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Evangélicos e candomblecistas dividem ruas na Bahia e estão unidos por sentimento de exclusão

Polêmica com a cantora Cláudia Leitte põe no centro da discussão a relação entre evangélicos e pessoas de religiões de matriz africana

21 jan 2025 - 05h00
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Imagem da tradicional Lavagem do Senhor do Bonfim, que reúne adeptos do Candomblé e do Catolicismo
Imagem da tradicional Lavagem do Senhor do Bonfim, que reúne adeptos do Candomblé e do Catolicismo
Foto: José Souza/GOVBA

Numa quinta-feira de janeiro, o trecho de cerca de 8 km entre a Igreja da Conceição da Praia e a Basílica de Senhor do Bonfim, em Salvador, se pinta de branco. Fiéis, seja da fé católica, candomblecista, de umbanda ou até mesmo aqueles que não tem religião, participam da tradicional lavagem. De fora da festa, no entanto, ficam aqueles das religiões evangélicas. 

A percepção não é apenas pessoal. É endossada pela pastora Vânia Silva, da Igreja Batista Luz Divina, entrevistada pelo Terra.

“Hoje eu acredito que não tem esse espaço de ambas as partes. Eu acredito que um passo muito grande teria que ser dado por todas as religiões, porque já é algo que é cultural. Então eu não vejo um espaço para inclusão nesse sentido de religiões evangélicas entrarem. Eu não acho que seria aceito pelos evangélicos e nem por quem já faz esse tipo de evento”, diz. 

Vânia, de 41 anos, é pastora em Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, e viúva de Irmão Lázaro, um ícone entre os cantores evangélicos do Estado. Sua fama surgiu antes de se converter: Lázaro fazia parte do Olodum, com a alcunha Lázaro Negrumy. 

Vânia ao lado de Irmão Lázaro, pastor que faleceu em 2021, por complicações da covid-19
Vânia ao lado de Irmão Lázaro, pastor que faleceu em 2021, por complicações da covid-19
Foto: Arquivo Pessoal

Quando decidiu se tornar evangélico, levou consigo sucessos do Olodum, modificando suas letras para falar de Deus. O maior sucesso foi I Miss Her, que embalou a trilha sonora do filme Ó Paí Ó, e virou Eu Sou de Jesus

Para Vânia, a música é uma forma de pregação. “Ele se sentia muito honrado ao ver pessoas de outras religiões, pessoas que não tinham religião, cantando a música dele. Por que qual é a pregação do evangelho? Levar a palavra de Deus a toda criatura”, afirma. 

É nesse contexto que surge a polêmica recente envolvendo a cantora Cláudia Leitte, que optou por trocar o nome Iemanjá por Yeshua --forma de chamar Jesus em algumas religiões-- durante a interpretação da canção Caranguejo. A pastora define a troca como “liberdade de expressão”, mas aqueles que seguem religiões de matriz africana preferem o termo “intolerância religiosa”.

O contexto religioso na Bahia

Existe um ditado que em Salvador há uma igreja para cada dia do ano. Não é por menos, dentre os rastros da colonização portuguesa, a grande quantidade de igrejas católicas, sempre tem uma cortando o horizonte do Centro Histórico da capital baiana.

Os dados oficiais mais recentes sobre religiões são do Censo do IBGE de 2010 e, por isso, estão defasados. A expectativa é que exista uma surpresa na atualização. Isso porque, naquele ano, 65% dos baianos se declararam católicos, uma queda de 9 pontos percentuais em comparação com o Censo anterior, de 10 anos antes. Enquanto isso, o número de evangélicos crescia de 11% para 17%.

Os números dos que se declaram de candomblé ou umbanda são muito mais tímidos: havia pouco mais de 47 mil praticantes assumidos, cerca de 0,4% da população. À época, líderes religiosos diziam que pessoas adeptas às religiões de matriz africana não se sentiam confortáveis para se declarar como tal. 

O fato é que andando pelas ruas das principais cidades baianas --ou até passeando pelo Google Maps-- é possível ver igrejas, templos evangélicos e terreiros dividindo a mesma rua. É o que acontece com João Marcelo Correia, pai de santo do terreiro Ilê Asè Airá Tolami, localizado em Dias D’ávila, na região metropolitana de Salvador.

