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"Eu achava que minha mãe seria presidenta do Brasil", diz filha de Marielle Franco

Marielle e Anderson foram mortos a tiros em 14 de março de 2018, quando o carro deles foi alvejado no bairro do Estácio

14 mar 2024 - 07h51
(atualizado às 09h14)
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Juntamente com sua tia, a hoje Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, ela é uma das fundadoras do Instituto Marielle Franco
Juntamente com sua tia, a hoje Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, ela é uma das fundadoras do Instituto Marielle Franco
Foto: Reprodução: Instagram/marielle_franco

Em entrevista à DW, Luyara Franco descreve lembranças que tem da mãe, Marielle Franco, assassinada a tiros com o motorista Anderson Gomes no centro do Rio em 14 de março de 2018. Crime ainda não foi elucidado. "Ela era gigante. Eu achava que minha mãe ia ser presidenta do Brasil em algum momento." Pronunciadas em tom de admiração, as palavras descrevem o que Luyara Franco imaginava para a vida da vereadora Marielle Franco.

Conheça o legado de Marielle Franco Conheça o legado de Marielle Franco

No dia do brutal assassinato da política e socióloga e de seu motorista, Anderson Gomes, a estudante recém-formada, hoje com 25 anos, estava havia dois dias na casa dos avós, a advogada Marinete Silva e Antônio Francisco da Silva Neto, para onde foi mandada por Marielle em razão de uma conjuntivite.

"A minha mãe falou: 'Eu não posso pegar conjuntivite, essa semana estou com muito trabalho!' Eu fiquei meio com raiva, tipo, 'Mas mãe, como assim? Tá me botando pra fora?'. Voltei para a casa deles numa segunda e na quarta, quando tudo aconteceu, eu estava lá. Foi horrível, mas foi melhor assim. Estava amparada. Não imagino como seria se eu estivesse sozinha", recorda Luyara, em entrevista à DW por videochamada.

Marielle e Anderson foram mortos a tiros em 14 de março de 2018, quando o carro deles foi alvejado no bairro do Estácio, região central do Rio de Janeiro. Seis anos depois, ainda não se sabe quem mandou matar a vereadora e o motorista, nem qual foi a real motivação do mais escandaloso crime político da história recente brasileira.

O legado de Marielle

Há exatos seis anos, a vida da jovem carioca mudou para sempre. Luyara, que tinha acabado de passar no vestibular para Educação Física na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), passou a morar com os avós, de quem é muito próxima, e abraçou a luta pela memória da mãe.

Juntamente com sua tia, a hoje Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, ela é uma das fundadoras do Instituto Marielle Franco, que defende o legado de Marielle e trabalha para dar visibilidade a mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas.

Apesar de almejar seguir carreira na área do esporte, sua atuação na política - ela trabalhou no gabinete da vereadora fluminense Renata Souza - e seu trabalho no Instituto ajudam a preservar a memória da mãe.

Hoje Luyara consegue falar da mãe sorrindo, como na entrevista à DW. Mas admite ter dificuldades de se expor. Antes da entrevista, por exemplo, ela conta que fez uma aula de zumba na academia. "Esporte me ajuda muito, e fui malhar para me acalmar, porque dar essa entrevista, falar dela, do crime, não é fácil", explica. "É difícil ter esse lugar de figura pública. Eu não escolhi isso. Mas a vida me levou a ocupar esse lugar."

Luyara diz não se surpreender com o tamanho e a importância que Marielle alcançou no mundo todo, tornando-se referência na luta pelos direitos humanos - mas também aponta o dedo para a morosidade das investigações. "Seis anos é um tempo muito longo", avalia.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

DW: O 14 de março é para muitos um dia de luta, de lembrar da Marielle e pedir justiça. Mas também deve ser muito difícil para você, filha dela, não?

Luyara Franco: Não tem um dia que eu não lembre da minha mãe. Ainda mais fazendo o trabalho no Instituto [Marielle Franco, que Luyara fundou com a tia, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e os avós Marinete e Antônio]. Não tem um dia que eu não reviva essa dor. Mas a gente é uma família muito unida. E também temos muita fé. Sem a fé, teria sido muito mais difícil. Mas, sim, em março acaba que a gente revive tudo. Sai mais notícia. É bem desafiador. Faz seis anos, mas a dor é muito latente ainda.

O dia [do assassinato] foi muito traumático. Mas foi uma sorte eu estar na casa da minha avó. Se eu não estivesse lá com eles, teria sido muito pior. Eu fui passar o fim de semana na casa deles. Peguei conjuntivite e voltei para casa. A minha mãe falou: 'Eu não posso pegar conjuntivite, essa semana estou com muito trabalho!' Eu fiquei meio com raiva, tipo, 'Mas mãe, como assim? Tá me botando pra fora?' Voltei para a casa deles numa segunda e na quarta, quando tudo aconteceu, eu estava lá. Foi horrível, mas foi melhor assim. Estava amparada. Não imagino como seria se eu estivesse sozinha.

Como foi para você e sua família fazer a transição do luto para uma luta pública pelos direitos humanos?

