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Caso Zambelli: advogados do policial que perseguiu homem negro mentiram no processo

Advogados de defesa de Valdecir Dias disseram que o policial estava alocado pela Polícia Militar para fazer a proteção de Zambelli, informação negada pela PM

4 jul 2023 - 19h23
(atualizado em 5/7/2023 às 12h19)
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Imagem mostra a deputada federal Carla Zambelli e seu segurança apontando arma em rua de São Paulo
Imagem mostra a deputada federal Carla Zambelli e seu segurança apontando arma em rua de São Paulo
Foto: Reprodução / Alma Preta

Os advogados do policial militar que atirou e perseguiu Luan Araújo mentiram no processo que corre no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No dia 29 de outubro de 2022, um dia antes do segundo turno das eleições presidenciais, ocorria manifestação na Avenida Paulista em forma de apoio a Lula, então candidato à presidência da República, quando a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e Valdecir Dias discutiram e intimidaram um homem negro na rua.

De acordo com o boletim de ocorrência, que está anexado ao processo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Dias afirmou, em seu depoimento no dia do fato, ser amigo de Carla Zambelli e que estava de folga do trabalho na Polícia Militar. Valdecir Dias, que está lotado no Centro de Inteligência da Polícia Militar (CIPM), foi denunciado pelo Ministério Público por práticas de crime de "ameaça, injúria, lesão corporal e disparo de arma de fogo".

Durante o processo, a defesa do policial à época apresentou nova versão. No dia 19 de dezembro, os advogados Marcelo Passos e Polyana Molezini sinalizaram que o cliente, na verdade, estava alocado pela Polícia Militar de São Paulo para acompanhar a deputada federal Carla Zambelli no período que estava em campanha eleitoral no estado.

"Ressalta-se que Valdecir é policial militar na ativa e foi alocado do setor de inteligência da Polícia Militar pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo para fazer a segurança da deputada e de seus familiares, durante sua permanência na cidade de São Paulo", diz o texto.

Entretanto, a PM contradiz os advogados. Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa da corporação, Valdecir não estava de serviço um dia antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. "A Polícia Militar informa que o policial citado não foi designado para fazer a segurança pessoal da referida autoridade e estava de folga no dia 29 de outubro de 2022. Foi instaurado um procedimento disciplinar para apuração".

O Código Penal, no artigo 342, descreve o crime de "falso testemunho", resultado de "fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral". A pena varia de prisão de dois a quatro anos, mais multa.

Procurados, os advogados Marcelo Almeida Passos e Polyana Molezini, que assinam o documento que a afirma que Valdecir foi cedido pela PM para fazer a segurança de Zambeli e estiveram com os envolvidos na delegacia no dia 29 de outubro de 2022, disseram que não representam o policial militar e não comentariam o caso. Ambos enviaram a mesma resposta para a reportagem. "Não tenho nada a declarar, pois não sou a advogado do caso e nem tampouco tive qualquer autorização para me manifestar dentro ou fora dos autos".

Valdecir Dias contratou um novo escritório de advocacia para assumir a sua defesa. De acordo com Robson Moura, atual advogado do policial, ele não tinha conhecimento da suspeita do seu cliente ser segurança particular da parlamentar. Moura cita a idade e condição de saúde como pontos impeditivos para cumprir tal função.

"Por ser policial militar e ter o dever legal de agir, agiu para cessar as injustas agressões sofridas pela deputada. Neste sentido, a defesa entende não possuir fundamento a suspeita mencionada. Ele possui atualmente quase 50 anos de idade e sérios problemas em seu joelho e que não faria sentido a parlamentar contratar um segurança com idade um pouco mais avançada e problemas no joelho, sendo que ela poderia escolher um segurança profissional ou um policial mais jovem e com saúde plena", alegou o advogado.

Amigo ou contratado?

Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, acredita que a situação precisa ser melhor apurada e alerta para os perigos do "bico" feito por agentes de segurança pública. "De fato, é algo que precisa ser investigado. Não é à toa que um policial faz um turno de 24 horas e deveria passar 48 horas descansando, 36 horas descansando. A gente imagina um policial que trabalha sete dias por semana, no oitavo dia com certeza ele não está trabalhando com a mesma qualidade que estaria se tivesse tirado uma folga".

Para ela, as investigações não podem se restringir ao policial militar, mas deve se estender à contratante, no caso Carla Zambelli. "Acho que é importante por ela ser parlamentar, que deveria ter uma conduta exemplar. Se ela precisa de uma escolta, se ela está sofrendo alguma ameaça, não acho que ela tenha dificuldade em fazer um requerimento formal. Poderia também ter contratado um segurança privado, que não fosse policial".

