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Hormonioterapia e falta de acesso ao dentista: desafios da saúde bucal de pessoas trans

Pesquisador investiga o que provoca e os impactos dos problemas bucais em pessoas da comunidade LGBTQIA+

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Kauanny Vieira, 34 anos, só conseguiu iniciar seu tratamento odontológico 12 anos depois de começar o processo de transição de gênero, com hormonioterapia
Kauanny Vieira, 34 anos, só conseguiu iniciar seu tratamento odontológico 12 anos depois de começar o processo de transição de gênero, com hormonioterapia
Foto: Kauanny Vieira/ Arquivo Pessoal

Sorrir livremente é o sonho de Kauanny Vieira, 34 anos, moradora de Grajaú, na zona Sul de São Paulo. Isso porque ela só conseguiu iniciar o tratamento odontológico 12 anos depois de iniciar seu processo de transição de gênero, cujo uso de hormônio, sem prescrição médica,  pode prejudicar a saúde bucal. A falta de acesso à assistência gratuita, a ausência de protocolos específicos para o acompanhamento de pacientes transgênero, além de outros fatores sociais são as principais causas da falta de saúde bucal da população LGBTQIA+, segundo especialistas. 

“O sorriso é a primeira coisa que as pessoas vêem e mostra quem somos”, disse a paciente que há alguns anos procurou atendimento com um dentista pelo Sistema Único de Saúde, mas desistiu do tratamento depois de passar por situações de preconceito, uma realidade para muitas mulheres transsexuais e travestis, que acabam ficando sem acompanhamento médico preventivo gratuito. Com o processo de transição de gênero avançado, cuidar da saúde bucal se tornou uma emergência para "além da questão estética", como descreve. Atualmente o tratamento odontológico é feito em clínica particular, mas o processo é sempre interrompido pela falta de recursos financeiros. “Lá eu pago tudo certinho, e como eu pago eles me tratam bem, diferente do público, onde já ouvi piadinhas", contou. 

O estudo ˜Gastos privados com saúde bucal no Brasil: análise dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares˜, publicado em 2009, mostrou que na época, o brasileiro gastava em média R$ 42,19 (percapita por ano) em saúde bucal. Atualmente Kauanny paga R$120,00 reais mensais em seu tratamento.

Transodonto

Segundo o professor e especialista em Saúde Coletiva e Mestre em Clínica Odontológica pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Luiz Eduardo de Almeida, de 44 anos, enquanto que para pessoas cisgêneras ( que se identificam com o gênero atribuído socialmente ao nascer), o dentista pode ser sinônimo de exames desconfortáveis e dolorosos, para pessoas trans e travestis, ir ao especialista é um desafio que começa antes mesmo da chegada ao consultório. “Ir ao dentista é a ponta da situação, primeiro essa pessoa [trans], precisa se preparar para sair de casa, enfrentar o porteiro, se expor na rua, entrar no transporte público, para então chegar ao dentista e talvez também enfrentar preconceito no atendimento”, ressalta. Em seu doutorado na área de Saúde Coletiva, o especialista desenvolve a pesquisa  "O Impacto da Saúde Bucal na Qualidade de Vida da População LGBTQIA+", disponível até junho deste ano que investiga alterações na saúde bucal de pessoas da comunidade LGBTQIA+ e o impacto na vivência social causado por esses problemas.  O conteúdo pode ser acompanhado nas redes sociais (@saude.bucal.lgbtqia). 

Ainda de acordo com o especialista, no Brasil existem poucas pesquisas sobre o tema, mas é possível afirmar que o uso de drogas lícitas ou ilícitas, experiências traumáticas, ISTs e DSTs, além do uso não receitado de hormônios, além da ausência de acompanhamento médico, estão entre os motivos que mais afetam a saúde bucal de pessoas trans e travestis. 

"Os hormônios usados por mulheres travestis e transexuais, como o estrogênio ou a progesterona, causam um aumento na circulação do sangue, causando possíveis inflamações na gengiva, que avançam para casos de gengivite, por exemplo. Para homens trans e trasmusculinas o uso dos hormônios também podem causar sensibilidade na gengiva e prejudicar a estrutura óssea da boca", explicou o especialista. 

Valor da boca

O especialista explica que a boca tem um aspecto bio social, que deve ser considerado. "Não é só um órgão que serve para a comunicação e alimentação. Ela carrega subjetividade e também a história de cada um. É pela boca que  as pessoas amam no  beijo. A boca é também um órgão sexual. Por isso, os dentistas precisam, durante o atendimento, olhar as questões sociais e as barreiras que aquela pessoa quebrou para chegar ao consultório, e não estigmatizar pacientes trans relacionando o corpo delas aos problemas de saúde que carregam. 

Protocolos de atendimento

A Prefeitura de São Paulo lançou em 2020 o Protocolo de atendimento a pessoas transexuais e travestis no município, com um capítulo exclusivo para saúde bucal onde é possível encontrar informações que auxiliam e incentivam o tratamento humanizado para a população trans e travestis. 

Fonte: Redação Nós
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