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‘Fora a maternidade, o Candomblé foi a melhor coisa que me aconteceu’: Flávia Oliveira fala sobre religiosidade, ancestralidade e direitos

No Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa, em entrevista ao Terra, a comentarista da GloboNews conta sobre sua trajetória de fé

21 jan 2025 - 05h00
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Foto: Reprodução/GloboNews

Filha de baiana, Flávia Oliveira cresceu na Umbanda. Foi batizada na religião de matriz africana e também na Igreja Católica --onde fez catequese e se casou. Nunca deixou de lado os ensinamentos que recebeu para cuidar de Iemanjá, e ainda segue com devoção por Nossa Senhora, São Jorge, e Cosme e Damião. Há 15 anos, tem o Candomblé como sua religião. Por isso usa branco às sextas-feiras na GloboNews, canal em que trabalha como comentarista política. É preceito. A religiosidade significa muito em sua vida e, ao falar sobre seu chamado na fé, em entrevista ao Terra, Flávia se emocionou: “Fora a maternidade, o Candomblé foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. Me sustenta”.

Flávia Oliveira tem 55 anos e, além da GloboNews, trabalha como colunista no jornal O Globo, na rádio CBN e é podcaster no Angu de Grilo, programa que toca junto da filha, Isabela Reis, que é sua irmã de santo, como conta. Para Flávia, o Candomblé a ajudou muito em seu autoconhecimento, em sua missão espiritual e profissional. No caso, o caminho da comunicação: “Minha missão é ser voz.”

Quando alguém se encontra, tem uma clareza tão intensa de quem se é por meio da fé, não tem como sair, acredita Flávia, que também se vê como herdeira dessa religiosidade. “É nossa história, é nossa ancestralidade. A gente é de uma família, de uma linhagem, que pertence à religiosidade de matriz africana”, pontua.

Flávia (à direita), sua mãe (ao centro) e sua filha, Isabela Reis (à esquerda), em memória que ela compartilhou nas redes sociais: "Saudade imensa. E, ao mesmo tempo, o sentimento de presença permanente"
Flávia (à direita), sua mãe (ao centro) e sua filha, Isabela Reis (à esquerda), em memória que ela compartilhou nas redes sociais: "Saudade imensa. E, ao mesmo tempo, o sentimento de presença permanente"
Foto: Reprodução/Instagram/@flaviaol

Ela descobriu conexões intensas de seu avô materno com um terreiro tradicional de Cachoeira, o Roça do Ventura, por exemplo, no Recôncavo Baiano. E, ao mesmo tempo, ele também tinha conexão com a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. “Essa mistura de credos, ritos, crenças de religiosidade alcança a minha família desde sempre”, conta Flávia, que considera ser algo que representa muito o Brasil.

Flávia explica que é “borizada”, “assentada”, mas não iniciada no Candomblé. Ou seja, por mais que já tenha seus orixás assentados, o que explica ser algo primordial para quem segue a religião, ela não viveu a experiência de recolhimento que se passa ao ser iniciado no terreiro. “Meu Pai de Santo é muito cuidadoso e até conservador nessa atuação, porque compreende a minha vida, os meus compromissos profissionais em um certo choque com a disciplina e a frequência que a religião exige de um iniciado. Então o que eu faço é cuidar permanentemente dos meus orixás, do meu assentamento, faço as obrigações e cumpro os preceitos”, explicou.

Ela se considera uma pessoa imbuída da missão e da consciência de que está em uma religião minoritária e que deve defendê-la, porque se orgulha dela: “Ninguém pode se envergonhar da fé que professa. Deviam se envergonhar de perseguir a fé alheia.”

Mas esse enfrentamento, em outros tempos, já se deu de outras formas em sua família. Sua tia a contou que seu avô, quando vivo, não queria as filhas no Candomblé. “Meu avô era um homem preto que guardava essas tradições de matriz africana e católicas. E, na verdade, a interdição dele tinha a ver com medo delas serem discriminadas, sofrerem algum tipo de violência em razão da conexão com religião de matriz africana. Era realmente perigoso, especialmente para mulheres. Ainda hoje é. A gente ainda não está livre disso”, opina.

"Era macumbeira na infância. E católica. Aqui uma festa de Erê (27 de setembro) no terreiro de umbanda em que minha mãe se iniciou: Centro Espírita Caboclo Jamanguara. A ialorixá era Mãe Abigail Vidal. Ficava em Barros Filho", memória que Flávia nas redes sociais.
"Era macumbeira na infância. E católica. Aqui uma festa de Erê (27 de setembro) no terreiro de umbanda em que minha mãe se iniciou: Centro Espírita Caboclo Jamanguara. A ialorixá era Mãe Abigail Vidal. Ficava em Barros Filho", memória que Flávia nas redes sociais.
Foto: Reprodução/Instagram/@flaviaol

‘Luta é permanente’

Nesta terça-feira, dia 21, é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. O marco é em homenagem à Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, que foi vítima de racismo religioso. Seu terreiro foi atacado, seu marido agredido e, em meio à perseguição, nesse mesmo dia nos anos 2000, ela faleceu após infartar. 

Flávia fala sobre como, antigamente, essa perseguição, intolerância e violência contra terreiros era validada até mesmo pela imprensa. E, também, considera importante esclarecer que, desde a redemocratização, com a constituição cidadã e a liberdade religiosa como princípio constitucional e direito fundamental, a sociedade avançou, em alguma medida.

No entanto, quando se trata de política e costumes, tudo segue em disputa, que ameaça conquistas e tenta impor retrocessos, complementa.

“Isso é da natureza da convivência humana e de todo o processo político. Esse é um momento, não só no Brasil, mas no mundo, de inflexão em relação ao ambiente de conquistas de direitos que se intensificaram principalmente a partir dos anos 90 e na virada dos anos 2000, na direção de direitos civis, de princípios de igualdade, que pareciam assegurados e não mais ameaçados. O que a gente está vendo aqui não [estão assegurados], que a luta é permanente.”

Foi o que mostrou o debate que marcou a última semana, com relação às mudanças de diretrizes, políticas de moderação de conteúdo e o fim do programa de checagem de fatos nos Estados Unidos na Meta, empresa de Mark Zuckerberg que é dona do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp. Com as mudanças, há menos restrições para discursos de ódio nas plataformas.

O assunto também foi pauta de Flávia, nas frentes de comunicação onde atua. Sobre isso, ela crê que quando uma minoria está em risco, a humanidade vai estar em risco. “Porque é assim que começa. Você escolhe um grupo minoritário, que é uma frança desse universo, e depois a coisa vai escalando”, complementou ao Terra.

Para Flávia, nenhuma denominação religiosa está livre de enfrentar perseguição. “A questão é, efetivamente, que autoridades hajam através de políticas e de assistência contra qualquer tipo de discriminação religiosa, que persigam a liberdade religiosa, inclusive com ações no campo da judicialização e da investigação crimina.”

Sobre as religiões de matriz africana, ela também vê absolutamente fundamental que o Estado brasileiro se convença de que é preciso agir ativamente para enfrentar o racismo religioso. “Porque tem muito a ver com a afrodescendência, está também na raiz de um racismo que é estrutural no Brasil e que vem da colonização daquele modelo que coisificou os corpos negros”, argumenta. 

Fonte: Redação Terra
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