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que "exercer, mesmo nas horas de folga, qualquer outro emprego ou função, exceto atividade relativa ao ensino e à difusão cultural, quando compatível com a atividade policial, é transgressão disciplinar. As corregedorias das instituições exercem atividades de vigilância permanente e, também, investigam todos os fatos que, formalmente, lhes chegam ao conhecimento".

A lei complementar 893 de 2001 regula as atividades policiais e sinaliza para a impossibilidade do policial militar exercer qualquer serviço de segurança privada. "Ao militar do Estado em serviço ativo é vedado exercer atividade de segurança particular, comércio ou tomar parte da administração ou gerência de sociedade comercial ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista, cotista ou comanditário", diz a lei. A legislação considera esse um crime grave e a corregedoria, diante desse desvio, pode sugerir medidas como a detenção, entre 8 e 20 dias, ou demissão do policial militar.

A Câmara dos Deputados afirmou, em nota, que há casos em que o parlamentar pode requerer medidas especiais de segurança para a Polícia Legislativa. "Deputados federais podem solicitar proteção da Polícia Legislativa da Câmara (Depol), conforme regras previstas na Resolução 18/2003. A segurança policial está prevista no art. 3º. Os dados sobre proteção aos parlamentares são sigilosos", afirmou em nota a assessoria de imprensa da Câmara.

Citações a Valdecir durante o processo

A atuação de Valdecir como segurança da parlamentar é ressaltada mais uma vez durante o processo, inclusive pelo próprio perito contratado pelo PM para analisar as imagens de câmeras de segurança feitas por celulares durante a discussão e perseguição. Ao longo do documento, outras indicações como essa são feitas, o que reforça a suspeita de existir uma relação empregatícia ilegal.

Em contrapartida, em seu depoimento no 78º Distrito Policial (Jardins), Valdecir negou que prestava um serviço de segurança para Zambelli e também não informou que estava em função oficial, alocado pela Polícia Militar naquele dia. Pelo contrário, diante dos policiais civis Valdecir disse "que é amigo pessoal de Carla Zambeli e nesta data ela o chamou para almoçar", segundo consta no boletim de ocorrência.

Zambelli cita em seu depoimento que Valdecir é policial e amigo pessoal dela. A intimidade entre os dois é sinalizada quando a parlamentar se refere a ele por um apelido. "Desta feita, o amigo que lhes acompanhava, este identificado como "Barão", Policial Militar, entoou ser Policial e ordenou a parada dos agressores, sendo que, por motivos desconhecidos até a presente data, 'Barão' acabara por se machucar não dando continuidade a ação policial", diz o trecho do BO que descreve o depoimento da deputada.

Luan Araújo se recorda que, quando todos os envolvidos foram encaminhados para a delegacia, era conversado entre os presentes que Valdecir era segurança da deputada Carla Zambelli. "Eu ouvi falar, mas eu não posso ter certeza também de afirmar se ele era um segurança. Ele estava totalmente dando a pinta de ser um segurança e tudo mais, mas eu não saberia informar se era efetivamente um segurança dela ou um amigo", contou em entrevista à Alma Preta.

Ao longo do processo, o policial militar justifica que, por ter um problema de saúde em uma das pernas, teria caído no chão e atirado de modo acidental com seu revólver pessoal, o que é apontado por Renan Bouhus. "E se esse disparo acidental fosse na cabeça do Luan? Se você tem um problema na perna, como que eu sai correndo com uma arma engatilhada na mão? Isso é um absurdo".

Vídeos mostram relação antiga entre PM e Zambelli

O desencontro das informações sobre a relação entre a deputada e o policial se soma a imagens apuradas pela equipe de reportagem da Alma Preta, que apontam para outros momentos em que Valdecir Dias esteve junto de Carla Zambelli nos últimos anos.

No dia 26 de setembro, por exemplo, durante a campanha eleitoral de 2022, quando Carla Zambelli foi alvo de uma ataque por parte de manifestantes pró Lula, Valdecir Dias aparece nas imagens por trás da deputada.

Anos antes, em 2019, no dia 30 de junho, o policial também aparece em imagens com Carla Zambelli em manifestações em defesa da Operação Lava Jato. Já no dia 25 de agosto do mesmo ano, nova presença da deputada em ato bolsonarista com a presença de Valdecir Dias.

"O fato tem sua relevância para a gente demonstrar o quanto ele está mentindo", afirma Renan Bouhus.

Atualmente, existem dois processos sobre o episódio. Para além do caso no TJ-SP, há a investigação que apura a participação de Zambelli, que sacou uma arma de fogo e fez ameaças a Luan, e tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O caso corre sob segredo de justiça.

A assessoria de imprensa da deputada Carla Zambelli não respondeu os questionamentos feitos pela reportagem.

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Alma Preta
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