"Inclusão só acontece se você conviver com as pessoas"
No Dia do Deficiente Físico, a Top Voice do LinkedIn Daniele Avelino conta como encontrou na sua carreira um propósito de vida
Daniele Avelino é especialista em recrutamento, seleção, diversidade e inclusão. Começou a carreira como auxiliar administrativa e logo enveredou para a área de Tecnologia da Informação, onde atuou por quase 15 anos até que em 2018, aos 36 anos, encontrou sua atual paixão.
"Eu estava migrando para o marketing, mas durante os estudos descobri a inclusão e por uma questão de empoderamento e propósito decidi trabalhar com isso", relata ela, que tem deficiência auditiva severa. "Meu objetivo hoje é construir um legado, empoderar pessoas sejam elas com deficiência, mulheres, negras, LGBT+, enfim, todas as diversidades", contou ela em entrevista para o Terra NÓS.
O encontro com esse propósito, porém, não veio nos estudos mas em um desafio que compartilhou com o mundo todo: a pandemia do Covid-19. "Eu me perguntava 'o que você está fazendo aqui? 'O que você está fazendo para construir um legado?'". A resposta veio em um mergulho no entendimento do seu papel e posição dentro do lugar que ocupa no mercado corporativo.
Paulistana nascida e criada na Zona Norte de São Paulo, Daniele teve uma "descoberta tardia" da sua perda auditiva, aos 4 anos de idade, e com os estímulos dos pais passou a usar o aparelho auditivo e também a oralizar. "É importante reconhecer que ocupo um lugar de privilégio hoje graças a esse cenário onde eu fui criada. Se uma empresa tem dois bons currículos de pessoas com deficiência auditiva severa e uma se comunica exclusivamente em Libras, a organização tende a selecionar quem oraliza", explica, reconhecendo que ainda tem muito trabalho pela frente.
"Nos últimos anos o debate sobre diversidade se ampliou significativamente dentro das empresas e já tivemos muitos avanços, mas ainda é preciso ficar atento e cobrar preparo das organizações", relata, explicando que para que haja efetivamente inclusão e acessibilidade é preciso mudar a cultura da empresa. "Temos que preparar as áreas, sensibilizar equipes e gestores para que possamos ter espaço para que pessoas com deficiência estejam no mercado de trabalho atuando", aponta, reforçando: "Inclusão só acontece se você conviver com as pessoas, independentemente de qual diversidade seja".
Desafios e oportunidades de todos os lados
Segundo o IBGE, na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, publicada em agosto deste ano, 68% das pessoas com deficiência no país não têm instrução formal ou ensino fundamental completo. A porcentagem de pessoas com deficiência com mais de 18 anos com ensino superior é de 5%, ante 17% das pessoas sem nenhuma deficiência investigada.
Essa informação citada também por Daniele mostra como o tema da inclusão, tratado muitas vezes como mera falta de oportunidades, é muito mais complexo. "Precisamos entender primeiro o contexto familiar. É muito comum que pessoas com deficiência sejam super protegidas, em uma visão até um pouco capacitista, por medo de que a gente sofra preconceito. Depois temos os espaços de educação e o próprio mercado de trabalho, que não criam espaços onde possamos estar e principalmente crescer e mostrar todo nosso potencial", explica.
Além disso, ela reforça a importância da lei de cotas, promulgada em 1991 e modificada ao longo das décadas para se tornar efetiva. "Sempre gosto de perguntar, 'se não existisse lei de cotas seríamos contratados?'. Eu acredito que não, e a pandemia deixou isso claro quando as pessoas com deficiência foram as primeiras a serem demitidas", revela citando os dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) que apontou que mais de 10 mil pessoas com deficiência foram demitidas sem justa causa em 2020.
Na análise de Daniele, a lei só se tornou efetiva em meados dos anos 2000, por conta das fiscalizações. Mas ela ressalva: "Eu acredito na cota e apoio, mas não gosto de vagas exclusivas. A cota pode garantir oportunidade no mercado de trabalho, mas quem garante a carreira é a gente, sempre com o apoio da organização, que deve estar preparada para ser acessível e inclusiva", aponta.
Afinal, tudo nasce do esforço coletivo – e é disso que cada um de nós precisa para que, como ela gosta de dizer, "as jornadas sejam bem sucedidas".