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"É muito triste a gente se odiar", diz Amanda Souza, ex-participante de "Casamento às Cegas"

Reality "Casamento às Cegas" acende debate sobre quais corpos têm direito ao afeto

25 jan 2023 - 05h00
(atualizado em 26/1/2023 às 19h02)
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No Brasil, 85% das pessoas gordas e gordas maiores declararam já ter sofrido gordofobia (o preconceito contra pessoas gordas), de acordo com a pesquisa Obesidade e Gordofobia — Percepções 2022, promovida pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso)  e a Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM). 

Durante o mês de janeiro, auge do verão e do flerte livre em festas, praias e vida noturna agitada, o Terra NÓS conversou com pessoas gordas e com corpos fora do padrão para entender se o flerte é democrático e se as regras são as mesmas para todos, pessoas gordas e magras. 

Convidamos a consultora de imagem e ex-participante do reality show "Casamento às Cegas Brasil" (Temporada 2, Netflix), Amanda Souza, o criador de conteúdo e produtor audiovisual Rick Trindade e a influenciadora e ativista na luta anti gordofobia Bianca Barroca  para contarem suas histórias de amor - tanto o próprio como aquele que experimentamos com o outro.

"Quando eu tinha aplicativo, fazia questão de colocar uma foto minha de biquini, para as pessoas entenderem que eu sou gorda e não saírem comigo se elas não quiserem sair com uma pessoa gorda", afirma Bianca Barroca. A pesquisa da Abeso e SBEM revela o quanto a gordofobia afeta de forma negativa as experiências amorosas de pessoas com corpos gordos e fora do padrão.  "A gordofobia demonstra que esses corpos não têm direito ao desejo e ao amor, e esse impacto por si só já é gigantesco, é um golpe na percepção do autovalor, trazendo dificuldade de se perceber como merecedor de afeto, afinal, é isso que as pessoas gordas crescem ouvindo da sociedade, e é claro que isso é internalizado", afirma a psicóloga Raquel Guimarães.

"Falas como "você só vai arrumar um namorado quando emagrecer" - que são bem comuns, infelizmente, podem fazer com que as pessoas gordas desenvolvam a percepção de que, se alguém as escolheu, elas deveriam se sentir sortudas e engrenar nessa relação sem pensar duas vezes, mesmo sendo muitas vezes relações que não fazem sentidos ou com dinâmicas abusivas - e isso é muito perigoso", explica a psicóloga.  

"É muito triste se odiar"

Aos 35 anos, a consultora de imagem Amanda Souza topou passar pelo experimento proposto pelo reality show "Casamento às Cegas", no qual homens e mulheres aceitam se conhecer intimamente por meio de conversas às cegas, sem que um saiba a aparência física da outra pessoa. Casais que derem match (quando mutualmente sinalizam ter interesse um no outro) podem propor casamento e, só depois do "sim", se conhecem pessoalmente.

Amanda Souza, cuja história no reality foi inédita no programa Casamento às Cegas
Amanda Souza, cuja história no reality foi inédita no programa Casamento às Cegas
Foto: Reprodução/Instagram

No experimento, a história de Amanda foi inédita. Essa foi a primeira vez que a produção do programa topou exibir a experiência de uma participante que não casou. O participante Paulo Simi disse sim a Amanda, mas quando a conheceu pessoalmente decidiu deixar o programa, alegando não estar preparado para se relacionar com uma mulher forte como ela. O caso foi rapidamente exposto como gordofobia nas redes sociais e, enquanto Paulo Simi foi cancelado pelo público, Amanda viu crescer ainda mais o número de seguidores em seu Instagram, recebendo muitas mensagens de apoio e depoimento de outras mulheres que já viveram situações parecidas.

"Meu pai sempre fala que pra andar de mão dada comigo a pessoa precisa ser do meu tamanho e ele (Paulo Simi) não era", contou Amanda em entrevista ao Terra NÓS.

Apesar de não negar que a atitude de Paulo a abalou, Amanda está longe de ter se sentido diminuída pela situação. "Eu nunca fui uma pessoa magra, nem criança, nem adolescente e nem adulta. Mas a minha base, a minha família sempre me disse que todo mundo é bonito, então a minha percepção de beleza já era diferente desde pequena." O carinho recebido pela família, assim como a falta de julgamentos pela aparência influenciou positivamente a autoestima de Amanda, a ponto de não permitir que ela se curvasse às armadilhas do que a sociedade considera o padrão de beleza. "Sempre falo para as clientes que eu atendo na consultoria de imagem que é muito triste a gente se odiar e que esse auto-ódio vem do olhar dos outros, não começa dentro da gente".

