Homo e transfobia já superam denúncias de racismo no Disque 100
Do total de denúncias recebidas pelo serviço, 39% estavam relacionadas à identidade de gênero ou orientação sexual entre 2012 e 2019
“Em todo tempo que trabalhei lá, minha vida foi um inferno. Eu sempre ouvia piada dos colegas, mas o que acabava comigo eram as piadas da minha chefe na época, porque ela validava toda a discriminação que eu sofria do resto da equipe. Eu não tinha para quem reclamar”, contou *Roberto, de 29 anos, que trabalhou por quatro anos em um supermercado na região Metropolitana de São Paulo.
Todos os dias ele ouvia piadas sobre o seu jeito de ser, de se vestir ou de falar. “A gota d’água foi quando uma cliente foi pedir informação pra minha gerente e ela disse pra moça ‘fala com aquele rapaz, com jeito de mulherzinha, que ele te ajuda’. Chorei muito nesse dia e decidi que não ia deixar passar. Sai do trabalho e fui direto consultar um advogado.Como nunca consegui um flagrante, foi um pouco mais trabalhoso denunciar, mas achei importante”. Roberto não trabalha mais no local e o processo está em andamento na justiça.
Segundo dados do Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidade do Trabalho, 39% das denúncias recebidas pelo Disque 100 estavam relacionadas com questões de identidade de gênero ou homofobia. Os dados são de 2012 a 2019. São Paulo é o estado com o maior número de denúncias. Acre, Rondônia e Tocantins são os estados com menos denúncias deste tipo. Em 2019, foram feitas 746 queixas sobre homofobia ou transfobia pelo serviço. Apesar do volume, foi o menor índice de denúncias dos últimos sete anos.
O Disque Direitos Humanos (Disque 100) é um serviço de disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos, atendendo graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes e possibilitando o flagrante.
Thiago Batalha, de Mogi das Cruzes, também foi alvo de homofobia no ambiente de trabalho. O crime aconteceu neste ano. “ Eu e uma colega de departamento fizemos um vídeo para convidar os demais colegas para minha festa de aniversário. Um dos funcionários fez um print e divulgou em outro grupo fazendo comentários homofóbicos e misóginos. Até hoje eu não entendi o que aconteceu, porque tínhamos uma boa relação. Foi um ataque totalmente gratuito”, contou. Thiago registrou boletim de ocorrência e entrou com um processo que tramita em segredo de justiça.
Esta, no entanto, não foi a primeira vez que ele foi hostilizado. Ao usar o banheiro de um shopping, ele foi agredido por um outro homem. “Eu estava com uma camiseta com a bandeira LGBT e fui usar o banheiro. Um outro homem entrou e começou a falar que eu estava dando em cima dele, me agrediu com dois socos nas costas. O pior é que chamei os seguranças do shopping e eles desconfiaram de mim. É muito ruim ter medo de não voltar para a casa, saber que você pode ser agredido a qualquer momento, sem nenhum motivo” argumentou.
Desde 2019, homofobia é considerado crime no Brasil. Na época, o Supremo Tribunal Federal decidiu que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais passam a ser enquadrados no crime de racismo. A pena varia de 1 a 3 anos de prisão, podendo chegar a cinco anos se houver divulgação do ato homofóbico em meios de comunicação, como redes sociais, por exemplo. Uma das formas de denúnciar, é utilizando o Disque 100.
Qualquer pessoa pode reportar alguma notícia de fato relacionada a violações de direitos humanos, da qual seja vítima ou tenha conhecimento. Por meio desse serviço, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MFDH) recebe, analisa e encaminha aos órgãos de proteção e responsabilização as denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência (PCD), população LGBTQI+, população em situação de rua, entre outros. O serviço funciona diariamente, 24 horas, por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100.