Entenda caso de doméstica que voltou para casa onde teria sido escravizada por 40 anos
Mulher retornou para a casa do desembargador Jorge Luiz Borba no dia 6 de setembro após decisão do Supremo Tribunal Federal
No começo de junho deste ano, a Polícia Federal (PF) iniciou uma operação em Santa Catarina para investigar o desembargador Jorge Luiz Borba, suspeito de estar envolvido em trabalho escravo. Os mandados de busca e apreensão foram autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Operação
De acordo com a PF, o desembargador e a esposa estariam mantendo uma trabalhadora doméstica em condições análogas à escravidão. A mulher estaria há quase 40 anos trabalhando para o desembargador, mas sem registro formal de emprego, salário ou benefícios trabalhistas. A trabalhadora também vivia em condições precárias e não tinha acesso à assistência médica.
A denúncia recebida pelo Ministério Público Federal (MPF) indicava que a mulher é surda e muda e não teve acesso à educação formal. O MPF apurou indícios de prática criminosa após relatos de “trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes”.
Investigação
Dias após a operação realizada na casa do desembargador, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu uma reclamação disciplinar para investigar a conduta de Jorge Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).
A vítima deu seu depoimento à Polícia Federal, que também ouviu testemunhas que afirmaram que a mulher era vítima de maus tratos e vivia em condições precárias. Após a operação ganhar repercussão, o desembargador, através de uma nota, afirmou que a mulher era como um “membro da família” e que seus propósitos eram humanitários. “Aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo suspeita de trabalho análogo à escravidão, na verdade, expressa um ato de amor”, dizia o comunicado.
Jorge negou as acusações e disse que foi surpreendido com a operação da polícia. “Todos os esclarecimentos estão e continuarão sendo prestados à exaustão para evidenciar que a denúncia apresentada não condiz com a verdade”, informou a assessoria do desembargador.
Filiação afetiva
No dia 11 de junho, o desembargador Jorge Borba divulgou que iria entrar com um pedido de filiação afetiva da vítima que ele é acusado de manter em condições análogas à escravidão. O pedido visa garantir o reconhecimento jurídico de uma relação familiar que tem o afeto como base. Se o pedido for aceito, a mulher será formalmente integrada à família e passará a ter direito a herança.
Comunicado divulgado pelo desembargador afirmou que o objetivo é “regularizar a situação familiar”. “Garantindo-lhe, inclusive, todos os direitos hereditários”, informou.
A nota foi assinada por Jorge, sua esposa e seus quatro filhos. “Definitivamente jamais praticaram ou tolerariam que fosse praticada tal conduta deletéria, ainda mais contra quem sempre trataram como membro da família”, disseram.
"Escravinha"
De acordo com as declarações obtidas pelo Fantástico, da Globo, uma ex-funcionária que trabalhou na casa do desembargador contou que a vítima era “escravinha” na casa. A vítima comia com os funcionários, mas só depois da refeição dos patrões, e também dormia em um quartinho nos fundos da casa. Segundo a ex-funcionária, os cachorros da família recebiam um tratamento melhor do que a vítima.
Outra funcionária ouvida pelo programa também disse que a vítima é “mucama”, termo usado para se referir a pessoas escravizadas que faziam serviços domésticos.
Retorno à casa
No começo deste mês, o caso do desembargador tomou outro rumo. O ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça autorizou que o desembargador encontrasse a vítima e que ela voltasse para a casa do desembargador, caso quisesse. Mendonça rejeitou o recurso da Defensoria Pública que queria impedir esse reencontro na intenção de proteger a vítima.
O processo seguiu para o STF depois que o ministro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deu parecer favorável ao pedido do desembargador para poder retomar o contato com a empregada. Segundo Campbell Marques, ele não viu indícios suficientes de crime porque a empregada “viveu como se fosse membro da família” na casa do desembargador.
A mulher de 50 anos retornou à casa no dia 6. O defensor público federal William Charley Costa de Oliveira, que apresentou um habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal para impedir o reencontro, disse que irá recorrer ao STF para que o caso seja avaliado pela segunda turma da Corte.
Rendimentos
O desembargador Jorge Luiz de Borba é presidente da Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Ele também foi professor universitário e, este ano, teve rendimentos brutos que chegaram a R$ 477 mil. Em abril, ele recebeu cerca de R$ 100 mil e, em maio, R$ 92 mil.
Desde que o caso foi revelado, Jorge Borba recebeu R$ 178.941,20 em rendimentos brutos. O valor é resultado da soma dos seus holerites de junho e julho. O desembargador tem o salário-base de R$ 37,5 mil.