Funcionário do Fran's Café na Alesp ignora clientes negras
Duas mulheres negras esperaram cerca de 45 minutos para receberem seus pedidos já pagos, mas não foram atendidas pelo funcionário da cafeteria
Era por volta de 16h, do dia 14 de junho deste ano, quando duas mulheres negras, mãe e filha, relatam ter sido alvo de racismo na unidade do Fran's Café localizada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A comerciante e a operadora de telemarketing contam que foram almoçar após agenda junto ao gabinete de um deputado estadual, mas foram ignoradas pelo atendente que não entregou seus pedidos.
Após reunião no gabinete do deputado estadual Coronel Telhada (PP), mãe e filha se dirigiram à cafeteria Fran's Café, instalada no interior da Alesp, acompanhadas por um assessor parlamentar do gabinete do deputado. O assessor aguardou até que as duas mulheres fizessem seus pedidos, efetuou o pagamento de dois almoços e dois refrigerantes para ambas e, antes de retornar ao gabinete, indicou ao funcionário do estabelecimento as pessoas que aguardavam as refeições e deveriam ser servidas.
Únicas pessoas negras presentes na cafeteria, mãe e filha relatam ter esperado cerca de 45 minutos e não receberam os pedidos já pagos ou qualquer atendimento, sendo que sua mesa não chegou a ser limpa. Enquanto isso, viram outras pessoas sendo atendidas. As vítimas também observaram que as refeições pedidas foram servidas a outras clientes, que destacaram que não tinham pedido as refeições, mas o atendente insistiu que já estavam pagas e era delas.
"Se o cara estava ali com a bandeja e foi oferecer um almoço para a moça e ela disse que não era dela, custava ele ter perguntado para gente, que estávamos lá esperando, se era nosso o pedido de almoço?", questiona a comerciante.
Após a conversa com as outras clientes, mãe e filha também observaram o atendente acondicionando as refeições em embalagens para viagem para outras mulheres. Além disso, dentro do estabelecimento, a vítima comerciante aponta que informou sobre o erro cometido para o atendente e foi ignorada.
"Ele não teve coragem de se desculpar. Apenas olhou para gente de cima a baixo e foi embora. Não teve capacidade de limpar a mesa que estávamos sentadas. Tinha xícara, tinha copo sujo", relata a comerciante.
Após o não atendimento, as vítimas se dirigiram novamente ao gabinete do deputado estadual Coronel Telhada para falar sobre o ocorrido com o assessor parlamentar que havia pago o almoço. Ele se dirigiu novamente ao estabelecimento juntamente com as mulheres e falou com o gerente. Os almoços embalados e entregues para as outras clientes foram entregues para a mãe e a filha.
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Denúncia realizada
Após o ocorrido, a comerciante e a operadora de telemarketing foram até o SOS Racismo, serviço instalado na Alesp, para fazer a denúncia do acontecido e também foram orientadas a efetuar o boletim de ocorrência na Assessoria da Polícia Civil da Casa Legislativa, acompanhadas do assessor parlamentar como testemunha.
De acordo com o relato, transcrito no boletim de ocorrência efetuado no mesmo dia, o gerente do Fran's Café, indagado pelo assessor parlamentar, disse que o ocorrido foi um equívoco. O atendente, também indagado, em primeiro momento ficou em silêncio, mas depois disse também ter se equivocado.
O boletim de ocorrência foi aberto com a indicação de crime de racismo (Lei 7.716/89), que regulamenta a punição de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, com base no artigo 5° que prevê como racismo a recusa ou impedimento de acesso à estabelecimento comercial. O documento foi encaminhado ao Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), divisão da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).
"O crime de racismo é imprescritível e incondicionado, ou seja, não precisa de representação da vítima. O caso irá para o Ministério Público, que será o titular da ação criminal. A declaração das vítimas é suficiente, aceita sem conteste, haja vista que tem testemunha", explica a advogada Leila Rachid, que defende as mulheres na área cível na ação de reparação de danos.