A consultora de estilo Amanda Souza ensina outras mulheres a buscarem o amor próprio por meio da própria imagem
A consultora de estilo Amanda Souza ensina outras mulheres a buscarem o amor próprio por meio da própria imagem
Foto: Reprodução/Instagram

A psicóloga Raquel Guimarães explica que o direito ao afeto está vinculado a padrões de beleza e recortes de raça e gênero. "Nós aprendemos como o mundo funciona a partir dos afetos que recebemos na nossa infância e passamos nossa vida reproduzindo isso de alguma maneira. Se crescemos em um ambiente em que o afeto teve de ser conquistado, ou seja, só se ganhava carinho e acolhimento mediante comportamentos desejados pelos adultos, é muito capaz que essa pessoa cresça hipervigilante do desejo do outro, entendendo que só tem direito ao afeto se ela se dobrar ao desejo do outro e ao que o outro espera dela." 

Para Amanda, a cobrança que as mulheres recebem da sociedade têm impacto forte na construção da autoestima. "Nossa [das mulheres] construção afetiva é baseada desde lá na infância a brincar de casinha, ser mãe e esposa. Quando a gente cresce, ficamos naquele paradoxo: não quero ter filhos nem casar, mas eu preciso fazer isso porque é o que esperam de mim. Eu não quero isso, eu quero é viajar o mundo, mas se eu não casar eu sou uma fracassada. Mesmo já tendo sido casada duas vezes, as pessoas ainda me falam que eu preciso ter alguém. Eu não preciso ter alguém, eu vou ter alguém quando eu quiser".

"Não cheguei no seu amigo porque tive medo de você"

O afeto destinado às pessoas gordas chega enviesado pelas percepções sociais e pela padronização do que se convenciomou a ser a referência do belo. O comunicador, criador de conteúdo e produtor audiovisual Rick Trindade, 30, sente que muitas vezes não tem a chance de ser conhecido para além da sua própria imagem por conta do preconceito das pessoas, que passa ao mesmo tempo pela gordofobia e pelo racismo antinegritude. 

Ricky Trindade, criador de conteúdo e produtor audiovisual, usa seu perfil no Instagram como uma plataforma para falar sobre afetividade e autoestima
Ricky Trindade, criador de conteúdo e produtor audiovisual, usa seu perfil no Instagram como uma plataforma para falar sobre afetividade e autoestima
Foto: Arquivo Pessoal

Como um homem negro e gordo, microagressões (aquelas nas quais o preconceito não é explícito mas atenta contra as carcaterísticas da pessoa) são uma constante na vida de Trindade. "As pessoas sentem medo de mim, mas eu sou uma pessoa muito educada, tranquila. Demorei muito tempo para me perceber como realmente sou. As pessoas falam 'Rick eu gosto da sua voz, você fala de um jeito calmo' e eu nunca percebi isso porque pensava 'como eu posso falar de um jeito calmo, tranquilo e sereno se as pessoas sentem medo de mim? Eu sempre me associei a uma voz forte". 

Trindade, que usa suas redes sociais como plataforma para falar sobre afetividade e autoestima reflete sobre a construção do autoamor. "Eu ainda vejo muito o Rick criança, adolescente, nesse lugar de construção e de entender como algumas coisas aconteceram e ainda acontecem comigo. Para além de tudo o que me causaram, eu me vejo como alguém que não reproduz essas violências. Como nunca fui acolhido da forma como eu queria, sempre tento acolher e ouvir e perceber as pessoas", diz.

Para ele, que enxerga no audiovisual um dos caminhos para que as mudanças aconteçam, a importância da representatividade está em ter pessoas diversas também na produção de filmes, novelas e séries. "Eu acho que o audiovisual é um dos caminhos para mudar as coisas. A gente fala muito sobre redes sociais mas muita gente acessa informação através da televisão, do audiovisual. Quando a gente coloca uma Ariel [personagem do filme A pequena Sereia] preta por exemplo, muitas crianças pretas se reconhecem. O que eu sinto hoje ainda muito triste é em 2023 a gente ainda estar falando 'a gente precisa de pessoas pretas nesse lugar, de pessoas trans nesse lugar, de pessoas com deficiência nesse lugar'. Se as representações continuarem sendo feitas por pessoas que atendem aos padrões, as representações vão continuar sendo estereotipadas. A gente existe, estamos à margem da representatividade mas a gente existe". 

