Desembargador suspeito de manter mulher em condições análogas à escravidão diz que vai incluí-la na herança
Nota foi feita após operação que apura indícios de "prática criminosa" relacionada a "trabalho forçado". Jorge Luiz de Borba nega o crime
O desembargador de Santa Catarina, Jorge Luiz de Borba, investigado por manter uma funcionária surda em condição análoga à escravidão, informou no domingo, dia 11, que irá reconhecer judicialmente a mulher como filha afetiva.
A declaração foi feita por meio de nota, cinco dias após operação que apura indícios de "prática criminosa" relacionada a "trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes" supostamente cometidos pelo desembargador e sua esposa. A ação ocorreu em 6 de junho, em Florianópolis.
"Seja para que não permaneçam dúvidas sobre a situação de fato existente em relação à mulher, seja para que as investigações avancem com brevidade a fim de permitir a retomada da convivência familiar", diz.
O documento também afirma que todos os direitos como herdeira serão garantidos para a mulher. "Acataremos todas as sugestões emanadas do poder público, além das que a família já tem adotado ao longo da vida, para beneficiar o desenvolvimento dela".
A nota ainda é assinada pela esposa do desembargador, Ana Cristina, também investigada pelo Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF), e os quatro filhos do casal.
Entenda o caso
O desembargador é suspeito de manter uma mulher surda em condição análoga à escravidão. Além dele, a esposa também é investigada. A vítima precisou do auxílio de uma intérprete de libras para prestar depoimento ao Ministério Público do Trabalho (MPT) na terça-feira, 6. A defesa do desembargador nega as acusações.
A TV Globo mostrou que o desembargador informou que “aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo 'suspeita de trabalho análogo à escravidão', na verdade, expressa um ato de amor. Haja vista que a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida pela minha família”.
O caso é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF). Marido e mulher estariam mantendo, há pelo menos 20 anos, uma pessoa para fazer tarefas domésticas em geral, sem possuir registro em carteira de trabalho e sem receber salário ou qualquer outro benefício trabalhista.
A mulher foi ouvida em Florianópolis acompanhada de uma defensora pública. O desembargador e a defesa dele também prestaram depoimento. Testemunhas e outras pessoas que trabalham na casa foram ouvidas pelo MPT, MPF, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal.
A ação de resgate da mulher é acompanhada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que existe há 28 anos. O órgão faz ações e alimenta com dados do país inteiro o Radar do Trabalho Escravo da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Operação
A ação na casa do desembargador na terça-feira, 6, foi motivada por uma investigação que apura indícios da prática criminosa, segundo o MPF, após relatos de "trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes".
"A trabalhadora seria vítima de maus-tratos em decorrência das condições materiais em que vive e em virtude da negativa dos investigados em prestar-lhe assistência à saúde", informou o MPF. Conforme o órgão, a mulher tem deficiência auditiva, nunca teve instrução formal e não possui o convívio social resguardado. A investigação está sob sigilo.
Quem é o desembargador?
O desembargador Jorge Luiz de Borba preside a Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Ele já presidiu a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no município de Blumenau em 1991 e recebeu o título de cidadão emérito da cidade em 2017.
Borba é formado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb) e é pós-graduado em direito do trabalho pela mesma universidade.