De faxineira a influencer: "quis dar voz às domésticas"
Dona da página Faxina Boa e colunista do Terra Dinheiros, Veronica Oliveira é uma mãe solo preta que rejeita o rótulo de "guerreira"
"Meu nome é Veronica Oliveira, tenho 40 anos, fui atendente de telemarketing, venci uma depressão, trabalhei como faxineira para pagar as contas e me tornei influenciadora digital e palestrante. Sou conhecida pelo nome da minha página no Instagram, Faxina Boa. Cresci em Itaquera, na zona leste da cidade de São Paulo (SP), e sou mãe solo de três fihos.
Em 2020 eu lancei o livro 'Minha vida passada a limpo: Eu não terminei como faxineira, eu comecei' (Ed. Latitude). Já palestrei no TEDx Talks e hoje tenho uma coluna no Terra Dinheiros no qual dou dicas sobre finanças.
Meu primeiro emprego foi como operadora de telemarketing, que é o trabalho operacional de nível médio mais comum para quem não tem diploma da faculdade. Cheguei a ser supervisora, mas não gostei: quis voltar a atender telefone e a falar com pessoas.
Tive depressão e síndrome do pânico e fui parar no hospital. Fui afastada do trabalho pelo INSS, mas como era obrigatório esperar a perícia para receber o salário, precisei achar uma solução rápida para poder pagar as contas.
Depois de ajudar uma amiga com a limpeza da casa dela, decidi me dedicar à faxina. A nova atividade me proporcionaria uma renda maior com o telemarketing. Para divulgar meus serviços, comecei a fazer posts divertidos nas redes sociais e fui chamando a atenção e ganhando seguidores.
A partir daí comecei a compartilhar dicas e fatos do meu trabalho, além de fazer críticas sobre a forma como a figura da trabalhadora doméstica é vista no Brasil. Quis dar voz às domésticas. A discriminação vai desde impedir o acesso a objetos da casa, como a lava-louças, até proibir a trabalhadora de comer a mesma comida dos moradores da casa. Ou só lhe dar os restos. Muito se discute, mas pouco se faz efetivamente. A PEC das Domésticas completou dez anos, mas a carteira assinada é algo raro.
Recebo mensagens de muita gente, mas duas histórias me fizeram ter uma noção real do meu papel de influenciadora. Uma delas foi a de uma moça que dizia ter muito orgulho de ser faxineira, apesar de a mãe só valorizar as irmãs. Uma trabalhava como professora e a outra como enfermeira, mas era o salário da faxineira que pagava a maior parte das contas da família.
A outra história foi a de um adolescente que confessou que passou a respeitar as funcionárias da escola onde estudava depois que começou a me seguir. Antes, ele só se referia a elas como "as tias da limpeza". Para você ver como é a desumanização da profissão nesse país... Há quem pense que tudo bem sujar um banheiro público ou jogar lixo na rua porque "está dando emprego" aos funcionários encarregados da limpeza. Isso é fruto de um ódio de classe, de um pensamento colonial de classe média que busca diminuir o outro. Mas fiquei muito feliz de ver um adolescente se sensibilizado e mudando a atitude.
Não gosto de ser chamada de guerreira. Você já parou para pensar por que os homens não são chamados de guerreiros? É porque a sociedade sempre os colocou em posição de destaque e de merecimento de suas conquistas. Nós somos chamadas de guerreiras porque tudo é obtido com muitos obstáculos e esses obstáculos não acabam. Nunca estamos descansadas.
Na minha opinião, a maior parte das discussões feministas não atingem as mulheres negras e as indígenas. Ficamos sempre para depois no feminismo que é feito por mulheres brancas de classe média. Experimenta falar de "mansplaining" lá na quebrada de onde eu vim? Ninguém nem tem ideia do que é isso. As expressões usadas não nos representam, o acesso das mulheres negras é outro.
Eu sou uma mãe solo negra fora do percurso. Minha história é única, sou a exceção e falo isso para quem me segue. Por isso parte separo parte dos meus rendimentos para ajudar outras mulheres que queiram produzir conteúdo ou fazer cursos.
Gasto meu dinheiro da maneira que quero. Comprei uma casa, um carro e já fiz quatro viagens internacionais. Ainda não fui para a Disney, viu, Paulo Guedes? Mas um dia eu vou. Também adoro frequentar shows, acho a melhor forma de gastar dinheiro. E não abro mão de comer bem. Quero cursar a faculdade de Sociologia e estou preparando para escrever um segundo livro, dessa vez sobre minha experiência com o meu filho do meio, que faz parte do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Vai ser um livro diferente, tratando a neurodiversidade com humor e leveza.
Outro sonho é realizar uma cirurgia plástica para retirar o excesso de pele de uma redução de estômago que fiz há dez anos. Mas primeiro, claro, preciso me recuperar totalmente do acidente de trânsito que sofri no fim de 2022. Ainda sinto dor, mas tento levar a vida normalmente. Outro diz fiz um story varrendo a minha casa e levei muita bronca dos seguidores. Não sei mesmo viver sem a faxina e tudo bem, né?"