Grupo musical prova que surdo também pode "tocar de ouvido"
Banda Surdodum percorre o Brasil com integrantes deficientes auditivos, letrista cadeirante e vocalista que canta com a voz e em Libras
"Surda alma que não ouve, será que também é muda?", diz uma das letras da Banda Surdodum, conjunto musical formado em Brasília (DF) em 1994 e que percorre o Brasil com sua arte que emana representatividade e clama por inclusão. Dos 14 participantes, sete são surdos. A deficiência auditiva dos integrantes é o diferencial do grupo, que conta ainda com um letrista cadeirante, que também é músico, uma vocalista que interpreta as canções oralmente e em Libras.
A Banda Surdodum surgiu a partir de uma iniciativa da então professora Ana Lúcia da Silveira Soares, hoje coordenadora do grupo, ao ser convidada para organizar alguma atividade com um grupo de surdos do colégio CEAL, onde trabalhava. Ela teve a ideia de montar uma apresentação musical, algo que causou surpresa por conta da questão da audição. "No entanto, apresentar o universo percussivo aos surdos não foi uma grande dificuldade na prática. Na verdade, nesses anos todos percebi que eles aprendem até mais rápido do que os ouvintes", explica Ana Lúcia, reforçando que trata-se de um outro jeito de "aprender a tocar de ouvido".
Em seus quase 30 anos de trajetória, a Banda Surdodum já teve diversas formações - sempre com componentes com deficiência auditiva. O aprendizado da música começa pelo surdo, instrumento que emite som grave e permite as noções iniciais do que é ritmo. A percepção do som ocorre através da vibração da via óssea e da própria vibração sonora. Exercícios corporais também fazem parte do aprendizado.
Além do surdo, outro instrumento de som grave adotado pelos músicos é o timbal, uma espécie de tambor africano. "Instrumentos percussivos tocados com a mão como caixa, repique e tarol são mais desafiadores por emitirem frequências agudas, com uma vibração diferente, mas com treino é possível identificar o som e ter um resultado harmonioso", conta Ana Lúcia.
As apresentações, cujo repertório mescla releituras da MPB e composições próprias, costumam surpreender o público pela qualidade. E quem tem a sorte de ver, em vez de bater palmas costuma aplaudir o grupo com as mãos levantadas para cima e acenando, conforme a Língua Brasileira de Sinais. Você pode conferir um trecho aqui.
Com diversos prêmios na bagagem e participações em vários programas de TV, a Surdodum também tem no currículo apresentações marcantes como a feita durante a posse do presidente Lula em 2006.
Hoje, além de cumprir a agenda de shows e formar novos integrantes em oficinas na sede, em Brasília (DF), Ana Lúcia cuida de dois projetos que devem ser colocados em prática no ano que vem. O primeiro é a conclusão de um DVD com cantigas de roda em Libras. "A meta agora é trabalhar a formação musical de surdos a partir da primeira infância", comenta.
O segundo projeto é a criação de um festival com outros campos artísticos além da música, como literatura e teatro. "Acredito na inclusão dos artistas com deficiência, na superação de limites e, principalmente, na promoção do protagonismo surdo", sentencia Ana Lúcia.