Fluvia procurou 20 escolas e não conseguiu matricular o filho autista
“Quando pergunto sobre inclusão, o tom de voz da pessoa muda”, conta modelo que procura vaga para Pedro há cinco semanas
"Vivo em função de tentar matricular meu filho na escola”, desabafa Fluvia Lacerda. Aos 41 anos, a modelo plus size que abriu caminho para tantas outras de sua geração já tentou sem sucesso uma vaga no 2º ano do ensino fundamental para o filho com autismo em 20 escolas paulistanas. Mãe de Lua, 22 anos, e de Pedro, 8, ela morou por muito tempo nos Estados Unidos e voltou para o Brasil em 2018. Em Boa Vista (RR), onde cresceu e viveu nos últimos três anos, Fluvia não teve dificuldade alguma para encontrar uma escola para o filho. Em São Paulo, entre explicações sobre falta de estrutura a justificativas como a necessidade de processo seletivo, garantir o direito de matrícula de Pedro tem sido uma luta árdua. Ela conta os detalhes em entrevista exclusiva.
Nós - Com tem sido os últimos dias?
Fluvia - Morei mais da metade da vida fora do Brasil. Os meus filhos nasceram nos EUA (tem outra filha, de 22 anos), voltei para o Brasil, morei os últimos três ano na cidade onde cresci, em Boa Vista, capital de Roraima, e não tivemos problemas com relação à inclusão. Confesso que nem me inteirei muito sobre questões de lei e aspectos legais enquanto morei em Roraima, porque a gente não teve esse problema lá.
Há quanto tempo está procurando uma escola para o seu filho?
Estou na quinta semana. Morávamos em Roraima, onde matriculamos o Pedro em duas escolas diferentes e foi super de boa. Por questões de trabalho, me mudei recentemente para São Paulo e todo esse processo está sendo um pesadelo, algo inimaginável. Tinha a percepção de que em São Paulo seria mais fácil conseguir vaga para o Pedro, mas depois que passei a desabafar nas redes sociais me dei conta que a realidade é totalmente diferente.
Você visitou escolas particulares ou públicas?
Já falei com os dois lados da moeda. Por lei, o ensino público tem um fundo direcionado para treinar profissionais e equipar as escolas a fim de auxiliar a criança deficiente no ensino pedagógico. Porém, esse fundo aparentemente não chega ou chega de forma escassa. Sinto que na rede pública há genuinamente uma vontade maior de atender e fazer a prática da inclusão, mas existe zero estruturação e zero financiamento para treinamento de pessoal. Quanto às escolas particulares, vejo que usam subterfúgios para desanimar a família.
Quais subterfúgios?
Eu sempre inicio a procura perguntando se há disponibilidade de vaga para 2º ano do ensino fundamental. A resposta é positiva e então propõem uma reunião com tour para conhecer a escola. Quando pergunto como é a prática da escola sobre a inclusão para crianças com espectro de autismo, a história muda. O tom de voz de quem me atende muda. De repente, a escola não é adequada para o meu filho, é barulhenta porque tem aluno demais ou a equipe para inclusão está sobrecarregada. Ok, mas a lei rege que se existe vaga é proibido negá-la. Se não tem estrutura de mão-de-obra para acolher mais uma criança, a obrigação como instituição educacional é contratar profissionais. Também falam de fazer processo seletivo, porque depende do grau de autismo. Tudo que citam dentro dessas conversas é completamente contra lei. Ficou evidente para mim que eles contam com o fato de que muitas famílias não têm qualquer conhecimento sobre leis nem condições para contratar advogado para lutar por elas, sem contar que não têm forças para lutar. E isso ocorre independentemente da metodologia pedagógica da escola. Procurei por todas, nada deu certo.
O Pedro sente falta da escola?
O Pedro ama ir para escola. Uma das características mais comuns entre os autistas é a necessidade da constância, do ritual, da rotina. Ele está “enjaulado”, então decidi tomar as rédeas montando uma sala de aula dentro da minha casa enquanto não consigo uma escola e estou buscando pedagogos para contratar para me ajudar. Ele é um autista não verbal e ainda não sabe ler e escrever. É uma luta contra o tempo.
E como, você está se sentindo?
Ser mãe já é difícil, ser mãe de uma criança deficiente, principalmente num país preconceituoso, problemático e complexo como o Brasil, é mais difícil ainda. Quando cheguei ao Brasil e comecei a participar de grupos de famílias com filhos autistas, não entendia por quê essas pessoas viviam nesse modo tão bélico o tempo todo. Agora eu entendo: porque para tudo aquilo que elas precisam é necessária uma guerra. Além de enfrentar diversas questões para dar apoio apropriado aos filhos, essas famílias precisam lutar por um direito que é garantido pela Constituição. Que mãe consegue trabalhar e tocar a vida sabendo que seu filho está em casa sem uma escola para ir?