“É não ter certeza do futuro, mas ainda ter fé na jornada", diz mãe de menina negra com síndrome de Down
Amanda Atíladê faz parte de um coletivo que busca mapear pessoas negras com síndrome de Down no Rio Grande do Norte
Diante do mito de que não existem pessoas negras com síndrome de Down, o diagnóstico para esses bebês demora muito mais e resulta na expectativa de vida 50% menor se comparado às pessoas brancas com a mesma condição genética. Além de serem atravessadas pelo capacitismo, pessoas negras com Down enfrentam a desigualdade e o racismo.
Esses dados, levantados por um estudo realizado em 2001 pelo Centro de Controle de Doenças e Prevenção dos Estados Unidos, preocupam diariamente a ativista Amanda Atíladê, 35. Ela é mãe da pequena Maya Sol, de um ano, uma criança negra com síndrome de Down.
“As pessoas com síndrome de Down já são subjugadas pela sociedade, discriminadas e desacreditadas. Quando isso se junta ao racismo, situa a pessoa numa condição muito peculiar de experiência”, diz Amanda, em entrevista ao Terra NÓS.
Em 2023, Amanda e outras mães negras decidiram mapear crianças, adolescentes e adultos negros e negras com Down, afim de derrubar o mito e criar redes de apoio em Natal, no Rio Grande do Norte.
O projeto se chama “Trevo de Quatro Folhas Negro”, iniciativa organizada pelo coletivo de mulheres negras As Carolinas, em parceria com o Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio (CRDHMD), e financiado pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE).
“É importante que não só os familiares possam estar organizados e fortalecidos para requerer políticas públicas específicas, mas também para que as próprias pessoas negras com T21 [trissomia do cromossomo 21] possam ser visibilizadas e enfrentem, coletivamente, essas problemáticas”, destaca.
Durante o processo de pesquisa sobre síndrome de Down e raça, foram encontrados poucos relatos de experiências e ainda menos sobre políticas públicas com intersecção de raça. No Brasil, segundo Amanda, não há organizações e coletivos que desenvolvam ações específicas para pessoas negras com Down.
Além disso, pessoas negras com síndrome de Down quase não aparecem em meios de comunicação, campanhas, eventos, novelas e organizações.
Maya Sol
Maya Sol segue sendo uma referência de luta e “um feixe de luz na vida de quem a conhece pessoalmente ou acompanha nas redes sociais”, comenta Amanda.
“É impossível falar dela e não sorrir. Uma menina pretinha linda que supera nossas expectativas e nos educa simplesmente por existir e ser como ela é. Confesso que as dificuldades em criar a Maya são mais externas do que sobre ela”, declara a mãe.
Segundo Amanda, os desafios que dizem respeito a quanto Maya vai viver e se desenvolver é o que lhe dá mais medo em sua jornada de maternidade. “Isso me assusta mais do que tudo no mundo”, desabafa, se referindo à falta de emprego, suporte financeiro, rede de apoio e dificuldade de acesso à saúde.
Além de Maya Sol, Amanda tem mais dois filhos neurodivergentes. Sobre ser mãe atípica, ela define como um “ato de resistência invisibilizado”.
“É não ter certeza do futuro, mas ainda assim ter fé na jornada. É precisar se reinventar todos os dias porque todos os dias temos um limite para ultrapassar.”
Para ela, o essencial para estimular uma mudança efetiva é avançar em um projeto de políticas públicas “pautado na manutenção da vida e no bem-estar das famílias atípicas, a partir da escuta das necessidades e dificuldades dessas famílias.”
Síndrome de Down em números
Segundo a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, estima-se que no Brasil a ocorrência de pessoas com Down seja um em cada 700 nascimentos. Totalizando cerca de 300 mil pessoas. No mundo, a incidência estimada é de 1 em 1 mil nascidos vivos. A cada ano, cerca de 3 a 5 mil crianças nascem com síndrome de Down.