Ex-patroa diz que não pagava salário a doméstica por "considerar da família"
Madalena Santiago da Silva trabalhou 54 anos sem remuneração; em entrevista, ela relatou receio de pegar na 'mão branca' de repórter
A ex-patroa de Madalena Santiago da Silva, doméstica resgatada de trabalho análogo a escravidão na Bahia, disse em depoimento a autoridades que não pagava a trabalhadora por "considerá-la da família" e "como uma irmã".
Segundo reportagem da TV Bahia, da Globo, Madalena trabalhou 54 anos de seus 62 de vida sem receber nenhum salário, além de sofrer maus-tratos e ter dívidas em seu nome feitas pela filha da ex-patroa.
O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia considera a justificativa da ex-patroa de Madalena como crime de assédio moral. À reportagem, Creuza Oliveira, presidente do sindicato, explica que essa fala é usada para poder não garantir os direitos da empregada doméstica. "Essa trabalhadora não é da família, ela está vendendo a sua mão de obra para uma pessoa que precisa do serviço", acrescenta.
"Se ela fosse da família, teria direito a herança, teria direito a usar o elevador social, piscina, fazer faculdade e estudar, como a família faz."
Medo de pegar em 'mão branca'
A história de Madalena ganhou repercussão nacional depois de uma entrevista que ela deu à TV Bahia. Na ocasião, ela afirmou ter medo de pegar na "mão branca" da repórter. "Eu vejo sua mão branca, eu pego a minha e boto em cima da sua, eu acho feio", disse entre lágrimas.
Hoje, Madalena recebe seguro desemprego e um salário mínimo da ação cautelar do MPT. As medidas garantem a sobrevivência da doméstica, que perdeu R$ 20 mil da aposentadoria, levados pela filha da ex-patroa.
A doméstica relatou ainda o clima de descriminação constante na casa em quer trabalhava. “Eu estava sentada na sala, ela [filha da ex-patroa] passou assim com uma bacia com água e disse que ia jogar na minha cara. Aí eu disse: ‘Você pode jogar, mas não vai ficar por isso. Aí ela disse: ‘Sua negra desgraçada, vai embora agora’”, contou.
Após a repercussão do caso, duas novas denúncias de trabalho análogo a escravo chegaram ao conhecimento do sindicato. Segundo levantamento do Dieese, apenas sete entre dez domésticas no Brasil possuem carteira de trabalho assinada.