Comissão do TSE procura o caminho para igualdade de raça na política
Candidatos negros são sub-representados na política nacional. Além do racismo estrutural, falta de recursos explica parte do problema
Durante a formulação da Constituição de 1988, a Câmara dos Deputados contava com 559 deputados, sendo 11 deles negros, segundo pesquisa de Thula Rafaela de Oliveira Pires para Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Isso quer dizer que o Brasil, com uma população de maioria negra (54%, segundo o IBGE), teve sua Carta Magna feita por mãos e mentes majoritariamente brancas.
A falta de representatividade política é um dos problemas que a Comissão de Igualdade Racial, criada este ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tenta resolver.
De acordo com a portaria que instituiu a comissão, ela tem como principais objetivos planejar ações para fortalecer a capacidade eleitoral da população negra e combater o preconceito no processo eleitoral.
No lançamento, o ministro do TSE e coordenador da iniciativa, Benedito Gonçalves, falou sobre qual será o trabalho da comissão.
“A ideia inicial, além das propostas que estão na comissão, é nós trabalharmos exatamente para o melhor aproveitamento do cidadão e da cidadã negra candidata nos Fundos que existem. E, aliado a isso, propor estratégias de prevenção e punição a práticas ilícitas que desvirtuem a destinação desses recursos a essas candidatura”. Em outras palavras, a chave para a promoção da igualdade racial nas eleições, na visão da Comissão, é o dinheiro – ou melhor, o acesso a financiamento de campanha.
Em abril deste ano, foi promulgada a emenda constitucional que impõe um repasse obrigatório de, no mínimo, 30% do Fundo Eleitoral para candidatura de negros e mulheres. Ou seja, uma das grandes missões do grupo de trabalho será fiscalizar o cumprimento da medida – que já foi tema de discussão em 2018, com a candidatura de mulheres laranjas.
Nos últimos anos, os números apontam um crescimento da candidatura de pessoas negras. Nas eleições gerais deste ano, o número de candidaturas de pessoas negras (49,57%) superou o número de brancas (48,86%). Esse crescimento maior das candidaturas negras já vinha sendo detectado nas duas eleições anteriores, mas ainda não reflete em uma maioria de pessoas negras eleitas de fato.
Para Marina Marçal, advogada e mestra em relações étnico-raciais, o crescimento das candidaturas não é, necessariamente, convertido em votos. E os números comprovam isso.
No entanto, ter uma equidade nos recursos é fundamental para reverter esse quadro.
“O aumento de candidaturas negras e femininas têm sido gradual faz algum tempo, mas ainda não suficiente para ver garantida a representatividade desses grupos no parlamento brasileiro. Um orçamento dedicado para garantir segurança e condições iguais de disputa eleitoral para esses candidatos é o que faz a diferença”, afirmou.
A questão da auto-declaração
Não há uma definição objetiva para definição de raça no Brasil e o que vale é a autodeclaração. Conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estátistica (IBGE), no Brasil, negro é quem se autodeclara preto ou pardo. Sendo assim, a população negra é a soma de cidadãos que se enxergam como pretos ou pardos.
Na política, isso acaba criando um problema real: candidatos brancos que fraudam o mecanismo.
Segundo levantamento do g1, entre as eleições municipais de 2016 e 2020, 25.911 candidatos mudaram a raça na declaração ao TSE, sendo 40% passando de branco para negro. Mas vale destacar que nem toda mudança configura fraude.
“Um orçamento dedicado para garantir segurança e condições iguais de disputa eleitoral para esses candidatos é o que faz a diferença. Não à toa que os poucos casos de candidatos brancos tentando fraudar o mecanismo, forjando uma nova heteroidentificação como pretos, têm interesse único em orçamento de campanha para viabilizar suas candidaturas, mas não representa de forma nenhuma a forma que esses fraudadores vêm votando no parlamento: contra os projetos de lei benéficos para as populações negras”, destaca Marina.
Em um país miscigenado, a identificação com uma raça não é algo claro e evidente. O Brasil enfrenta, historicamente, uma defasagem de letramento racial e uma constante discussão sobre o que é ser negro em um dos últimos países a se livrarem da escravidão.
Durante audiência para discutir a promoção da igualdade racial no processo eleitoral em maio deste ano, a advogada Bianca Maria Gonçalves, integrante do LiderA, observatório eleitoral do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa, destacou propostas implantadas em processos universitários e no serviço público para prevenção de fraudes.
“Tomando por parâmetro as ações afirmativas implementadas no âmbito de ingresso em faculdades e concursos públicos, temos diversas impugnações por falta de fenótipo [...] Essa situação pode ser aplicada à seara eleitoral, revelando que a autodeclaração pode não ser suficiente, e a banca de heteroidentificação é uma opção a ser considerada”, explicou.
Ou seja, a comissão tem uma grande missão: fazer com que os recursos financeiros a pessoas negras realmente sejam destinados a esse público, diante das limitações de identificação racial já tradicionais no Brasil. Caso a medida seja efetiva, espera-se que mais candidatos negros sejam eleitos, aumentando a representatividade no Congresso e a forma com que as leis são feitas.