"Direitos de milhões de pessoas com deficiência em jogo"
Em artigo exclusivo para o blog Vencer Limites, o senador Paulo Paim (PT-RS) e a auditora fiscal do trabalho Lailah Vilela criticam as mudanças feitas pelo governo Bolsonaro para a realização da avaliação biopsicossocial da deficiência.
por Paulo Paim e Lailah Vilela*
A avaliação biopsicossocial é a nova forma de olhar para as limitações humanas e considerar não apenas a limitação corporal da pessoa, mas também o contexto social a qual está inserida. Não basta saber se uma pessoa tem alterações físicas, visuais ou auditivas, é necessário ir além e analisar como ela cuida de sua alimentação, de sua higiene pessoal e, ainda, se ela precisa da ajuda de alguém para realizar suas atividades diárias. Também é preciso lembrar se as cidades são acessíveis, se os meios de transporte são acessíveis, por exemplo.
Buscando atender aos princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, desde 2007, o governo brasileiro vem agindo para alcançar um modelo biopsicossocial de avaliação. A Lei nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - traz a mesma compreensão.
Estudos de diversos especialistas de renomadas universidades públicas, com participação ativa das pessoas com deficiência, foram realizados até se obter um instrumento de avaliação que estivesse em conformidade com as mudanças da Convenção, ratificada pelo Brasil e incorporada à Constituição Cidadã.
O modelo criado a partir da Classificação Internacional de Funcionalidade da OMS - Organização Mundial de Saúde - foi exaustivamente discutido. A versão atual dessa ferramenta, IFBrM - Índice de Funcionalidades Brasileiro Modificado -, foi cientificamente validado pela UnB - Universidade de Brasília - em 17 mil avaliações, em todas as regiões do País, em pessoas de todas as idades e com todos os tipos de impedimentos corporais. Assim, o instrumento teve sua capacidade de definir quem são as pessoas com deficiência amplamente testada.
Infelizmente, houve um movimento de setores do atual governo para que essa avaliação seja realizada pelo INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social - e para combinar partes do instrumento já usado para a concessão do BPC - Benefício de Prestação Continuada - com o IFBrM. Um processo sem a menor transparência e sem a participação do movimento de pessoas com deficiência. Isso vai gerar um desequilíbrio na avaliação, afinal são duas formas distintas de se compreender a deficiência. O peso maior nas limitações corporais contraria toda a legislação vigente e desconsidera todo o processo de validação já realizado.
Além disso, deixar a avaliação biopsicossocial a cargo da Perícia Médica Federal vai gerar filas de meses ou anos de espera, pois o INSS já não dá conta das duas políticas de hoje - aposentadoria especial e BPC -, que dirá de 34 políticas públicas federais e outras tantas de estados e municípios. São os direitos de mais de 17 milhões de pessoas que estão em jogo.
Onde estão as verdadeiras limitações? Estão nas pessoas que não enxergam? Que não ouvem? Não! Elas estão nas calçadas e nos ônibus inacessíveis, estão nas cidades que não abraçam as diferenças. Não podemos continuar avaliando apenas corpos, precisamos olhar em volta e derrubar as barreiras que nos distanciam, quebrar o preconceito de nossas atitudes e pavimentar os caminhos que devem nos ligar pelo coração.