'Como se eu fosse um saco de lixo', diz motoboy negro detido no RS após ser esfaqueado
Motoboy foi quem acionou a polícia, mas foi encurralado pelos próprios policiais; caso é investigado pelas autoridades
O motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, um homem negro, que foi algemado pela Brigada Militar (BM) após sofrer um ataque com faca de um homem branco em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, afirmou à RBS TV que se sentiu "um saco de lixo" durante a ação da polícia.
O caso ocorreu no último sábado, 17. Everton, que foi quem acionou a polícia, foi encurralado pelos próprios policiais.
"Tinha que pegar o indivíduo e, como ele [o policial] me pegou, fazer igual. Só que eles não fizeram isso daí. Foram para cima de mim como se eu fosse um saco de lixo. E eu não sou um saco de lixo. Eu sou um trabalhador como todo mundo que tem nessa rua, na rua de lá, na Zona Norte, Zona Sul, em todos os lugares", afirmou ele à RBS TV, afiliada da Rede Globo na região.
Em nota publicada em seu site oficial, a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul afirma que, por determinação do governador Eduardo Leite, a Corregedoria da Brigada Militar abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias da abordagem de policiais do 9° Batalhão da Brigada Militar na ocorrência.
"Após realizarem depoimentos e perícias, ambos foram liberados. A Polícia Civil registrou dois boletins de ocorrência – um por lesão corporal e outro por abuso de autoridade – e investigará os casos por meio de novos depoimentos de testemunhas e análise das imagens. O governo do Rio Grande do Sul se compromete a dedicar ao caso uma apuração célere e rigorosa", acrescenta a SSP.
A Brigada Militar decidiu afastar os dois agentes envolvidos na abordagem que resultou na prisão do motoboy. A decisão foi tomada em virtude do "estresse" e por "precaução" em torno dos agentes. Durante o período da sindicância, o decreto de afastamento será mantido em vigor, enquanto isso, os agentes irão desempenhar suas funções no setor administrativo.
O que diz o motoboy
Everton relatou que o local onde estava é um ponto onde motoboys normalmente aguardam até receberam a notificação para fazer alguma entrega via delivery. Ele afirma quefoi agredido pelo homem, mora em um imóvel na rua, enquanto aguardava.
"Estão falando que eu discuti com ele. Ele apareceu do nada e me desferiu o golpe de faca. Então, não houve uma discussão. Eu estava sentado. Nós [os motoboys] temos um grupo de WhatsApp de delivery de comida. No caso, a maioria dos motoboys ficam por ali. Do nada, o senhor ali apareceu com um canivete. Foi de surpresa. Só falou uma coisa. Quando vê, ele já vem com o canivete me esfaqueando", diz Everton.
Vídeos da discussão entre os dois foram gravados por testemunhas, que contam que o homem teria atingido o motoboy na região do pescoço com o canivete. Everton ficou levemente ferido e a BM chegou após ter acontecido isso.
"Chamaram a polícia. Ele [o homem branco] já foi como se nada tivesse acontecido. [Como se] eu que fiz o dano para ele, mas ele que fez o dano para mim. E, nesse meio tempo, eu comecei a falar: 'pega a faca e faz na frente deles aí, se o senhor é homem. Então, o senhor pega e faz'. Isso aí foi o que e comecei a falar", declarou Everton à RBS TV.
"O brigadiano vem querer me revistar. [Mas] não tem porquê me revistar. [O policial] me jogou contra a parede. Começou a falar coisas no meu ouvido para me deixar mais irritado. E foi assim, como está em todos os vídeos. Tem pessoas que estão falando mal de mim, mas elas não estavam no exato momento, elas não passaram o que eu passei. É isso aí que eu tenho para falar", disse.
O caso teve grande repercussão nas redes sociais devido a diferença no tratamento aos envolvidos e também gerou um protesto de motoboys no domingo.
"Racismo institucionalizado", diz ministro
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, criticou, neste domingo, 18, a Brigada Militar de Porto Alegre. Em sua conta na rede social X, o ministro afirmou que se trata de uma faceta do racismo institucionalizado ainda presente no País.
"O caso do trabalhador negro, no Rio Grande do Sul, que tendo sido vítima de agressão acabou sendo tratado como criminoso pelos policiais que atenderam a ocorrência, demostra, mais uma vez, a forma como o racismo perverte as instituições e, por consequência, seus agentes", escreveu.
"É preciso que as instituições passem a analisar de forma crítica o seu modo de funcionamento e aceitar que em uma sociedade em que o racismo é estrutural, medidas consistentes e constantes no campo da formação e das práticas de governança antirracista devem ser adotadas. Em outras palavras, é preciso aceitar críticas e passar a adotar medidas sérias de combate ao racismo em nível institucional", acrescentou.
O ministro destacou, ainda, nas postagens, que sua pasta e a comandada por Anielle Franco, da Igualdade Racial, vão entrar em contato com as autoridades locais para acompanhar o caso e "ajudar na construção de políticas de maior alcance", indicando que podem buscar promover uma campanha de abrangência nacional, com esse propósito. A ministra Anielle Franco também se pronunciou sobre o caso, que gerou grande repercussão nas redes sociais.