Homem é amarrado com cordas e carregado por policiais em SP; agentes são afastados. Veja vídeo
Homem negro apontado como suspeito de furto é visto em imagens sendo carregado com mãos e pés amarrados. PM diz que a conduta dos policiais é 'incompatível com o treinamento e valores da instituição'
Um homem negro suspeito de furtar chocolates em um supermercado teve os pés e mãos amarrados com uma corda por policiais militares, na madrugada de segunda-feira, 5, na Vila Mariana, no centro-sul de São Paulo. Imagens de um vídeo publicado em redes sociais mostram o homem gritando enquanto era carregado por dois policiais no interior de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). As imagens causaram repercussão e a Polícia Militar afastou os envolvidos do trabalho operacional.
Um vídeo, divulgado pelo padre Júlio Lancelotti em seu perfil no Instagram, mostra quando os policiais seguram o morador de rua pela camisa e pela corda que amarra seus pés e suas mãos juntos e o levam dependurado para o interior da UPA. Em seguida, eles o jogam em uma maca.
Por fim, enquanto o suspeito grita e pede calma, dizendo que está "colaborando", os PMs o enfiam na traseira de uma viatura. É possível ver no vídeo que são ao menos quatro policiais, entre eles uma PM feminina, em duas viaturas. A policial orienta os colegas e avisa o homem. "Você vem nessa viatura aqui", diz. No vídeo, é possível identificar as placas das viaturas.
Além do padre Júlio Lancellotti, conhecido pelo seu trabalho social com moradores de rua na capital, o sociólogo Paulo Escobar também postou o vídeo. "A pobrefobia institucional", disse Escobar em sua página.
Ao Estadão, o padre Júlio disse que o episódio é triste e lamentável. "A cena que nós vimos deixa claro que a escravização no Brasil não acabou e que a Polícia Militar e a Guarda Metropolitana continuam sendo os capitães do mato e continuam escravizando os pobres", disse.
Conforme o registro feito pelos policiais na Polícia Civil, três homens teriam entrado na loja de uma rede de supermercados, na zona sul da capital, e furtado produtos alimentícios e bebidas, avaliados em aproximadamente R$ 500.
A gerência do estabelecimento acionou a PM e os policiais encontraram próximo do local o homem negro, de 32 anos, com duas caixas de chocolate. Segundo os policiais, ele teria confessado o furto, na companhia de outro homem e de um menor de idade.
Ainda segundo a versão dos PM, o suspeito teria ameaçado "pegar a arma deles" e dar tiros. Como o homem teria se negado a se sentar para ser revistado, segundo o registro, foi "necessário o uso da força para algemá-lo".
Outros policiais patrulharam a região e detiveram os outros dois suspeitos do furto - um homem de 38 anos e um menor de 15 anos. Eles foram identificados pelas roupas e teriam confessado o furto.
Os dois também foram levados para a UPA da Vila Mariana. Os dois adultos vão responder por furto qualificado e corrupção de menores, devido à presença do menor de 15 anos. O homem que foi amarrado responderá também por ameaça e resistência à prisão.
O ouvidor das Polícias de São Paulo, Claudio Silva, disse que as cenas remetem à tortura e racismo. "Esse caso nos remete aos idos anteriores a 1888 (abolição da escravatura). As cenas mostradas nos vídeos são contundentes contra a ação dos policiais." Segundo ele, a Ouvidoria abriu apuração própria e pediu à PM as imagens das câmeras corporais dos agentes e à Polícia Civil as imagens de câmeras do entorno.
"Essa postura dos policiais enseja para nós um diálogo com a PM e a Secretaria de Segurança Pública e com a comunidade para discutir esse modelo de abordagem", afirmou.
Em nota, a PM informou que os policiais envolvidos no caso foram afastados das atividades operacionais e que um inquérito já foi aberto para apurar a conduta dos agentes de segurança. Segundo a corporação, a conduta dos agentes é incompatível com o treinamento e valores da instituição, uma vez que as imagens mostram que eles agiram "em desacordo com os procedimentos operacionais padrão da instituição".
A reportagem pediu um posicionamento à Prefeitura de São Paulo, devido à ação ter se dado em uma UPA, e à Secretaria de Segurança Pública (SSP) sobre a ocorrência, e ainda aguarda os retornos.