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Como aplicativo de entrega de comida ajudou russas a acharem torturador em delegacia

Um pedido de comida para viagem feito por um policial russo foi a pista que ajudou um grupo de mulheres, que haviam sido aterrorizadas por ele, a revelar sua verdadeira identidade. Entenda o caso.

12 set 2022 - 08h34
(atualizado às 10h17)
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"É ele", diz mensagem em inglês no momento em que mulheres identificam agressor no grupo do Telegram
"É ele", diz mensagem em inglês no momento em que mulheres identificam agressor no grupo do Telegram
Foto: BBC News Brasil

Um pedido de comida para viagem feito por um policial russo foi a pista que ajudou um grupo de mulheres, que haviam sido aterrorizadas por ele, a revelar sua verdadeira identidade. Pela primeira vez, uma investigação da BBC conta a história de como elas conseguiram rastreá-lo.

As mulheres, a maioria com idades entre 19 e 25 anos, participaram de uma manifestação em Moscou (Rússia), em março, contra a invasão russa da Ucrânia. Elas foram rapidamente cercadas por policiais e colocadas na parte de trás de uma van da polícia.

A maioria não se conhecia, mas, apesar das circunstâncias, o clima era ameno. Elas até criaram um bate-papo em grupo do Telegram enquanto circulavam pela cidade até a delegacia de Brateyevo.

No entanto, o que aconteceu em seguida foi muito pior do que elas esperavam.

Nas seis horas seguintes, elas sofreram abusos verbais e físicos que, em alguns casos, chegaram a tortura - uma mulher diz que ficou repetidamente sem oxigênio quando um saco plástico foi colocado em sua cabeça.

Anastasia e Marina, duas das mulheres que foram brutalmente interrogadas
Anastasia e Marina, duas das mulheres que foram brutalmente interrogadas
Foto: BBC News Brasil

O abuso foi cometido pelo mesmo oficial à paisana não identificado - alto, atlético, vestido com uma camisa de gola polo preta. Em seu grupo, elas o apelidaram de "homem de preto".

Duas das mulheres, Marina e Alexandra, gravaram secretamente áudio em seus telefones. Em uma delas, o policial pode ser ouvido gritando sobre sua "total impunidade".

Mas se o objetivo dele foi intimidá-las a ficarem em silêncio, ele falhou.

Após a libertação, as mulheres discutiram no grupo do Telegram como poderiam descobrir quem ele era.

"Se continuássemos vivendo como se não tivesse acontecido, se publicássemos as [gravações] e calássemos... muito provavelmente, eles pensariam que podem fazer isso de novo e que ficariam completamente impunes", diz Marina, estudande de 22 anos.

A imagem dele ficou marcada nas memórias delas, mas elas não conseguiram encontrar nenhum sinal dele nos sites da polícia. E sem nome para continuar a pesquisar, a mídia social era um beco sem saída. Depois de mais de quinze dias de busca, eles estavam perto de desistir.

E então as mulheres tiveram um avanço.

Marina e Anastasia na van da polícia
Marina e Anastasia na van da polícia
Foto: BBC News Brasil

No fim de março, houve um grande vazamento de dados do popular aplicativo russo de entrega de comida Yandex Food. Então o grupo teve uma ideia.

Elas começaram a vasculhar os dados para ver se havia algum pedido para entrega na delegacia de Brateyevo no ano passado. Descobriram que havia - feitos por nove clientes diferentes. Poderia um deles ter sido o "homem de preto"?

A maioria dos dados do Yandex incluía apenas nomes e um número de telefone. O grupo de mulheres usou isso para encontrar vários perfis de mídia social para funcionários da delegacia, mas nenhuma foto se assemelhava ao agressor.

Finalmente chegaram a um dos nomes da lista: Ivan. Um nome russo popular, então um dos mais difíceis de se identificar. O número de telefone de Ivan, no entanto, revelou um caminho online - seis anúncios classificados do site comercial russo Avito.ru. Mas a maioria dos anúncios só lhes dava a informação que eles já sabiam - um primeiro nome.

Um, no entanto - para um carro Skoda Rapid vendido a 10 minutos de carro da delegacia de Brateyevo, postado em 2018 - incluía o nome completo do vendedor: Ivan Ryabov.

Com um sobrenome, elas poderiam procurar uma foto. E quase imediatamente, Anastasia, de 19 anos, encontrou um rosto que ela reconheceu.

"Comecei a chorar. Não podia acreditar... que consegui fazer isso."

Ela enviou a foto para Marina, Alexandra e outras pessoas do grupo Telegram, que concordaram que haviam encontrado o "homem de preto".

Eles esperam que isso finalmente leve as autoridades a abrir uma investigação criminal.

As gravações de áudio dão uma visão arrepiante sobre o abuso das mulheres. Ryabov pode ser ouvido dizendo a Marina para responder às suas perguntas ou "eu tiro minha bota e esmago sua cabeça com ela".

Por 14 minutos, Marina diz que alvo de gritos e chutes de Ryabov - com uma pistola em seu rosto.

Anastasia, esperando do lado de fora, lembra-se de ouvir o som de gritos e pancadas. Quando ela também se recusou a cooperar com o interrogatório, ela diz que Ryabov bateu na cabeça dela com uma garrafa de água, esvaziou seu conteúdo sobre ela e, em seguida, puxou um saco plástico sobre sua cabeça encharcada, onde o segurou contra o nariz e boca por 30-40 segundos de cada vez.

"Você pensa consigo mesmo - quanto tempo mais eu posso aguentar isso?", ela diz.

Alexandra, de 26 anos, também conseguiu gravar seu abuso, e em seu áudio ouvimos Ryabov se gabar de sua total impunidade. "Você acha que vamos ter problemas por isso? Putin nos disse para matar todos [do seu tipo]. É isso! Putin está do nosso lado!"

Ele então ameaça matá-la, acrescentando: "E então eles vão me dar um bônus por isso também."

Pelo menos 11 das detidas dizem que sofreram abuso físico nas mãos do "homem de preto".

Quando as mulheres divulgaram publicamente o áudio gravado em seus telefones no início deste ano, um político russo pediu ação - mas o Comitê de Investigação do país considerou que havia "provas insuficientes" para justificar a abertura de uma investigação criminal sobre o caso.

As mulheres também queriam saber quem tinha autoridade sobre Ryabov naquele dia - e por que essa pessoa não foi contida.

Anastasia acredita que outro homem - que as mulheres chamavam de "homem de bege" - estava no comando naquela noite. Embora ele não estivesse presente no quarto 103 - onde as mulheres foram aterrorizadas - "toda a comunicação ocorreu através dele", diz ela.

Uma das detidas o filmou secretamente na sala de espera da delegacia. Mas o vídeo tremido não era o bastante para continuar.

Uma imagem do vídeo do "homem de bege"
Uma imagem do vídeo do "homem de bege"
Foto: BBC News Brasil

A BBC obteve um relatório de prisão de 6 de março, que foi assinado pelo chefe interino da delegacia: tenente-coronel AG Fedorinov.

Encontramos então uma reportagem de jornal local de 2012 que menciona Alexander Georgievich Fedorinov, com uma fotografia que parecia combinar com sua imagem.

Mas, como a foto tinha 10 anos, a BBC usou um software de reconhecimento facial para verificar novamente - e encontrou imagens correspondentes ao "homem de bege" no vídeo vinculadas a uma conta de mídia social em nome de Alexander Fedorinov. Essa mesma conta foi marcada em um anúncio online de vagas de emprego na delegacia de Brateyevo.

A BBC apresentou as alegações - que o policial Ivan Ryabov iniciou e participou do abuso de detidos, e que esse abuso em alguns casos equivalia a tortura - tanto para Ryabov quanto para Fedorinov, e ao Comitê de Investigação da Rússia. Não houve resposta.

Ao descobrir a identidade de seu agressor, Marina, Anastasia e Alexandra esperam que alguma forma de justiça e responsabilidade ocorra.

"Queremos possibilitar que a lei os afete", diz Marina. "Ninguém pode fazer isso com outra pessoa, mesmo que seja um funcionário do governo."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62832511

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