Estudo aponta mulheres negras como campeãs de confiança na publicidade
Celebridades como Iza e Erika Januza se destacaram em avaliação mas, nos bastidores, publicidade no Brasil ainda é branca e masculina
Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil está mais preto. Conforme os dados coletados, o número de brasileiros que se autodeclaram pretos aumentou no país nos últimos 10 anos: 56% da população brasileira é formada por negros, três pontos percentuais acima dos 53% de 2012. Outro dado interessante que nos ajuda a ir formando a "cara" da nossa nação é que, em 2021, 51,1% da população brasileira era do sexo feminino. A porcentagem representa 4,8 milhões de mulheres a mais que homens no país e foi levantada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Com esses números em mãos, não é de se espantar que as celebridades negras vêm tomando o protagonismo nas campanhas publicitárias e atingindo um público significativo em termos de representatividade e inclusão.
Um estudo recente da Kantar IBOPE Media aferiu o poder atual da influência negra nos espaços de mídia e publicidade ao constatar que, entre 317 celebridades pesquisadas, as mulheres negras tiveram pontuação acima da média na pesquisa através do chamado Celebscore, pesquisa que quantifica e qualifica as percepções da população brasileira sobre os famosos.
Das 150 mulheres pesquisadas, 16 são negras. Nove delas – Camila Pitanga, Erika Januza, Iza, Jennifer Nascimento, Lucy Ramos, Pathy Dejesus, Rebecca Andrade. Sharon Menezzes e Taís Araújo – têm nota acima da média em 16 dos 25 atributos, incluindo Credibilidade, Formadoras de Opinião e Admiração. Nos atributos Especialista, Boa Porta-Voz, Carismática e Vida Saudável, Erika Januza, Iza, Jennifer Nascimento e Rebecca Andrade estão no top 5.
Iza e Erika Januza se destacaram no levantamento: a cantora carioca, por exemplo, é a 5ª celebridade mais admirada e a 3ª no atributo Formadora de Opinião. Já dos 25 atributos pesquisados, a atriz Erika Januza ficou no top 15 de 16 deles.
"São mulheres que representam possibilidades, a compreensão do quanto a figura delas é importante para aquela criança que olha para a tela e pensa que, sim, é possível chegar lá. Elas usam seus inúmeros talentos e sua voz em favor da pauta, de trazer luz a questão do racismo, da condição da mulher negra", avalia Mirian Helena Ferreira, gerente da Kantar IBOPE Media.
Mirian afirma que as mulheres citadas na pesquisa conseguiram superar os estigmas e se destacaram em percepções como sofisticadas, executivas, multiculturais, conectadas, porta-vozes, formadoras de opinião, etc. "Esses atributos serão valorizados e absorvidos por outras gerações. Pensar que, em uma pesquisa com 150 mulheres, temos mulheres negras no top 5 de atributos relacionados à influência só pode ser visto como avanço positivo e merecido. Algo conquistado por elas, pela coragem e posicionamento", completa Mirian Helena.
O estudo da Kantar IBOPE Media relembra que em 2022 houve um aumento de +197% do investimento publicitário da categoria de eventos sociais e culturais, um dos principais crescimento do período. Um destaque desta categoria foi a 20ª edição da Feira Preta no Memorial da América Latina, na capital paulista, com exposições de empreendedores e shows musicais.
A pesquisa também trouxe à tona algumas características da relação entre os consumidores negros e as marcas: 41% costumam seguir as marcas nas redes sociais, 43% fazem buscam na internet sobre os produtos que são anunciados enquanto assistem TV e 35% confiam na indicação de produtos pelas celebridades.
Mas e nos bastidores? Os negros ainda são minoria no jornalismo, tendo apenas 30% de representantes, segundo dados do Perfil do Jornalista Brasileiro em 2021. Já na publicidade, 31% das campanhas com negros são estreladas por celebridades, em especial nos setores de Telecomunicações e Higiene Pessoal e Beleza. Iza, Menor Nico, Paulo Vieira, Rebecca Andrade e Taís Araújo formam o Top 5 das celebridades negras na mídia.
Nos bastidores, branquitude impera
A publicidade feita no Brasil é branca e masculina, em sua grande maioria. A conclusão vem do estudo "Publicidade Inclusiva: Censo de Diversidade das Agências Brasileiras 2023", realizado em conjunto pela Gestão Kairós - Consultoria de Sustentabilidade e Diversidade e o Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP) e divulgado no último mês de junho. Os resultados da pesquisa foram mensurados no início deste ano, após a realização de entrevistas, no final de 2022, com os líderes das agências respondentes, que somam cerca de 6,2 mil funcionários.
Conforme a pesquisa, o setor de publicidade no país é liderado por pessoas brancas, que correspondem hoje a 88% da liderança (nível gerente e acima) e 92% do nível CEO/presidente. Além disso, é comandado por homens, que são respectivamente 50,2% e 85% dessas posições. E onde estão as mulheres? Trabalhando no atendimento e não nas áreas de criação, planejamento, mídia e digital. A maioria é branca.
Para Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, essa sub-representatividade se repete em toda a sociedade. "Infelizmente, se reverbera em tudo que a gente comunica, se reverbera em tudo que a gente constrói coletivamente, cotidianamente como cultura, pensando em cultura como algo em construção, em todos os lugares, e em particular num país como o Brasil. Então, quando a gente fala da importância de ter mais representatividade, mais proporcionalidade de mulheres e de mulheres negras na liderança das grandes agências e na liderança das grandes empresas que contratam as grandes agências, nós estamos dizendo que, uma vez que esse olhar for colocado de forma consistente e sistêmica nesse processo, a gente muda a sociedade e nunca mais volta atrás", avalia.
No ponto de vista de Liliane, é preciso ter mais mulheres negras na publicidade - não apenas celebridades, inclusive - para passar a ter a diversidade como regra até chegar no patamar dela ser natural aos nossos olhos. "Hoje, a gente ainda tem um distanciamento muito grande entre o que vê nas ruas e o que vê na TV, as grandes revistas e nos grandes magazines. Acho que a gente vai ter transformado a nossa forma de se comunicar quando o que a gente ver nesses meios de comunicação for exatamente o que vemos quando estamos caminhando nas ruas do nosso país", observa.
"E isso não apenas em novembro, por causa do Dia da Consciência Negra, ou em um dia como hoje [25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha], mas em todos os dias do ano. Estamos nesse processo e eu acredito que nos próximos dez, quinze, vinte anos, a gente deve ver uma mudança completa", diz ela, lembrando que m dos pontos de partida são as 36 metas propostas pela Gestão Kairós para o ODP para mudar a cara dos bastidores da publicidade no Brasil, tornando o segmento mais inclusivo, diverso e igualitário.