Glória Maria foi referência para gerações de mulheres negras jornalistas
A repórter e apresentadora faleceu nesta quinta-feira (2), no Rio de Janeiro; ela lutava contra as complicações de um tumor cerebral
Glória Maria foi a maior referência que eu tive para acreditar que eu também poderia ser jornalista. Diante de tantas pessoas que atravessaram a minha jornada e buscaram me desanimar ou me desencorajar, ligar a televisão e ver a Glória Maria carimbando seu passaporte com mais um visto para uma nova aventura era inspiração de que sonhar é permitido.
Mulher negra jornalista. Ela foi pioneira em muitos momentos. Iniciando seus trabalhos como jornalista no início dos anos 70, ela foi a primeira repórter negra a se destacar na TV. Foi histórica em 1977, ao ser a primeira repórter a entrar, ao vivo, na primeira matéria com imagem colorida do Jornal Nacional. Nesse dia, inclusive, precisou lidar com o sufoco dos imprevistos e teve que ficar de joelhos para gravar a passagem com o farol de um carro apontando para seu rosto depois de uma lâmpada queimar.
"Eu estava dura, rígida, porque não podia errar. Era a primeira entrada ao vivo. Faltavam cinco, dez minutos, era o técnico que ficava com o fone para me dar o 'vai'. Quando a lâmpada queimou, faltava um minuto para a entrada ao vivo. O jeito foi acender a luz do Veraneio (carro usado pela emissora nas reportagens)", contou em matéria da Globo sobre a situação.
Glória Maria foi corajosa em muitos momentos. Desafiava a si mesma ao entrevistar grandes ícones mundiais e personalidades, como Michael Jackson, Elton John, Mick Jagger, Madonna, Freddie Mercury, e pessoas do cotidiano dos lugares em que ela visitava, sempre com a mesma doçura e acolhimento.
"Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se eu parar pra pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a racionalidade pra ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço qualquer coisa", disse Glória em uma ocasião.
Ela tornava o impensável em algo tangível e possível. Eu conseguia acreditar que o jornalismo era interessante, instigante e que poderia ser possível para mim quando a Glória Maria aceitava experienciar na prática culturas completamente diferentes do Brasil nos mais de 100 países que ela mostrou em suas reportagens ou quando ela aceitava pular do mais alto bungee-jump do mundo em Macau, com 233 metros de altura.
Carioca, filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta. Cria de colégios públicos que chegou a conciliar os estudos na faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) com o emprego de telefonista da Embratel. Ela teve mais de 50 anos de jornalismo na TV Globo, com passagens por diversos programas como Globo Repórter e Fantástico.
Glória foi gigante em contar histórias e em tornar coberturas históricas eternas com sua narração e entrevistas mesmo em meio às dificuldades e imprevistos da profissão. Ela abriu portas, inspirou caminhos e mostrou que a mulher negra pode ser jornalista, viajante, referência e bem sucedida naquilo que escolher viver. E é por tudo que ela representou e representa para mim e para tantas que eu agradeço sua existência e inspiração.
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