza não fez isso.
Denunciou Bruno e seus amigos por sequestro, agressão e ameaça
Em outubro, ela procurou a polícia para registrar um boletim de ocorrência contra Bruno e dois amigos dele, que ameaçaram matá-la caso ela não fizesse o aborto. Segundo seu depoimento na época, Bruno ainda a teria mantido em cárcere privado e a agredido fisicamente. Além disso, ele teria forçado Eliza a ingerir substâncias abortivas.
Eliza fez um teste de urina na época, que confirmou a presença de substâncias químicas abortivas. No entanto, as autoridades levaram cerca de oito meses para fazer a análise - o resultado saiu quando ela já estava morta.
Pediu medida protetiva e o recurso negado
Após registrar a ocorrência, Eliza também pediu uma medida protetiva de urgência, o que foi negado por uma juíza da vara especializada de violência doméstica. A juíza argumentou que a Lei Maria da Penha não se aplicava ao caso de Eliza, uma vez que ela não tinha uma "relação afetiva estável" com o agressor.
Ela pediu o reconhecimento de paternidade
O filho de Eliza nasceu em fevereiro de 2010, época em que estava morando em São Paulo na casa de amigas. Após o nascimento da criança, ela entrou com uma ação para que Bruno reconhecesse a paternidade.
Foi sequestrada pelos comparsas dele
Segundo investigações, Eliza disse para uma amiga que iria para o Rio de Janeiro se encontrar com Bruno, para uma possível reconciliação. Dias depois, ela foi levada à força por Macarrão, amigo de Bruno, e pelo primo menor de idade do jogador, Jorge Luiz Rosa, para o sítio do ex-goleiro em Esmeraldas, Minas Gerais, onde teria ficado trancada com o filho em um quarto. No local, ela era vigiada por outro primo de Bruno, Sérgio Rosa Sales.
Eliza foi morta e seu corpo nunca foi encontrado
Cerca de quatro dias depois, Eliza e seu filho foram retirados do quarto, sob a justificativa de que eles seriam levados para conhecer um apartamento em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. No entanto, Macarrão e dois primos de Bruno a levaram para uma casa em Vespasiano (MG), onde ela teria sido assassinada.
De acordo com o depoimento de Jorge Rosa à polícia, Eliza foi estrangulada e esquartejada na casa do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como Bola. Após cometer o crime, o ex-policial ainda teria dado os restos do corpo de Eliza aos cachorros.
No dia 24 de junho de 2010, a polícia recebeu uma denúncia anônima sobre o caso, informando que Eliza teria sido morta e suas roupas queimadas em Esmeraldas. A polícia realizou buscas no sítio de Bruno, mas nada foi encontrado. O filho de Eliza, batizado de Bruninho, foi achado com desconhecidos em Ribeirão das Neves.
Caso poderia ter passado despercebido, mas o agressor é famoso
A fama de Bruno impediu que o caso de feminicídio passasse despercebido pelo público, o que não acontece tanto com outros casos de feminicídio do Brasil. Segundo o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de 2015 até 2023, 10,6 mil mulheres foram vítimas de feminicídio no país.
No ano passado, 1,46 mil mulheres foram vítimas deste crime no Brasil, um crescimento de 1,6% em relação a 2022.
Um relatório das Nações Unidas sobre violência de gênero, de 2022, revelou que parceiros íntimos ou outros familiares cometeram quase 6 a cada 10 assassinatos de mulheres no mundo em 2021, ano em que cerca de 45 mil mulheres e meninas em todo o mundo foram mortas por seus parceiros ou familiares.
A batalha na Justiça
Em julho de 2010, a Justiça de Minas Gerais emitiu sete mandados de prisão temporária e determinou a internação provisória do menor de idade que prestou depoimento sobre o caso. Já no Rio de Janeiro, foram expedidos mais dois mandados de prisão, contra Bruno e Macarrão, alvos em ambos os estados. Eles se entregaram no Rio.
Em março de 2013, Bruno Fernandes foi condenado a mais de 20 anos de prisão pelo assassinato de Eliza. Em 2018, ele passou para o regime semi-aberto e está em liberdade condicional desde janeiro de 2023.
Liberdade
Bruno chegou a atuar em alguns clubes de futebol após cumprimento da pena em regime fechado. Atualmente, ele trabalha como entregador de móveis para uma casa de móveis localizada no município de Rio das Ostras, no litoral do Rio de Janeiro.
No dia 13 de setembro, ele foi filmado trabalhando em sua nova profissão. O vídeo chegou a repercutir nas redes sociais.