Conheça o Parque Pedra de Xangô, primeiro no Brasil com nome de orixá
Localizado em Salvador, o parque está instalado no antigo Quilombo Buraco do Tatu, local que abrigou africanos escravizados e indígenas nos anos 1700
Considerado um monumento sagrado para as religiões de matriz africana e patrimônio cultural de Salvador, a Pedra de Xangô acaba de se tornar um parque municipal, o primeiro no Brasil com o nome de um orixá.
Localizado no bairro de Cajazeiras X, na capital baiana, o Parque Pedra de Xangô foi inaugurado em maio deste ano, fruto da luta dos terreiros de candomblé que se organizaram para salvaguardar o símbolo da resistência histórica e ancestral africana.
"O Parque Pedra de Xangô nasce diante de nossas lutas", diz a ialorixá Mãe Iara De Oxum, uma das principais lideranças religiosas do bairro de Cajazeiras.
Com investimento de quase R$ 8 milhões, o Parque Pedra de Xangô agora conta com um lago artificial ao redor da pedra, que havia sido extinto com a devastação; um memorial com um auditório e uma cantina.
Segundo a Prefeitura, o novo espaço de convivência se constitui como importante símbolo histórico, cultural e religioso de Salvador, além de ser voltado para a conservação ambiental e desenvolvimento sustentável participativo.
Além disso, o órgão municipal também aponta que a estrutura abriga uma sala multiuso, área para exposição de trabalhos, administração do parque, sanitários e um espaço destinado à comercialização de comidas e artesanatos.
Toda a construção foi feita com material sustentável, com utilização de pedras naturais e estruturas com materiais orgânicos. Conforme a prefeitura, o paisagismo também foi valorizado com plantio de gramado e mudas de árvores.
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História
Com uma área de 500 metros quadrados, o parque está instalado na Área de Proteção Ambiental (APA) Vale da Avenida Assis Valente, que conta com remanescentes da Mata Atlântica. Durante os anos 1743 e 1763, o local abrigou o Quilombo Buraco do Tatu, região que abrigou africanos escravizados e indígenas.
Diante do reconhecimento histórico, em 2017, a Pedra de Xangô, que tem 8 metros de altura, foi tombada como patrimônio cultural de Salvador pela Fundação Gregório de Matos, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SECULT).
Mãe Iara De Oxum, ialorixá do terreiro Ilè T'Omí Kíósísè Ayó, conta que o tombamento se deu a partir do chamado dos povos de terreiro, que queriam impedir o desmatamento e avanço imobiliário no território sagrado.
Com isso, em 2010, surge a Caminhada Pedra de Xangô, que anualmente é realizada no segundo domingo de fevereiro e reúne candomblecistas, umbandistas e toda a comunidade com objetivo de dar visibilidade e pedir por respeito às religiões afro-brasileiras.
A celebração, que começou com a participação de 30 pessoas, hoje conta com um público estimado de cinco mil pessoas.
"Começa, no segundo domingo de fevereiro de 2010, a caminhada da Pedra de Xangô para que a gente tivesse visibilidade, chamasse atenção dos órgãos públicos para tombar aquele monumento que pertence à nossa ancestralidade, ao povo de resistência", conta.
Apesar do reconhecimento, a Pedra de Xangô tem sido alvo de ataques. Em 2018, 100 quilos de sal foram jogados na pedra como forma de tentar "purificar" o local, segundo relatos de religiosos. Quatro anos antes, o monumento voltou a ser vandalizado com pichações e destruição de oferendas.
Segundo Mãe Iara, a maioria dos ataques são feitos por grupos evangélicos, que tentam desvalorizar a cultura afrodescendente. Para ela, é preciso mais responsabilização e fiscalização por parte do poder público para que casos de intolerância religiosa não se repitam.
"O parque, se não for cuidado pelos órgãos públicos, vai continuar sendo alvo de ataques. Essa nossa religião é de resistência. Tudo o que é do preto é discriminado", pontua.
"É um ataque de ódio. Eu não tenho outra palavra para dizer desses evangélicos que acham que o Deus dele é maior do que o nosso. O nosso grande criador é amor, não é ódio, e esses ataques são de ódio religioso", completa.
Embora o Parque tenha sido inaugurado após a articulação dos povos de terreiro, Mãe Iara revela que não participou do processo de requalificação e que não foi convidada pela prefeitura para a inauguração, o que, para ela, representa um desrespeito com a sua caminhada ancestral. "Me botaram de escanteio", desabafa.
Sobre a declaração, a prefeitura de Salvador ainda não respondeu à reportagem.
A ialorixá também destaca a importância de uma conscientização coletiva entre os terreiros, a sociedade e governantes para uma educação ambiental, já que a natureza é o meio essencial para os cultos ancestrais.
"Precisamos preservar o meio ambiente porque sem água não existe axé, sem folha não existe axé, sem pedra, sem 'otá', não existe axé", finaliza a ialorixá.
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