Babalorixá João Marcelo, do terreiro Ilê Asè Airá Tolami
Babalorixá João Marcelo, do terreiro Ilê Asè Airá Tolami
Foto: Arquivo Pessoal

O terreiro, fundado por ele há 10 anos na região, está a alguns passos de distância de algumas igrejas evangélicas e de um outro terreiro. 

“Existem algumas igrejas, não tenho muito contato, porque falta entendimento de que o candomblé não está ali para tomar espaço de ninguém, não está ali para fazer nada negativo”, afirma.

Marcelo conta que vive em Salvador, mas por um desígnio de seu orixá estabeleceu o terreiro na cidade vizinha. Em um período de oito anos, o local foi invadido dez vezes. O babalorixá denuncia que os arrombamentos tenham sido ações de intolerância religiosa.

“Chegou um ponto em que eles não tinham o que fazer. Eles não tinham. Então, chegavam pessoas da própria segurança pública, falando assim: ‘Eu acho que eles não querem você aqui, não querem isso’”, declara.

Grades do terreiro que foram arrombadas
Grades do terreiro que foram arrombadas
Foto: Arquivo Pessoal

A situação ganhou notoriedade após ir para o noticiário e chegou a ser matéria no Fantástico, da TV Globo. Depois disso, o pai de santo conta que os ataques cessaram. As interações com os vizinhos das igrejas próximas, como ele mesmo diz, é quase nula. Em um território novo, a sensação que Marcelo descreve é de exclusão.

Coincidência ou ironia, esse é o termo usado pela pastora Vânia Silva ao buscar na memória uma situação de intolerância religiosa pela qual tenha passado. Pelo hábito de buscar evangelizar o próximo, Vânia conta que muitas vezes não é bem recebida. “Não me recebem para ouvir o que eu tenho para falar, então eu não posso entrar na sua casa se eu for falar do evangelho.”

Em uma lembrança de infância, a pastora relembra o que ouvia no pequeno município onde nasceu, em Pé de Serra, no interior baiano. “Os mais velhos diziam assim para mim, ‘Crente é do diabo, então você não pode se aproximar desse pessoal, porque eles são do diabo, eles vão te contaminar com o que eles falam’”, relembra. 

Enquanto Vânia defende que todos possam ser evangelizados, o candomblé vai no caminho contrário. “Candomblé é uma religião fechada, é uma religião de chamados. Então, assim, fazer parte de uma ancestralidade é você ser chamado por ela”, explica o babalorixá João Marcelo.

Disputa por espaço e união

Nesse contexto, enquanto o número de evangélicos cresce exponencialmente na Bahia, a disputa pelos espaços se torna frequente e é evidenciada na esfera pública. Isso é o que acredita a pesquisadora Lídia Bradymir, de 27 anos, Mestra em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutoranda pela mesma instituição.

“O que eu vejo que explode mesmo é a questão pública dos monumentos, dos territórios, de reconhecer territórios como de matriz africana ou como evangélicos”, afirma. Ela cita como exemplo as Dunas do Abaeté, em Salvador, onde evangélicos querem mudar o nome para Monte Santo Deus Proverá. A questão é que o local já era utilizado por comunidades de terreiros próximas para rituais religiosos.

Enquanto moradora do bairro da Liberdade, conhecido principalmente por causa do Ilê Aiyê e hoje reduto de várias igrejas evangélicas, Lídia convive diariamente com a diversidade religiosa. Para ela, apesar das diferenças, uma coisa une essas religiões na Bahia: “Somos todos negros.”

“A religião evangélica em Salvador é uma religião negra. Então a gente tem que ter esse olhar de conciliação para esses dois campos. Não podemos cair na armadilha de um campo é bom, o outro é mal. A gente tem que sentar, ver a origem do problema e começar a resolver e isso não significa que a gente vai fazer um grande movimento, mas às vezes uma conversa mesmo com as pessoas da nossa família, com as pessoas da nossa vizinhança”, defende.

Fonte: Redação Terra
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