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'Direitos devem ser iguais', diz PM gay que conquistou licença-paternidade de 180 dias após batalha judicial

Valdi Barbosa contou os trâmites que precisou enfrentar para garantir o direito de cuidar de sua filha ao lado do marido

22 ago 2023 - 05h00
(atualizado às 10h08)
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Valdi com seu marido, Rafael, e a filha deles, Sofia
Valdi com seu marido, Rafael, e a filha deles, Sofia
Foto: Arquivo Pessoal

No estado de Pernambuco, uma decisão judicial pode abrir caminho para uma mudança significativa na forma como a paternidade é reconhecida para casais homoafetivos. Valdi Barbosa, de 40 anos, um sargento gay da Polícia Militar, conseguiu obter o direito a uma licença-paternidade de 180 dias para cuidar de sua filha, Sofia, fruto de um processo de fertilização in vitro com a ajuda de uma "barriga solidária".

Valdi e seu marido, Rafael, estão juntos há quase 11 anos. Em entrevista ao Terra, o policial militar conta que durante sua trajetória em busca da licença-paternidade foi preciso superar barreiras jurídicas e sociais.

Quando a 'barriga solidária' chegou ao terceiro mês de gestação, Valdi iniciou os trâmites para obter a licença, mesmo sabendo que as chances de aprovação eram escassas devido à ausência de precedentes no ambiente policial. Seu pedido passou por diversas instâncias administrativas, e a resposta final foi negativa, o que o levou a recorrer à Justiça.

"Quando chegou ao período de três meses de gravidez, eu já entrei em contato com o meu superior direto e ele me falou: 'Valdi, é complicado, porque no Estado não existe nenhum caso desse tipo. Então, assim, como na polícia tem que ser tudo escrito, embasado juridicamente, provavelmente você não vai conseguir administrativamente. Você vai ter que entrar com recurso'", conta o sargento.

Valdi ao lado da família
Valdi ao lado da família
Foto: Arquivo Pessoal

O seu superior também o orientou a já iniciar o processo com antecedência, porque poderia demorar alguns meses."Eu fiz o requerimento administrativo no final de janeiro. Depois, o pedido foi do meu batalhão ao quartel, o comando-geral, e de lá foi para várias secretarias dentro da polícia. Em seguida, foi para Secretaria Estadual de Defesa Social e depois à Procuradoria-Geral, que foi quando tive o negativo definitivo. Diante disso, minha comandante falou que era a hora de entrar com o recurso", relembra. 

A Justiça concedeu o direito ao agente de segurança, que pôde pegar licença de 180 dias. O período foi emendado com as férias do policial. "Acho que fiquei quase oito meses com minha filha", relata ele. "Desde o começo meus superiores foram bem claros comigo de como seria o processo para conseguir esse direito, me orientaram do que eu deveria fazer. De certa forma, eu recebi o apoio deles", acrescenta.

Fertilização in vitro

A batalha judicial não foi o único desafio enfrentado por Valdi e seu parceiro, Rafael. A jornada para construir uma família por meio da fertilização in vitro não foi isenta de obstáculos. Na primeira tentativa do casal, em que a "barriga solidária" foi a esposa do primo de Valdi, o procedimento não deu certo. 

"Aí, minha irmã foi e disse, não, agora eu vou ser sua barriga solidária", conta Valdi, revelando o apoio fundamental da família. O processo exigiu esforço e planejamento financeiro, já que o casal reconhece que a concepção assistida não é um procedimento barato.

Sofia, filha de Valdi e Rafael, tem um ano atualmente
Sofia, filha de Valdi e Rafael, tem um ano atualmente
Foto: Arquivo Pessoal

"Na primeira tentativa tivemos apenas dois embriões, que foi com a barriga solidária da esposa do meu primo, que não deu certo. Ou seja, a gente só tinha dois embriões, perdeu tudo e teve que recomeçar do zero. Trabalhar, juntar dinheiro para poder tentar novamente, porque não é um procedimento barato. Nessa segunda vez, a gente teve sete embriões, utilizamos quatro até que um vingasse e temos ainda os outros três congelados. A doadora dos óvulos é anônima, não tem nada geneticamente da minha irmã, ela apenas foi o 'forninho'", relata Valdi. 

A rotina como pais

O casal estabeleceu uma parceria sólida na criação da filha, encontrando maneiras de equilibrar suas responsabilidades parentais. Enquanto Rafael é professor de inglês e dá aulas de casa via Skype, possibilitando sua presença constante, Valdi trabalha como policial militar em um regime de 24 horas de trabalho por 72 horas de folga.

Durante os dias em que Valdi está de serviço, uma amiga de infância atua como babá, apoiando Rafael enquanto trabalha de casa. Nos intervalos das aulas e durante os momentos de folga de Valdi, ambos se revezam nos cuidados com Sofia. "Eu fico com a Sofia na maior parte do tempo, mas ele sempre está. Porque ele sempre tem os intervalos dele", diz Valdi. 

Sobre a experiência como pai de Sofia, que atualmente tem um ano, Valdi compartilha que a realidade superou suas expectativas. Mesmo reconhecendo que a jornada é desafiadora, ele enfatiza que o cansaço é recompensado pelo amor que sente por sua filha. "É tudo do jeito que eu imaginei e melhor. É um amor único", destaca. 

Preconceito velado

Sobre preconceito, Valdi relata que já ouviu alguns comentários de colegas de trabalho associando o desejo de paternidade à maternidade. "Sempre tem aquele preconceito velado, né? A gracinha. Por exemplo, quando eu dei a entrada no procedimento, o pessoal dizia "quer ser mãe", "olha a mãe". Eu levava na brincadeira, sorria. Não passava disso. Preconceito de fato, pesado, eu nunca sofri", afirma.

Em relação a saídas públicas com o parceiro e a filha, Valdi menciona que a maioria das pessoas elogia a família, mas há aqueles que demonstram surpresa ou mesmo desaprovação. "Tem algumas pessoas que fazem uma carinha feia, mas, eles têm que respeitar. Mas, graças a Deus, a maioria nos elogia". 

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Casal compartilha experiência na web

A história de Valdi e Rafael vem servindo de inspiração para muitos outros casais homoafetivos que desejam construir uma família. Seu perfil @somos2pais nas redes sociais, onde compartilham sua rotina como pais, recebe apoio e elogios de pessoas que se identificam com suas experiências e desejam ver mais representatividade para casais LGBTQ+.

"A intenção do perfil foi justamente a de representatividade. Mostrar ao povo que a gente é uma família normal como qualquer outra. Tem pessoas que nos pedem conselhos porque estão no mesmo processo ou porque querem ter um filho e precisarão desse direito. Tem mães que nos mandam mensagens e dizem que têm filhos gays e querem que eles tenham um casamento feliz como o nosso. Recebemos muito pouco feedback negativo. E quando alguém comenta algo negativo, chega um batalhão para defender", destaca o sargento. 

Valdi também ressalta a importância de mudanças nas leis e políticas que reconheçam plenamente os direitos parentais de casais homoafetivos. Ele enfatiza a necessidade de garantir que todas as famílias, independentemente da orientação sexual, tenham acesso igualitário a direitos como a licença-paternidade.

"Vamos supor que o STF determine que isso é um direito garantido de todo mundo em qualquer esfera, seja pública ou privada. Se a Justiça garantir que todo casal homoafetivo tenha o mesmo direito de um casal hétero, já vai ser um grande avanço. Isso já vai representar muito. Os direitos devem ser iguais", destaca o PM.

Fonte: Redação Terra
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