Com nanismo, menino de 4 anos toma injeções diárias que custam R$ 200 mil por mês: "Me dá um`pitolé` para eu ficar calmo"
Através da internet, Cauê e a família compartilham a rotina para abordar desafios, retirar o tabu e orientar as pessoas sobre a condição
Com quase 100 mil seguidores, Ana Cazarré, de 33 anos, viu nas redes sociais a oportunidade de “apresentar” o Cauê, seu filho de 4 anos, para o mundo. Com vídeos bem-humorados, a nutricionista, que é natural da Argentina, mas mora há 10 anos em Florianópolis, Santa Catarina, mostra os detalhes de uma rotina que é como a de qualquer outra família, exceto por um detalhe: Cauê tem nanismo.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
Junto com a irmãzinha, Clara, de quase 2 anos, Cauê faz de tudo. Brinca, ri bastante ao mostrar todos os dentinhos e faz bagunça. No entanto, todos os dias, o menino precisa tomar uma injeção com um medicamento chamado Voxzogo. O método faz parte de um tratamento para crescimento voltado para crianças com acondroplasia e pode ser usado a partir dos 6 meses no Brasil.
Assim como outros detalhes da rotina, o momento da aplicação do medicamento também é mostrado no perfil. Em um dos vídeos viralizados, o menino aparece pedindo um “pitolé” (picolé) para ajudá-lo a se acalmar (veja no vídeo abaixo). Não é fácil, pois ninguém gosta de ser furado, mas Cauê enfrenta o medo com coragem.
“O Cauê faz parte da primeira geração que faz uso do medicamento. A gente começou o tratamento com dois anos e oito meses. Ele [Cauê] tem uma mutação genética, que não permite o crescimento em uma velocidade normal. Esse medicamento vai fazer com que essa mutação genética seja bloqueada”, explica Ana em entrevista ao Terra.
A mãe afirma ter descoberto o voxzogo através de grupos de apoio para pessoas com nanismo. Logo, ela notou que não era fácil de conseguir. O medicamento custa entre R$ 6,5 mil a 7,5 mil e, por ser diário, mensalmente a conta fica em torno de R$ 200 mil. As doses são entregues pela Secretaria da Saúde mediante processo aberto na Justiça.
“A gente fazia lives para informar os pais sobre isso, porque muitos pais desconhecem por onde começar, por onde ir”, conta Ana.
Assim como em qualquer outra publicação, há comentários desagradáveis --“pra que isso?”, “Qual é a necessidade de expor a criança assim?” e por aí vai-- que são pequenos comparados à grande rede de apoio e carinho que a família recebe.
“Quando ele nasceu, que recebi o diagnóstico, eu sozinha lá na maternidade, olhei assim pra cima e falei: ‘Deus, se você me deu ele desse jeitinho, eu quero ser um canal de comunicação. Eu vou ser um canal de comunicação’. [...] Me procuram pra tirar dúvidas, pra perguntar como que eu faço, pra onde que eu vou, sobre o medicamento. [...] Eu gosto de ser esse apoio. Já o fato de ter os vídeos ali, as mamães que ganham um bebê, que tão com esse medo, com essa dor do desconhecido aí, os vídeos do Cauê, eles veem ele conversando, sendo uma criança normal. Eu escutei muito: ‘Me dá um alívio ver os vídeos do Cauê. Obrigado por compartilhar isso’”, destacou Ana.
O Cauê é conhecido no mundo todo, diz Ana. A nutricionista conta que ela e o marido já tiveram oportunidade de conversar com pessoas de vários países como França, Canadá, Estados Unidos, Rússia e entre outros.
Um caminho desconhecido
A ideia para o perfil nasceu cedo, quando Cauê ainda estava na barriga. Ela conta que teve o bebê durante a pandemia da Covid-19. O caos na saúde do período refletiu no atendimento médico de Ana e, por ser mãe de primeira viagem, não soube discernir o que era certo e o que não era.
“Foi muito ruim. Foi muito precário. [...] O médico mal olhava os exames. O ultrassom era feito um aqui, outro lá. Ninguém olhou pra ele, essa é a verdade”, relembra.
De acordo com ela, os traços que apontavam a condição genética do filho eram visíveis pelo ultrassom, no entanto, os médicos não mencionaram a possibilidade para ela. Graças a um trabalho de parto mais longo, Ana foi encaminhada para um hospital universitário da região, com um número maior de especialistas, e lá recebeu a notícia de que teria um bebê com nanismo.
“Quando o Cauê nasceu, a enfermeira foi medir e ela falou pro Alexandre, o pai: ‘O teu filho tem as perninhas mais curtas e os bracinhos mais curtos’. Ela falou das características indicando que possivelmente ele teria uma deficiência, mas não podia confirmar no momento. [...] Aí ele falou pra mim: ‘Amor, o Cauê vai ter uma perna mais curta e um braço mais curto’”, conta Ana.
