Copa Preta: Asamoah Gyan e a vilania de um herói nacional
Atleta com mais jogos e mais gols por Gana, Asamoah Gyan teve nos pés a chance de transformar sua seleção na primeira africana numa semifinal de Copa do Mundo
A Copa começou neste domingo (20), dia da Consciência Negra no Brasil. Coincidentemente ou não, pés e cabeças pretas deram o tom nesses dois primeiros dias. Do equatoriano Enner Valencia ao estadunidense Timothy Weah, passando pelos europeus Jude Bellingham, Bukayo Saka, Raheem Sterling e Marcus Rashford, na Inglaterra, e Cody Gakpo, nos Países Baixos. A maioria dos gols das primeiras quatro partidas foram marcados por jogadores pretos. Foram 9 de 14 tentos.
Falo de gols pretos para introduzir a história de um herói preto que alegrou seu povo com muitos gols. Mas que sempre será lembrado por um gol que perdeu, pela oportunidade desperdiçada de colocar sua nação em um lugar que outro país africano jamais chegou.
O tema da coluna de hoje é Asamoah Gyan, que nesta terça (22) completa 37 anos.
Nascido em Acra, capital de Gana, Gyan deu seus primeiros passos no futebol no Liberty Professionals, time de sua cidade natal. No início de 2004, aos 18 anos, após ser observado por olheiros, assinou com a Udinese-ITA. Ele havia estreado na seleção nacional três dias antes de completar a maioridade e após duas temporadas emprestado ao também italiano Modena, o atacante foi convocado à sua primeira Copa do Mundo em 2006.
Na Alemanha, Gyan experimentou como ir do céu ao inferno pela primeira vez. Era a primeira competição oficial do garoto de 20 anos, que buscava se firmar na seleção. Foi titular e teve uma atuação apagada na estreia contra a Itália, que viria a ser campeã do torneio. Mas na segunda partida, contra uma estrelada Tchéquia, com Nedved e cia, o camisa 3 fez chover. Um gol e uma assistência na vitória por 2 a 0, resultado essencial para a classificação às oitavas de final na primeira participação de Gana numa Copa do Mundo. Ele não atuou na última partida da fase de grupos, contra os EUA.
E aí o destino atuou com bastante crueldade. Na segunda fase, o adversário era o badalado Brasil. A Seleção Canarinho abriu 2 a 0 e vinha controlando uma partida em que Gana não ameaçava muito. Aos 35 do segundo tempo, Asamoah Gyan, que já tinha visto um cartão amarelo, simulou um pênalti de maneira vexatória e foi expulso. O Brasil ainda ampliou para 3 a 0, quatro minutos depois.
Gyan conseguiria apagar totalmente as lembranças em 2010, justamente o ano da Copa do Mundo. No início do ano, em janeiro, ele guiou Gana para o vice-campeonato da Copa Africana de Nações (CAN), em Angola. A competição também estava servindo para Gana apagar o vexame da CAN 2008, quando sediou e ficou apenas com o terceiro lugar. Apesar de voltar sem o título, Gyan foi vice-artilheiro e foi escolhido para a seleção da competição.
Chegou o mês de junho e com ele a Copa do Mundo na África do Sul, a primeira no continente africano. Gyan estava atuando no Rennes, da França, e chegava como o grande nome dos Black Stars, apelido da Seleção Ganesa, que caiu no grupo D, com Alemanha, Austrália e Sérvia.
Com 4 pontos conquistados, Gana avançou por ter melhor saldo que a Austrália. A seleção marcou dois gols nas três partidas, todos de Gyan. Nas oitavas, enfrentou os Estados Unidos e avançou após vencer na prorrogação. O autor do gol salvador? Asamoah Gyan.
O país chegava às quartas pela primeira vez, com Gyan maior do que nunca. O adversário era o Uruguai, que havia eliminado a Coreia do Sul. A partida foi extremamente equilibrada e foi para a prorrogação após um empate em 1 a 1 no tempo normal. É aqui que a história muda.
A prorrogação já estava nos acréscimos e Gana tinha uma falta para bater. Paintsil cruzou, a bola sobrou para Appiah, que chutou no gol e o atacante uruguaio Luís Suárez salvou em cima da linha com o pé esquerdo. A pelota subiu, Adiyiah cabeceou e a redonda passou por três atletas uruguaios até reencontrar Suárez, que novamente salvou em cima da linha, mas com as mãos. O árbitro português Olegário Benquerença não teve dúvidas, marcou o pênalti e expulsou o jogador uruguaio. Era o último lance da partida e os quase 25 milhões de ganeses prendiam a respiração.
Bola nas mãos do responsável pela sobrevivência das Estrelas Negras, o camisa 3, o craque do time, Asamoah Gyan. Ele já havia marcado duas vezes de pênalti naquele torneio, os dois gols da primeira fase, e só havia perdido um pela Seleção, na vitória contra a Tchéquia, na Copa de 2006. Parecia que tudo estava girando a favor do atacante. Só parecia.
Gyan correu, encheu o pé direito e soltou um foguete. A bola subiu e atingiu o travessão com a mesma velocidade que a felicidade dos ganeses se esvaiu.
O juiz apitou, pondo fim à partida e ao sonho ganês. Ainda teria uma disputa de pênaltis pela frente, mas nada mais importava. O psicológico já estava abalado. O Uruguai viria a vencer a disputa por 4 a 2, com direito a cavadinha do atacante Loco Abreu.
O herói da primeira fase e das oitavas se transformou no vilão. Os personagens, Gyan e Suárez, estamparam capas de jornais no dia seguinte. Com Gyan, é claro, no papel de culpado pela decepção.
Asamoah Gyan ainda disputaria mais cinco edições de CAN e a Copa de 2014 pelas Estrelas Negras.
Quis o destino que Gana e Uruguai se reencontrassem novamente 12 anos depois. As duas seleções estão no Grupo H, ao lado de Portugal e Coreia do Sul, e Gyan se colocou à disposição para atuar pelo seu país novamente, buscando escrever um novo capítulo nessa história. Ele não atua por Gana desde 2019 e está sem clube desde 2021, quando deixou o Legon Cities, time de seu país. Entretanto, o técnico Otto Addo, que atuou com Gyan na Copa de 2006, não o convocou.
Asamoah Gyan é o atleta com mais jogos (109) e mais gols (51) pela Seleção Ganesa de Futebol. Além disso, ele é o africano com mais gols em Copas (6) e o jogador mais jovem a marcar um gol por Gana (17 anos e 362 dias). Na carreira, ele ganhou cinco títulos (todos pelo Al Ain, dos Emirados Árabes) e conquistou mais de 20 prêmios individuais. Apesar de nunca ter levantado um troféu por seu país, o atacante conquistou dois vice-campeonatos da CAN (2010 e 2015).
Por tudo isso, eu jamais poderia deixar de parabenizá-lo não só pelos 37 anos neste dia 22/11, mas também pela grandiosa carreira. Um pênalti perdido dói, marca, decepciona, mas Gana, com toda certeza, tem orgulho de seu filho, de uma de suas maiores Estrelas Negras.
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