Funcionárias acusam maitre de restaurante de alto padrão de assédio sexual em SP
Vítimas relataram que gerente insistia para que saíssem com ele, pedia fotos íntimas e passava a mão nas parte íntimas
"Bateu na minha nádega, e a mão dele chegou a pegar na minha parte íntima". Esse é o relato de uma das cinco mulheres que acusam de assédio sexual o maitre de um restaurante de alto padrão, localizado no Morumbi, em São Paulo. Com exclusividade, o Terra ouviu essas mulheres, e teve acesso aos processos trabalhistas contra o estabelecimento, no qual há menção aos abusos vividos pelas funcionárias.
Camila* começou a trabalhar no Fazenda Churrascada em janeiro de 2022. Ela não era uma funcionária fixa. Após dois meses, passou a sofrer com as investidas do maitre. A primeira vez foi quando o funcionário a viu de roupa formal, quando já saía para ir embora.
O homem observou uma das tatuagens dela e começou a perguntar se ela tinha em algum outro lugar. Com o tempo, ele passou a perguntar sobre fotos íntimas. "'Não acredito que você não tem nenhuma fotinho íntima'. Eu neguei. Não gosto disso", reforça a ex-funcionária. O maitre sempre dava um jeito de assediá-la de alguma forma todas as vezes que eles tinham qualquer espécie de diálogo.
"Ele mandou foto da parte íntima. Estava sentado segurando o pênis ereto. Ele ainda perguntou se eu não tinha gostado. Falei que não acreditava no que ele havia mandado, porque era meu gerente. Depois mandou um vídeo", relembra.
Não importa quantas vezes Camila dissesse que não queria ter nada com o maitre, os assédios continuavam. Em uma das vezes, ele chegou a bater em suas nádegas. "Foi na frente das câmeras. Ele saiu andando e rindo. Eu não tive reação, fiquei sem graça. Ele não tinha limites", afirma.
A vítima do assédio, por não corresponder às investidas do Maitre, deixou de ser chamada para trabalhar no estabelecimento. Em seguida, entrou com ação contra o restaurante, pedindo reconhecimento do vínculo empregatício e relatando o assédio sofrido.
Em 24 de julho, a ação foi julgada procedente, tanto em relação ao vínculo empregatício quanto para o assédio sexual, resultando em indenização de R$ 60 mil referente ao assédio, valor total solicitado pelos advogados da vítima na ação. O valor total da condenação foi estimado em R$ 90 mil.
Outros casos
Camila não foi a única. A reportagem conversou com as outras quatro vítimas, que também mencionaram as investidas recorrentes do profissional. Uma delas afirma que estava grávida quando sofreu um dos episódios. Ela diz que perdeu o bebê após ficar nervosa ao ser surpreendida com um tapa nas nádegas.
"No começo ainda relevava por estar na experiência. Tentava levar na esportiva, mas começou a ficar insuportável”, explica Mariane*. Ela relata que o homem a chamava de "safada", dizia que tinha "tesão" nela, e usava de algumas situações para tocar em seu corpo sem o seu consentimento.
"Um dia ele veio arrumar meu crachá que ficava na blusa, porque estava solto. Se aproveitou e pegou nos meus seios. [...] Uma outra vez eu estava com uma bandeja cheia na mão, ele pediu um pano, colocou a mão no bolso do meu avental e pegou na minha parte intima. [...] Até que um dia ele bateu na minha bunda, fiquei mega nervosa. No outro dia fui para o médico sangrando. Descobri que estava grávida e tendo um aborto espontâneo. Falei o que passei para o médico e ele disse que pode ter sido trauma, estresse", lamenta.
Hoje, Mariane carrega traumas do que viveu dentro do estabelecimento. Não consegue se firmar em emprego nenhum, nem se aproximar de homens. "Tenho desânimo e receio de ir trabalhar. Fico chorosa e não quero mais levantar da cama", desabafa.
Valéria* também foi assediada algumas vezes e presenciou uma das investidas do maitre em Mariane. A reportagem teve acesso ao print de mensagens que o maitre enviou para a vítima. Em uma das conversas, ele a chama de "vida" e diz que fica "louco com essas marquinhas", se referindo a marca de sol. O maitre fazia questão de comentar sobre o corpo, e quando recebia a negativa, tentava punir a funcionária de alguma forma.
"Ele começou a me tratar mal, me colocar nos piores lugares [do restaurante]. Ele me assediava, assediava minhas amiga. A gente falava, só que ninguém acreditava, entendeu? Eu fui conversar com o gerente, e ele não acreditou em mim. Aquilo estava me sufocando, não estava aguentando mais trabalhar na Fazenda e saí', explica.
Além de Valéria, outras duas vítimas alegam ter repassado a denúncia, mas nada foi feito. Por isso, decidiram processar o Fazendo Churrascada. Somente uma delas ainda não deu entrada no processo, mas garante que ainda neste ano recorrerá à Justiça. Uma sexta mulher também ajuizou uma ação. Todas tramitam no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo.
A defesa das vítimas, representada pelos advogados Vitor Moya e Luciana Pereira Leopoldino, afirma que é fundamental valorizar a coragem da primeira vítima em relatar o agressor, que pode inspirar outras mulheres a também denunciarem as situações traumáticas que vivenciaram.
"É essencial esclarecer que qualquer toque indesejado, elogio, cantadas e utilização do cargo para obter vantagem ou constranger subordinadas é assédio. E assediadores e seus cúmplices devem responder de forma exemplar, pois só assim essa prática deplorável será suprimida."
Com a Palavra Fazenda Churrascada
Em nota ao Terra, a Fazenda Churrascada São Paulo informou que assim que teve conhecimento da ação tomou imediatamente todas as medidas necessárias para o afastamento e desligamento do funcionário do quadro de colaboradores.
A empresa salientou que repudia qualquer prática de abuso ou discriminação e que conta com o Código de Ética e Conduta, que é de conhecimento de todos os funcionários, incluindo o canal direto de denúncias, com objetivo de garantir que qualquer funcionário possa registrar uma denúncia de forma segura e confidencial.
Ao ser questionada sobre as denúncias feitas pelas funcionárias à gerência, o restaurante afirmou que o "canal nunca teve qualquer registro de denúncia do caso mencionado, e que a empresa tomou conhecimento da denúncia pela justiça".
À reportagem o ex-funcionário afirmou que não pode comentar o caso, pois recebeu a orientação de seu advogado para aguardar todos os tramites do processo da Justiça.
*Vítimas não quiseram ter os nomes revelados, por isso, a reportagem usou identidades fictícias