No audiovisual, Ricky Trindade enxerga a representatividade como um dos caminhos para destruir estigmas e preconceitos
No audiovisual, Ricky Trindade enxerga a representatividade como um dos caminhos para destruir estigmas e preconceitos
Foto: Arquivo Pessoal

Fora das telas, o caminho ainda é longo. Trindade relembra como uma fala preconceituosa de uma desconhecida que ocorreu em uma festa em São Paulo foi violenta de forma não explícita. "Eu fui convidado para uma festa de pessoas pretas. Fui com um amigo, eu estava num momento de curtição e uma menina, que ficou interessada nesse meu amigo, me disse 'eu não me aproximei antes do seu amigo porque fiquei com medo de você'. Isso destruiu minha noite porque eu só tava me divertindo em um espaço que era para ser seguro". 

Para ele, mesmo dentro das minorias é preciso que haja uma revisão de comportamentos que são agressivos. "Mesmo em um espaço que era para ser seguro a imagem chega primeiro, o estereótipo chega primeiro e o estereótipo é reproduzido até por nós pessoas pretas. Eu quero que as pessoas comecem a ouvir e observar os outros. Temos muitas vivências iguais mas passamos por coisas diferentes", diz ele. 

Mulheres ainda são apresentadas por seus parceiros como se fossem um troféu

A influenciadora e criadora de conteúdo Bianca Barroca teve seu ativismo reconhecido fora da bolha do Instagram ao ser apontada por Fabio Porchat, em 2020, como a responsável por ter o convencido de retirar do ar um vídeo do Porta dos Fundos gordofóbico.

Bianca Barroca, ativista antigordofobia, buscou apoio na terapia para aprender a ter relacionamentos saudáveis. Foto: Reprodução Instagram
Bianca Barroca, ativista antigordofobia, buscou apoio na terapia para aprender a ter relacionamentos saudáveis. Foto: Reprodução Instagram
Foto: Instagram/Reprodução

Aos 27 anos, a paulista caiçara de Peruíbe é uma das vozes que ressoam alto na luta anti gordofobia e suas mensagens nas redes sociais estão sempre associadas ao desenvolvimento do amor próprio e reconhecimento da gordofobia como crime. Em entrevista ao Terra Nós, Bianca falou sobre seus relacionamentos amorosos e sobre como é possível acreditar no amor e se relacionar de uma maneira saudável mesmo com tanta pressão estética. 

"As minhas relações são influenciadas pelo meu corpo porque eu sou o meu corpo. Então se eu mudo, as relações que eu vou ter vão mudar também. As pessoas com quem eu me relacionei no passado enquanto pessoa magra não se relacionariam comigo hoje da mesma forma, do mesmo jeito que eu não me relacionaria com essas pessoas do mesmo jeito", afirma a influenciadora.

Para Bianca, se relacionar com outras pessoas gordas foi um caminho saudável para ser feliz na vida amorosa. "Acho que é possível sim se relacionar com uma pessoa completamente diferente de você, mas as diferenças sempre trazem coisas que você precisa aprender a lidar e às vezes não queremos lidar com isso. Às vezes pular essa etapa é melhor. Os meus últimos relacionamentos foram com pessoas gordas e eu me sinto mais segura assim."

A experiência vivida por Bianca, que atualmente está em um relacionamento amoroso saudável, passa pelo autoconhecimento e por muita terapia. "Me orgulho muito de ter aprendido a me comunicar e a confiar o suficiente na outra pessoa em uma relação", afirma ela. "Infelizmente, a lógica gordofóbica social exclui e ridiculariza a pessoa gorda, cobrindo-as de estereótipos e extirpando delas a possibilidade de viver sua individualidade. Isso por si só já é causador de muita dor - é um trabalho difícil e injusto se separar de tudo aquilo que a sociedade fala que você é, para entender quem de fato você é, mas é o trabalho necessário", aponta a psicóloga Raquel Guimarães.

Fonte: Redação Nós
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