Ela foi atriz de Chiquititas, fez biomedicina para estudar doença rara e virou atleta paralímpica
Diagnóstico de Ataxia de Friedreich mudou a vida de Giovanna Boscolo, que busca medalha em Paris no arremesso de peso e de club em Paris
Foram muitas as mudanças de rota que Giovanna Boscolo, 22 anos, teve de fazer em sua vida. Ela foi modelo e atriz quando jovem, atuou na famosa novela Chiquititas, competiu pela ginástica do Palmeiras, se formou em biomedicina e experimentou vários esportes até receber, aos 15 anos, o diagnóstico que modificou significativamente sua jornada: Ataxia de Friedreich, doença neurodegenerativa rara que afeta, principalmente, o equilíbrio e a coordenação. A doença lhe derrubou por um tempo, mas a fez descobrir novos caminhos e vocações até conseguir vaga para disputar os Jogos Paralímpicos de Paris.
A Ataxia de Friedreich obriga Giovanna a recomeçar e a se adaptar todos os dias. "É como se meu corpo fosse desaprendendo a fazer as tarefas básicas, então é como se a cada dia eu tivesse que relembrar tudo de novo. Não é mais automático", explica ao Estadão a paratleta, que pensou, com a sua condição, que teria um futuro "muito cruel".
A previsão não se confirmou. Giovanna perdeu o rumo por um tempo, mas se refez e descobriu novas possibilidades. Primeiro, decidiu cursar biomedicina, com o pensamento de se aprofundar teoricamente justamente na Ataxia de Friedreich, doença sobre a qual há poucos estudos brasileiros. Por isso, seu trabalho de conclusão de curso foi a respeito da patologia que a acometeu.
"Eu gosto da área da saúde e sabia que iria conseguir entender melhor a fisiologia e como funciona a Ataxia. Além disso, futuramente o que eu penso - e não deletei essa ideia da minha cabeça - é buscar uma cura, uma avanço", diz.
A trajetória da atleta mudou mesmo no fim da faculdade, em 2021, quando conheceu o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Soube, por uma amiga de sua mãe, que havia vaga de estágio na área de Ciência do Esporte. "Aquele dia foi maravilhoso para mim assim porque acho que a gente muda muito a mentalidade depois que a gente vê aquele mundo porque é um mundo de possibilidades", resume.
Ela fazia análises de dados dos atletas para sugerir alterações nos treinos dos esportistas a fim de que eles alcançassem melhores resultados. Da teoria passou para a prática: em outubro do ano passada foi convidada para treinar atletismo paralímpico no CPB, mais precisamente arremesso de peso e o arremesso de club, uma espécie de pino de boliche.
Nas duas modalidades, a paratleta arremessa, sentada em uma cadeira, o objeto no campo com o objetivo de lançá-lo o mais distante possível. Ela impressionou nos primeiros treinos, com marcas expressivas que lhe permitiram disputar - e conseguir - uma vaga no Mundial deste ano e nos Jogos Paralímpicos. "Eu lembro que eu o técnico (Cássio) da transição do CPB falou para mim: com essas marcas, se você treinar e evoluir dá para chegar em Paris", conta.
Cinco meses depois de começar no atletismo paralímpico, a biomédica conquistou a vaga para a Paralimpíada. "Um momento que eu realmente falei 'vai dar certo' foi em Dubai, no Mundial, minha primeira competição internacional. Fiz um lançamento muito bom e aí eu me senti tipo pertencente, sabe? Pensei: 'é isso, vai dar certo'. E deu", recorda-se a medalhista mundial no arremesso de peso na classe F32.
"Nunca, quando eu tinha 15 anos, eu imaginaria que eu estaria com 22 anos onde estou hoje, em Paris, competindo em uma Paralimpíada".
Em Paris, Giovanna vai competir nesta sexta-feira, 30, e na próxima quarta-feira, 4. "Vou buscar dar o meu melhor. Eu viso sempre ser melhor do que eu fui. Se der para voltar com a medalha melhor ainda".