É hora de uma revolução
A eleição presidencial se tornou uma escolha decisiva para a democracia, mas não adiantará em nada sem mudar profundamente a sociedade
No dia 30 de outubro, iremos às urnas para votar no segundo turno das eleições deste ano. No pleito, a maioria da população optará por manter a democracia em curso, retirando a extrema direita autocrática do cargo mais alto do poder, a presidência da República.
Não acredito mais em uma vitória de Jair Bolsonaro. O medo dos primeiros dias após o primeiro turno se tornou tranquilidade com o festival de absurdos que seus candidatos, apoiadores e entorno desempenharam no último mês.
O desejo expresso neste texto é impossível de se realizar em um eventual segundo mandato do atual presidente. Uma profunda e real revolução nas estruturas sociais só pode acontecer com o auxílio de um poder público determinado a mudar o Brasil.
Não basta deixarmos de ser esmagados pelo Estado autoritário e opressor do bolsonarismo se o que vier a seguir for o capitalismo totalitário com uma nova roupagem ESG. Eles fingem que se preocupam, até fazem boas ações pra ficar bem na fita, e nós continuamos comprando com a consciência mais tranquila.
O fiel da balança, o tal do mercado, espera de Lula um homem que consiga colocar a economia nos eixos ao mesmo tempo que enxuga a máquina estatal. Em um país onde 81 senadores têm outros 508 dependentes em seus planos de saúde - apenas para ficar em um dos milhares de exemplos de puxadinhos com o nosso dinheiro público, enxugar não passa de um eufemismo para apertar as coisas para nós.
Portanto, e como na primeira vez que Lula governou o Brasil, o país não será consertado só pela equação financeira de investimentos x gastos públicos x liberdade de empreender x mais dinheiro no bolso do brasileiro e aumento no poder de compra.
As mudanças precisam ser verdadeiramente progressistas no governo Lula, e não apenas bordões que colam nos congressos da ONU. A valorização da população em sua totalidade, a emancipação das populações minorizadas, o uso consciente dos recursos naturais e a modernização tecnológica do país não podem ser utópicas para sempre. E precisam acontecer agora, porque já passamos e muito da beira do colapso.
Sem absolutamente nenhuma intenção de tornar isso em um manifesto, essas são apenas ideias soltas de como poderíamos trazer mais compreensão à nossa sociedade, integrá-la e avançá-la pelo menos uma única vez.
Educação
O ensino brasileiro é uma vergonha. As instituições públicas estão jogadas às traças, enquanto as escolas privadas formam cada vez mais gerações que acreditam haver castas sociais no Brasil.
Depois da vergonha promovida pelos alunos de medicina em um desses jogos universitários estúpidos e aproveitando que esse novo Congresso lixo quer debater homeschooling e as leis de cotas, proponho irmos ainda mais longe para mudar o país através da educação.
Todo médico playboy recém-formado deveria fazer um ano de residência nas florestas brasileiras. O jornalista que quer cobrir esportes deve, necessariamente, pisar no chão da quebrada por uns bons anos e descobrir que a vida não se vive na redação. Os advogados devem passar pela defensoria pública antes de ingressarem em escritórios de grife e lidarem com as incontáveis instâncias de poder. Os agrônomos vão para assentamentos da agricultura familiar antes de destruírem o meio ambiente com suas plantations.
Por outro lado, abriremos as portas de nossas redações, hospitais, fazendas, escritórios e startups para quem ingressou no ensino superior pelo sistema de cotas em residências também anuais e obrigatórias.
Com a convivência verdadeira e cotidiana, vamos aprender cidadania mais rápido. Quem vier de cima não terá mais como fechar os olhos para a dura realidade; quem vier de baixo terá reais oportunidades. E o incômodo de quem pode mais será a força para promover modernização e competência nos serviços e empresas de todo o país.
Ainda sobre educação, deveríamos estabelecer regras de ingresso nos esportes e nas ciências exclusivamente através de programas coletivos de formação dentro das universidades.
Segurança alimentar e nutricional
Maior aliado do MST, Lula passou a campanha inteira falando da picanha no churrasquinho do final de semana. Para ele, infelizmente, o agro também é pop.