Do dia para a noite a gente teve que agarrar a luta. Foi daí que surgiu o instituto. A gente também foi conhecendo muita gente na luta, o que fortalece a gente ainda mais. Mas confesso que é um pesinho difícil, hein? Ser filha de Marielle e sobrinha da Anielle Franco. Olha a responsabilidade! Mas eu sou a continuação do sonho dela. O instituto é a continuação do sonho dela. Minha tia ministra é a continuação do sonho dela. Eu seguir na luta é dar continuação ao que ela sonhou.

É difícil ter esse lugar de figura pública. Eu não escolhi isso. Existe a Luyara Francisco e a Luyara Franco. Eu queria estar fazendo outras coisas também. Queria estar lidando com outros problemas. Não queria dar conta de tudo isso. Mas a vida me levou a ocupar esse lugar.

A postura do clã Bolsonaro oscilou entre silêncio, desprezo e minimizar a importância do assassinato de Marielle Franco. Com foi para você manter a resiliência na época do governo Bolsonaro?

Foi difícil no dia-a-dia. Na época da eleição, minha tia chegou a ser cuspida com a minha prima no colo, porque reconheceram ela. Eu vou bastante a jogos de futebol e tenho uma camisa e uma bandeira do Flamengo com o nome da minha mãe. Na época da eleição, eu ouvia : "Ah, ela tinha mesmo que morrer". Foi muito difícil.

Com o Lula no poder, a gente se viu mais esperançoso pela Justiça. Mas, mesmo assim, a gente não se deixa enganar pela Justiça brasileira. Estamos há seis anos sem respostas. Esse é um tempo muito longo. Não poderíamos imaginar que ia demorar tanto. A gente tá com esperança que o mandante seja apontado e que um júri dos executores seja marcado.

Como você acompanha o andamento das investigações sobre a morte da sua mãe?

Olha, da família eu confesso que sou a que se envolve menos, porque para mim é muito delicado. Eu tento ir na maioria das reuniões com o Ministério Público. Mas minha avó está sempre acompanhando, até por ela ser advogada, ela conhece algumas pessoas do meio, entende os termos, tudo que está acontecendo.

Ela e o meu avô são as pessoas que mais acompanham o caso. Às vezes, eu não consigo ir nas reuniões por trabalho, aula. Quando não vou, meus avós me fazem um resumo do que está acontecendo. Às vezes minha avó chega com um papel para eu assinar e eu só digo, 'não precisa me explicar tudo. A situação está na mesma? É para continuar a esperar?' Tivemos que aprender a ter muita paciência nesses seis anos.

Em janeiro, o site The Intercept noticiou que o ex-PM Ronnie Lessa, preso em 2019 e apontado como autor dos disparos contra Marielle e Anderson Gomes, teria apontado Domingos Brazão, político carioca, como mandante do crime em delação premiada. Você acredita nisso?

O que aconteceu nesse dia foi um vazamento da imprensa bem irresponsável. Nesses seis anos do caso, já aconteceram outros vazamentos, principalmente em relação ao Ronnie Lessa. Então, para reforçar, eu queria dizer que a delação ainda não foi homologada. Então, ninguém afirmou nada. Ninguém falou nada para a família. Não existe nada público ou oficial sobre quem realmente é o mandante do crime. O que a gente tem que fazer é esperar a Justiça: da investigação sobre os mandantes ao julgamento público dos executores.

Quando recebeu a notícia da morte da sua mãe, você tinha 19 anos, tinha acabado de entrar na faculdade. Se formou e trabalhou na política como assessora, e também atua no Instituto Marielle Franco. Você pensa em trabalhar na sua área?

Sim. Hoje faço outra coisa. Estou trabalhando por ela [Marielle] e porque eu quero fazer isso. Mas pretendo usar esse lugar para pensar em formas de reparação pelo esporte, em luta contra o bullying. Sempre quis trabalhar com uma área mais social.

Como você cuida da saúde mental? O esporte te ajuda?

No início, logo depois da morte, fazer esporte me ajudou bastante. Mas depois eu fiquei bem mal. Tive depressão e ansiedade e acabei deixando isso e várias coisas de lado. Eu fiquei de um jeito… não conseguia fazer nada. Era da casa para a faculdade e da faculdade pra casa. Até ir na faculdade era muito difícil. O que me ajudou nesse momento foi a terapia, e também o acolhimento da família. Hoje estou bem melhor. Essa fase da depressão passou. Mas continuo cuidando da minha saúde mental.

Mas mesmo assim você conseguiu se formar sem nenhuma interrupção. Você é muito exigente consigo mesma?

Sou muito exigente comigo porque minha mãe era muito exigente. Isso ficou dentro da minha cabeça. Na minha família tem isso muito importante: a ideia de que a educação é algo que ninguém tira de você. Ela sempre ficou muito no meu pé por isso. Sempre me cobrou que eu estudasse e aproveitasse as oportunidades que eu tive e ela não, como estudar inglês, por exemplo.

A sua mãe virou uma referência no mundo todo. Isso te surpreendeu?

Não me surpreendeu de jeito nenhum. Para mim, minha mãe seria presidenta do Brasil em algum momento. Eu tinha certeza disso.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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