O caso também foi levado para a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais da Alesp e entregue para a deputada Erica Malunguinho (PSOL) e o deputado Emidio de Souza (PT). Além disso, a demanda foi levada para a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB), responsável pela Ouvidoria do Parlamento, para outros gabinetes e para lideranças de partidos políticos.
Na última segunda-feira (4), a deputada Erica Malunguinho também entregou um ofício à Alesp e ao presidente da Casa, deputado Carlão Pignatari (PSDB), requerendo informações a respeito das providências que serão tomadas sobre a investigação e responsabilização do estabelecimento envolvido. A instalação do Fran's Café na Alesp foi possibilitada após a empresa privada ter vencido um processo de licitação para ocupar o espaço.
"O caso que envolve essas duas mulheres negras é parte da maneira que a Alesp se constitui enquanto instituição. Pessoas negras não podem comer ou tomar café em uma lanchonete da Assembleia Legislativa de São Paulo? É inadmissível. Racismo é crime! É preciso responsabilizar os estabelecimentos que tratam pessoas negras de maneira desigual", também publicou a deputada Malunguinho em rede social.
"Não é só o Fran's Café que errou. O Fran's Café errou, mas ele está dentro da Assembleia. Isso não pode acontecer mais. No dia que vim fazer o BO, eu fiquei muito triste, porque a minha filha disse pra mim que ela não vai querer ter um filho preto para não passar o que ela passou. É muito duro. O que Fran's Café e a Assembleia me deram foi uma ferida enorme na minha filha", complementa a comerciante.
Posicionamento
Em nota, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo informa que, por se tratar de denúncia de crime, foi registrado um boletim de ocorrência e que o caso está sob apuração da Polícia Civil.
"A Alesp considera inadmissível registros de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e já acionou a empresa, concessionária do espaço, para as devidas providências", pontuam.
A Casa também informou colaborar com as investigações e que, após a sua conclusão pelas autoridades policiais, poderá tomar eventuais medidas administrativas.
A Alma Preta Jornalismo também entrou em contato com a rede de cafeterias Fran's Café com pedidos de posicionamento e sobre as providências que estão sendo tomadas. Segue abaixo a nota, na íntegra, divulgada pelo estabelecimento.
"Sobre ocorrido no último dia 14 de junho, na unidade do Fran´s Café da Alesp, a rede, após ler atentamente a reportagem e pedir informações detalhadas ao franqueado e aos funcionários envolvidos, faz questão de esclarecer os fatos.
A falha de atendimento realmente ocorreu, mas apenas e exclusivamente em função de, na data em questão, a cidade enfrentar uma greve geral de ônibus, o que fez com que a loja trabalhasse com o um grande movimento, mas com o atendimento profundamente afetado, com mais de 50% da equipe ausente.
Assim como a falha de atendimento relatada, que, repetimos, de fato ocorreu, outras tantas também aconteceram, mas apenas e tão somente causados pela falta da equipe completa, JAMAIS por qualquer outro motivo, conforme relatado no momento pelo gerente da casa, sr. Marcelo.
Foram pedidas inúmeras desculpas a diversos clientes, inclusive à reclamante em questão, que optou, dentro de seu direito, por não as aceitar.
A rede Fran´s Café completa 50 anos de atividades em 2022 e, nessas cinco décadas, uma de nossas principais características é manter ambientes democráticos e inclusivos, em qualquer uma de nossas unidades. Jamais compactuamos ou compactuaremos com comportamentos preconceituosos por parte de nossos franqueados ou colaboradores, sejam eles quais forem.
Por fim, reforçamos que estaremos atentos ao desenrolar dos fatos relatados e que reforçaremos, sempre, a importância do respeito no atendimento a TODOS os nossos clientes, como sempre aconteceu."
*Texto atualizado em 8 de julho de 2022: foi incluído o posicionamento da rede Fran's Café
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