Como a sociedade passou a enxergar os "órfãos dos feminicídio"
Parlamentarem têm se mobilizado cada vez mais para garantir direitos e proteções aos filhos de mulheres vítimas de violência
Tamires Alessandra Vianna Ribeiro estava em frente ao filho de seis anos quando foi morta a tiros, ao que tudo indica pelo marido, com quem era casada há 11 anos. Já Priscila da Silva segurava o filho de dois anos no colo quando foi esfaqueada 26 vezes. O principal suspeito é o ex-marido, com quem tinha outro filho de seis anos que só não se feriu porque se escondeu com a avó em um guarda-roupa na hora do ataque. Priscila já tinha uma medida protetiva contra o ex-marido.
Segundo o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil registrou mais de 50 mil assassinatos de mulheres entre 2009 e 2019. Só em 2018, uma mulher foi morta a cada duas horas e, em 2019, houve um aumento de 6,1% na taxa de homicídio nas próprias residências.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública registrou um número recorde de feminicídios, desde que o indicador é medido: 1.437 vítimas. Cruzando esse dado com a taxa brasileira de fecundidade estimada pelo IBGE, é possível estimar que pelo menos 2.529 crianças e adolescentes perderam suas mães em um único ano, fazendo com que muitas acabem no sistema de adoção.
E como ficam os filhos de Tamires, de Priscilla? Quem ampara essas mais de 2.500 crianças? De alguns anos para cá, na esteira dos debates sobre feminicídio, parlamentares estão criando legislações que visam estabelecer acolhida para essas crianças e adolescentes.
Pai perde direitos
Em setembro de 2018, foi sancionada e publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.715 que estabelece que pessoas que cometem crimes contra o pai ou a mãe de seus filhos ou contra descendentes podem perder o poder familiar.
O poder familiar, antes chamado de pátrio poder, consiste na tutela dos pais sobre os filhos e envolve direitos e obrigações. Até então, a legislação determinava a perda do poder familiar em caso de crimes cometidos contra filhos e passou a valer também quando a agressão é contra o tutor, adulto responsável pelos cuidados do menor de idade e de seus bens por conta da ausência dos pais, e para o curador, adulto encarregado pelo juiz de cuidar de pessoa declarada judicialmente incapaz em virtude de doença, segundo a Agência Senado.
Avanços no cuidado
Outra norma que trata dos chamados "órfãos do feminicídio" é o Projeto de Lei 2753/20 aprovado pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados que estabelece o atendimento prioritário nos serviços públicos a crianças e adolescentes filhos de vítimas de feminicídio.
A proposta da deputada Erika Kokay (PT-DF) e outros 11 deputados prevê procedimentos a serem adotados quando a vítima de feminicídio tiver filhos, como:
- Imediata comunicação, pela autoridade policial, ao conselho tutelar competente, ao Ministério Público e à Justiça da Infância e Juventude;
- Identificação dos parentes e sua imediata comunicação, com vistas a garantir o cuidado e proteção da criança ou do adolescente no seio familiar;
- Atendimento especializado (escuta protegida), visando minimizar a revitimização dos filhos.
- Apoio aos familiares que assumirem a guarda das crianças, com oferta de atendimento psicossocial
- Inclusão da família em programas de transferência de renda.
Segundo a Agência Câmara de Notícias, o projeto tramita em caráter conclusivo e ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
Já o Senado aprovou o Projeto de Lei 976/2022 que visa a concessão de uma pensão especial a filhos e dependentes de vítimas de feminicídio, que deverá ser paga a menores de 18 anos de idade de família de baixa renda no valor de um salário mínimo, que será dividido entre os filhos e dependentes. No momento, o texto aguarda a sanção presidencial.
Cabe destacar que a família do órfão deverá ter renda familiar mensal per capita igual ou inferior a um quarto do salário mínimo (R$ 330) e a pensão pode ser paga antes da conclusão do julgamento do crime. Caso a Justiça não considere que houve feminicídio, o pagamento é suspenso, sendo que os beneficiários não serão obrigados a devolver os valores recebidos, desde que não seja comprovada má-fé.
O projeto impede que o suspeito de cometer o feminicídio ou de coautoria do crime de receber ou administrar a pensão em nome dos filhos, assim como acumular a pensão com demais benefícios da Previdência Social.
Em caso de violência contra a mulher, denuncie
Violência contra a mulher é crime, com pena de prisão prevista em lei. Ao presenciar qualquer episódio de agressão contra mulheres, denuncie. Você pode fazer isso por telefone (ligando 190 ou 180).Também pode procurar uma delegacia, normal ou especializada.
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