Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Estilo Dona Maria: a expressão periférica na moda

Muito além do estilo mandrake, a moda periférica é uma expressão ampla e diversa

30 jul 2023 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Arte de Bianca Foratori
Arte de Bianca Foratori
Foto: Bianca Foratori

A busca durante a construção desta conversa foi pautada na compreensão sobre quais camadas a moda ocupa e tudo que pode significar. No contexto de mulheres pretas e periféricas, criativas que transformaram a moda em objetivo de pesquisa e de trabalho, a construção visual da roupa na favela é sinal de liberdade e combustível para a auto afirmação. 

Enquanto a indústria da moda que existe do lado de fora da periferia nem sempre acolheu a diversidade cultural de braços abertos, nos últimos anos, criativos e artistas independentes têm revisto o que a moda significa e como ela se concretiza. O que significa estar na moda? Seja em estado ou lugar, a moda é parte de um processo de conhecimento, reafirmação e propriedade sobre a cultura que parte dali, as experiências vividas nas periferias urbanas.

Apesar de lentes que carregam estereótipos com traços por vezes até caricatos, a moda aqui vai muito além de um óculos ou camisa. Está, sobretudo, nas estampas que enfeitam a blusa daquela Dona Maria que saiu para fazer feira. “Elas usam a moda de maneira inconsciente para pertencer”, considera Tamirão, stylist, que vive na região de Guaianases, em São Paulo. 

As senhoras periféricas, as tias 

“Eu sempre tive muita atenção ao estilo das senhoras”, explica Tamires Silva, que enxergou a necessidade e a importância de estudar o estilo da avó, pela identificação que sempre teve, ciente de seus gostos e referências. “Eu pesquiso muito, mas sem me apropriar, porque eu uso, eu consumo, isso faz parte da minha veia. Sem ser uma coisa caricata, uma personagem.”

“Marias do Brasil” é o título da pesquisa desenvolvida pela stylist, que vê na avô, Carmen, itens e referências de estilo importantes. Com elementos que vão desde o look para ir a feira, com alguma peça de roupa estampada que casa perfeitamente com a calça, mesmo que ali, de primeira, não pareça existir combinação. “As senhoras periféricas, as tias da igreja, elas se vestem. O que é o estilo de rua? É o estilo que a gente vê na rua e essas senhoras não vivem? Sendo que a gente vai no mercado, na feira, na lotérica e vai ter uma senhora com um estilo assim”, defende. 

Tamires Silva, que enxergou a necessidade e a importância de estudar o estilo da avó, pela identificação que sempre teve
Tamires Silva, que enxergou a necessidade e a importância de estudar o estilo da avó, pela identificação que sempre teve
Foto: Arquivo pessoal

“Todo mundo tem uma Dona Maria na sua casa, existe uma identificação imediata. As pessoas veem suas avós, suas mães. E a gente não olha para essas pessoas, porque a gente também entra na questão do etarismo”, considera a stylist.

"Eu acredito que muitas não saibam que são referências, e em ocasiões onde eu posso compartilhar com elas que essas são as inspirações do meu trabalho, gera até mesmo uma certa surpresa, porque pra elas isso é o comum, o cotidiano delas, nada demais", analisa a artista visual e muralista, Bianca Foratori.

Com pesquisas que se encontram, Bianca e Tamires observam os elementos que compõem, influenciam e amparam a manutenção da moda periférica, pautado sobretudo nas mulheres mais velhas. Para a artista visual, estes elementos são parte da cultura periférica. “Embora a cultura periférica não seja o tema principal que direciona meu trabalho, acaba sendo uma intersecção, porque estou falando de dia-a-dia, de memória afetiva, de estéticas e narrativas marginalizadas, então são assuntos que se relacionam.”

O trabalho realizado pela artista visual está ancorado na intersecção entre memórias afetivas e tradições, com foco na mulher e na cultura popular brasileira. Com a pintura como principal linguagem de trabalho, são retratadas mulheres racializadas, representando histórias familiares, cenas cotidianas e estéticas brasileiras. Volta para a história a Dona Maria que tem estilo e característica muito bem estabelecidas.

“Acho que é algo tão natural que se mistura com o dia a dia. Quando uma personagem da novela lança uma tendência e imediatamente tá na feira do bairro, no Brás, na lojinha da quebrada uma reprodução daquilo porque todo mundo tá pedindo, comentando, quer usar, isso é também falar sobre moda”, observa Bianca, que retrata o fuxico, a blusinha de crochê e até o colar guardado para ocasiões especiais.

Arte de Bianca Foratori, cujo trabalho está ancorado na intersecção entre memórias afetivas e tradições, com foco na mulher e na cultura popular brasileira
Arte de Bianca Foratori, cujo trabalho está ancorado na intersecção entre memórias afetivas e tradições, com foco na mulher e na cultura popular brasileira
Foto: Bianca Foratori / Divulgação

Todo mundo aqui é moda

“Essas habilidades, da costura, tricô, crochê, bordado são passadas de geração em geração. São transmitidas na informalidade do lar, e quase sempre a filha aprendeu com a mãe, que aprendeu com a avó, que aprendeu com a bisavó. Não dá pra não exaltar os saberes ancestrais que as mulheres vem desenvolvendo há gerações e deixando como legados para suas descendentes”, reforça Bianca  Foratori.

Se a construção de referências e estilo também vem das mais velhas na periferia, isso se expande para a forma de consumo e ampara iniciativas menos recentes, mas tão comuns quanto a blusa florida na fila da lotérica. A moda sustentável, convida para o garimpo de roupas, enquanto preserva memórias e estilo. 

Larissa Ramos, stylist, influenciadora, mãe e dona do Brechó do Barulho.
Larissa Ramos, stylist, influenciadora, mãe e dona do Brechó do Barulho.
Foto: Acervo pessoal

"A moda periférica é você ser original usando os itens que você trabalhou e conquistou pra ter, é usar a criatividade para repetir looks de forma única, é construir uma narrativa direta com o seu visual, uma defensiva estética para se impor, junto com a liberdade de ser quem você é", defende a stylist, influenciadora, mãe e dona do Brechó do Barulho, Larissa Ramos. 

“Vendo para famílias, pessoas que estão na batalha como eu, é que às vezes algo que seja descartável para alguns, é necessário e útil demais para quem sabe valorizar. É uma troca, tanto de inspiração e aprendizado diariamente”, é o que relata Larissa. O trabalho que realiza com a moda na periferia, segundo ela, ajuda no desenvolvimento da autoestima, identificação e valorização do consumo consciente. 

A moda periférica é uma narrativa de reconhecimento e pertencimento através da expressão. Com a arte, as diferentes formas de linguagem o respeito a outras vivências e histórias. Suas roupas são os capítulos de uma história que reflete em cada costura, bordado, acessório e enfeite. 

Estilistas negros que estão arrasando na moda verão Estilistas negros que estão arrasando na moda verão

Fonte: Redação Nós
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade