Conservadores organizam evento que nega racismo no Brasil: "serviçais da branquitude", diz Douglas Belchior
Summit Minha Cor é o Brasil é organizado por grupo dirigido pelo deputado bolsonarista Hélio Lopes (PL-RJ); "Vitimismo e Racismo Negro" é um dos temas debatidos no encontro
No próximo sábado (16), a cidade de São Paulo receberá o "Summit Minha Cor é o Brasil", evento que contará com lideranças bolsonaristas e será organizado pelo movimento homônimo, que é dirigido pelo Deputado Federal Hélio Lopes (PL-RJ). Com o mote "O Brasil não é um país racista", o evento contará com figuras contraditórias entre os palestrantes. Militantes do movimento negro afirmam o quanto negar o racismo no país pode ser uma "subserviência à branquitude".
Com uma apresentação intitulada "Vitimismo e Racismo Negro", Sérgio Camargo (PL-SP), ex-presidente da Fundação Palmares, é um dos nomes confirmados. Camargo coleciona polêmicas, com falas preconceituosas e discursos de ódio. Antes de assumir o cargo na fundação, ele chegou a dizer numa rede social que "a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes". Além disso, em áudio vazado durante sua passagem na entidade, Sérgio Camargo chamou o movimento negro de escória.
Único branco entre os participantes, o Deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) dará uma palestra sobre "a importância da família real na abolição da escravatura". Em 2019, durante sessão em homenagem aos 131 anos da Lei Áurea, o parlamentar foi acusado de relativizar o período escravocrata do país ao dizer que a escravidão "é um aspecto da natureza humana".
O pré-candidato a deputado federal Douglas Belchior (PT-SP) ressalta que, apesar da presença negra na organização e nas palestras, o grupo não deve ser enxergado como representantes da comunidade negra.
"Apesar do pertencimento racial desse grupo, eles não falam em nome da comunidade negra, não falam em nome do povo negro, eles não constroem política a partir do desafio da defesa da vida da população negra. Eles fazem política para a branquitude, são os serviçais da branquitude brasileira, da supremacia branca, o que não é nenhuma novidade", afirma o educador.
Douglas Belchior também chamou atenção para como a branquitude é a maior beneficiada por este tipo de discurso.
"Diz mais sobre a supremacia branca que constrói estratégias de permanência do seu domínio do que sobre a negritude de quem está foto. Porque, na verdade, ter pertencimento racial é diferente de elaborar política e formulações em defesa da vida da sua comunidade", complementa.
Integrante da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado (MNU) e pré-candidata a codeputada estadual da Bancada Feminista, Simone Nascimento (PSOL-SP) também ressalta o aspecto da disputa de narrativas e defende a necessidade da luta com o racismo por meio do movimento negro organizado.
"O movimento negro brasileiro é tão forte, leva o país tão à esquerda, que é necessário que o bolsonarismo construa um evento que tente disputar todos nossos conceitos, contra todas as nossas pautas que visam uma democracia real neste país. Eu diria que esse evento acontece porque os cães ladram e não é de hoje que pessoas cumprem esse papel na história do país. Por isso não basta ser negro, é necessário lutar e construir a luta antirracista e do movimento negro organizado, de esquerda, que vise o projeto político de direitos para os negros e por consequência toda classe trabalhadora", destaca.
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À Alma Preta Jornalismo, a coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, Iêda Leal, conta que a afirmação de que o Brasil não é um país racista reitera a negação de direitos para a população negra.
"Essa afirmação de que o Brasil não é um país racista é uma tradução muito significativa de como esse governo se instala para continuar negando os direitos do povo brasileiro, da população negra. Lamentavelmente, o racismo tem uma guarida num governo genocida, que utiliza dessas mentes absolutamente desguarnecidas de uma consciência política, histórica, cultural, do que é a história do negro no nosso país", declara a liderança.
Iêda Leal também ressalta a necessidade da luta contra a ideia de uma suposta democracia racial. "Não é só lamentar, nós precisamos nos instrumentalizar para lutar contra esse tipo de ideia, de que nós vivemos magicamente em um país onde há uma democracia (racial) e que há de fato esse respeito. Isso não é verdade", protesta.
Além da discussão sobre o Brasil não ter racismo, o evento também terá palestras sobre cotas, meritocracia e uma discussão sobre se há uma dívida histórica do país para com a população negra. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, em 2018, pessoas negras (pretas e pardas) recebiam apenas 57,5%, pouco mais que a metade do que recebiam pessoas brancas. Nos cargos gerenciais, a ocupação era composta de 68,6% por pessoas brancas e apenas 29,9% por pessoas negras (pretas e pardas). Sobre isso, a coordenadora do MNU salienta a luta do movimento negro.
"Nós estamos organizados. Nós sabemos o que esse país já fez pra população negra. Nós estamos atrás de reparação histórica, econômica, política, educacional e na área da saúde para o povo. Nós sabemos o que o Brasil fez e tem feito contra a população negra do país. O Brasil precisa pedir, de joelhos, desculpa para o povo negro", afirma Iêda Leal.
Simone Nascimento enfatiza a importância da consciência nas eleições deste ano, para levar o projeto político do movimento negro ao parlamento, sobretudo para barrar pautas que representem retrocessos para a população negra.
"Vamos precisar eleger muitas negras e negros alinhadas ao projeto político do movimento negro brasileiro. A extrema direita tem uma estratégia de organizar seus capitães do mato para apoiar os mais de 30 projetos de lei que já estão tramitando no Congresso para acabar com a Lei de Cotas, entre outros retrocessos. A única cota que eles aceitam é a da subserviência à supremacia branca. Nós queremos reintegração de posse, reparação e fim do genocídio negro no Brasil", reforça.
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