Proteger os biomas só é verdadeiramente possível se nos alimentarmos diferente. Não adianta nada ter a maior variedade de produtos animais e vegetais se continuarmos a comer mal.
Para todos os brasileiros, sem exceção, mesa farta significa quantidade, e não variedade. Na alimentação, o capitalismo quer que você coma mais picanha e filé mignon, e não mais vegetais, frutas, verduras, legumes, grãos, PANCs, outros animais e suas partes que não são consideradas nobres.
Não há Masterchef na televisão nem restaurante estrelado que faça você cozinhar diferente na sua casa, sem que haja interesse ou conhecimento para tal. Mesmo o MST, que é o maior produtor de arroz orgânico do país, não consegue explorar sua potência por ser tratado praticamente como uma organização terrorista.
Se o discurso não mudar e não entendermos no prato o que significa defender nossa riqueza agrária, então ficaremos para sempre reféns da política da picanha e circo.
Harakiri
Sou fascinado pelos engenheiros japoneses que se suicidam depois que uma cratera se abre em uma via pública ou um estádio de futebol desaba. Não defendo as últimas consequências, mas acredito que temos muito o que aprender sobre vergonha e responsabilidade com essas pessoas.
O que falta por aqui é decência com as coisas públicas, alimentada pela impunidade e pelo jeitinho.
Energia renovável de verdade
A construção civil vive um momento ótimo nas grandes metrópoles, e mais uma vez estamos perdendo tempo. Com uma simples canetada, cidades como Hamburgo, na Alemanha, passaram a exigir que todas as novas edificações da cidade tivessem painéis de captação de energia solar.
Já a costa brasileira é imensa, e, como disse recentemente Paulo Guedes, "extremamente mal gerida". Óbvio que nosso Chicago Boy não estava falando de geração de energia, mas que tal se transformássemos o movimento das marés em eletricidade? Isso já é realidade em lugares como Islândia, Escócia, Canadá e Coreia do Norte. A França tem uma das usinas de geração energética por ondas mais antigas do mundo, construída em 1966.
Estamos bem atrasados, e a solução não é estimular carros elétricos rodando nas cidades, já que boa parte da nossa energia vem de usinas nada sustentáveis, como as hidrelétricas e termelétricas.
Desmilitarização
Depois da vergonha protagonizada pelas Forças Militares brasileiras e todas as corporações de segurança pública, e principalmente da eleição de Eduardo Pazuello ao cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro, esse é um tópico que merece muita atenção, e que está envolvido em obviedades lógicas para mudar.
É simplesmente absurdo que haja qualquer sorte de tribunais militares para julgar crimes e desmandos, que tem um poder isolado da Constituição para beneficiar apenas um clubinho restrito - e importante, é verdade -, mas que inclui também velhos brochas, rancorosos, viúvas da ditadura e mamateiros.
Segurança não é licença para matar. No Brasil não existem James Bonds, mas esse espírito raivoso causado pela hipermasculinidade tóxica gerou desvios sociais graves, e que agora respinga no aumento de armas de fogo, da misoginia e da violência na população.
Liberais conservadores fiscais da transa alheia
Já deu dessa palhaçada moralista que consome a essência das pessoas nesse julgamento cego por quem come quem nesse país. Cada um que lide com seus traumas e suas vontades em vez de ficar impondo suas angústias por aí.
Pode ter certeza que isso já melhoraria bastante as coisas.
Condenar ditaduras faz bem
Passou da hora do PT condenar as ditaduras de esquerda por todo continente sul-americano e também a China. Então, vamos também condenar as ditaduras de direita e exigir isonomia no mercado internacional.
Lula tem o poder de dizer, eleito, o valor da democracia na promoção da revolução social, e então ajudar na reconstrução democrática dos nossos vizinhos.
Ideia ventilada mais por Fernando Haddad do que pelo próprio ex-presidente, a criação de uma moeda única do Mercosul poderia ser o arranjo final perfeito para a consagração de um novo pólo ultrademocrático na América do Sul.
A Ursal dos nossos sonhos pode ser realidade, afinal, em um continente finalmente livre do colonialismo. Que tal?