A nutricionista conta que, naquele momento, outras possibilidades surgiram em sua mente, mas o nanismo não era uma delas. “Nunca vai passar na cabeça de ninguém, eu acredito. Sério, de ninguém”, explica. “No mesmo dia, a médica geneticista pediu pra levar ele pra fazer um raio-x. Levaram e aí confirmaram que era acondroplasia”.
“Pra mim, foi tranquilo porque pensei: ‘Ah, é só baixa estatura e nada mais’. Sou nutricionista, então, pensei assim, levar pro lado da alimentação, vai ser tudo tranquilo. Depois que a gente vai entrando no mundo e vendo que realmente não é só baixa estatura. São muitas doenças associadas e situações associadas à baixa estatura”, explica.
Já a reação do marido foi diferente. De acordo com ela, Alexandre recebeu a informação sobre a condição do filho sem cuidado nenhum. “Os médicos não foram sensíveis ao falar. Eles só falaram assim: ‘Pai, você precisa ir embora. Teu filho é deficiente, agora precisa ir embora’. Basicamente isso”, conta.
“Eu sempre me lembro desse momento, porque ele saiu praticamente sem dar tchau, sem dar beijo, era tipo um castelinho de lego assim, destruído, tudo no chão indo embora, sabe?”, contou. “Por praticamente um dia, a gente nem falou”.
Enquanto Alexandre tentava entender e digerir a informação, ele se apoiou na bebida. “Nesse primeiro dia, [ele] chorava, bebia, chorava, bebia. Depois, limpou as lágrimas e vamos embora. Quando ele foi buscar a gente na sexta-feira, começou a relação dele com o filho. E aí, começou a fluir, a gente foi aprendendo e hoje estamos aqui”, detalha.
Três anos depois, Ana deu à luz a segunda filha do casal, Clara. Na época, ela sentiu um pouco de medo, devido a primeira experiência não ter sido tão boa, mas sonhava em ter uma filha e foi com medo mesmo.
“Quando eu falei pro Alexandre que eu queria engravidar, falei que queria ressignificar a minha primeira gravidez. Aí a gente se organizou financeiramente para fazer vários exames pelo particular, menos o parto. Fiz terapia para ressignificar realmente aquela frustração que tinha ficado e aquela dor de ter tido um acompanhamento ruim na primeira gravidez e foi maravilhoso”, diz a nutricionista.
"Tudo que eu quero pra ele, tanto pra ele e pra Clara, é que eles sejam felizes, independentes, que conquistem o mundo. Eu tô fazendo eles pro mundo, né?", destaca Ana.
Lidando com o preconceito
Hoje, ela relata que possui um entendimento completamente diferente da condição e que, mesmo tão novinho, Cauê já consegue entender o que ele tem, pois é um assunto abordado com ele. “A gente até explicou algumas vezes: 'ah, filho, você é pequenininho porque você tem nanismo'. Só fazendo essa relação, assim, bem simples, pra ele ir entendendo com a idade dele, né?”, conta.
Ana narra um episódio em que uma amiguinha da escola perguntou para Cauê se ele era “anão” e ele, por não conhecer a palavra, disse que não. Quando chegou em casa, a criança repetiu a mesma pergunta para ela. “Deu frio na barriga, né? Porque eu não tava preparada pra isso”, relembra, bem-humorada.
“‘Sim, ele é”, respondeu. “Eu não ia começar a explicar tudo, sabe? Mas ele não conhece essa palavra. Ele gosta mais que fale nanismo, porque essa é a palavra. [...] Ai eu comecei a trabalhar a parte dessa informação na escola. Porque a gente sabe que as crianças repetem o que os pais falam. Então ele deve ter ouvido os pais e tudo bem. Os pais com certeza também não sabiam que era uma criança com nanismo”.
Ela conta que conversou com o filho, apresentando a palavra a ele, e tentou trabalhar de uma forma que o deixasse mais leve. “Pra que ele conheça essa palavra e não sofra, porque ele ainda vai ouvir muito essa palavra. E eu não quero que ele tenha a conotação de estar sendo xingado”, pontua.
“Já aconteceram comentários em vídeo que viralizaram que falaram sobre a cabeça dele [por exemplo]. Então, isso sim é preconceito. Mas quando uma pessoa vem e pergunta: ‘Ah, ele é anãozinho?’, é a curiosidade, a pessoa não sabe a forma correta. Então, é dever nosso. Tem pais que não gostam, que preferem ficar mal e sair fora. Tem muitas vezes que eu converso: ‘Sim, ele é anãozinho, sim, mas a forma correta de falar é tal, tal, tal, daí a gente começa a conversar, sabe?”, explica Ana.