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Influenciadoras muçulmanas combatem preconceitos e intolerância religiosa ao falar sobre islamismo na web

Hyatt Omar e Mariam Chami são brasileiras e islâmicas. Nas redes, tiram curiosidades sobre sua religião e cultura

21 jan 2025 - 05h00
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Mariam Chami e Hyatt Omar (da esquerda para a direita) falam sobre seus costumes nas redes sociais
Mariam Chami e Hyatt Omar (da esquerda para a direita) falam sobre seus costumes nas redes sociais
Foto: Montagem/Arquivo pessoal

“A melhor maneira de combater a intolerância religiosa é com educação”. Desta maneira a influenciadora muçulmana, Hyatt Omar, de 26 anos, responde ao ser questionada sobre como combater a intolerância acerca de sua religião. Ela e Mariam Chami, de 32, são conhecidas nas redes sociais por mostrar os costumes do islamismo, suas rotinas e falar abertamente sobre a cultura árabe. Essa é uma das formas que elas encontraram de desmistificar e trazer conhecimento.

Talvez você esteja perdido nos termos, mas vamos explicar: muçulmanos e islâmicos são aqueles que seguem o Islã, uma religião monoteísta, e que, portanto, acredita em um Deus único. Outro ponto que é preciso dizer: as pessoas confundem a cultura árabe, que é um conjunto etnolinguístico nativo do Oriente Médio e da África setentrional, originário da península Arábica, com a religião muçulmana. No entanto, nem todo árabe segue o islamismo.

Possivelmente você também nunca tenha parado, mesmo que por cinco minutos, para pesquisar a respeito da cultura e religião. Na web, é possível encontrar o assunto relacionado por todo o canto, seja em sites, ou até mesmo nas plataformas que tomam, por vezes, nosso tempo livre, como o TikTok ou Instagram, em que você pode encontrar o conteúdo das influencers.

Inclusive, estudar faz parte dos preceitos do islamismo. “A primeira palavra revelada no Alcorão foi Iqra, que quer dizer ‘leia’. Então, se tu estudar, se tu parar, se tu colocar os teus pré-julgamentos, os teus preconceitos de lado, tu vai ver que tem um mundo afora que não conhece”, explica Hyatt.

O preconceito acerca da religião no Brasil

Os conflitos entre Israel e o povo palestino já dura décadas, mas trouxe os holofotes novamente para esse assunto desde a volta da guerra na Faixa de Gaza, em outubro de 2023, após o Hamas lançar um ataque e matar cerca de 1,2 mil pessoas, o que desencadeou uma ofensiva militar israelense massiva. Ao todo, mais de 46 mil pessoas morreram em 15 meses. O conflito reacendeu uma onda de intolerância contra muçulmanos.

Cessa-fogo em Gaza
Cessa-fogo em Gaza
Foto: Getty Images

É como se colocassem todos os islâmicos e o Oriente Médio em um só bolo e todos concordassem com a violência e morte de inocentes, como se fossem pessoas agressivas e a favor da opressão apenas por causa da identidade religiosa.

Nas redes, é possível encontrar vez ou outra, ou quase sempre, comentários ofensivos contra islâmicos, isso sem contar os ataques que ocorrem em mesquitas. Em maio do ano passado, por exemplo, um homem invadiu a Mesquita Abu Baker Assadik, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e durante o sermão religioso proferiu palavras ofensivas e islamofóbicas, afirmando estar ali para “expulsar os demônios”, de acordo com a TV São Bernardo.

O Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos (Gracias), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, traz o seguinte apontamento no primeiro Relatório de Islamofobia no Brasil, com coordenação da professora Francirosy Campos Barbosa:

“É inegável que o pós-11 de setembro [quando ocorreu o atentado às Torres Gêmeas nos Estados Unidos] contribuiu substancialmente para o modo como o mundo olha para os muçulmanos, como se estes fossem inimigos do Ocidente e incapazes de se inserirem em outras sociedades que não fossem as de expressão islâmica.”

O estudo foi feito entre fevereiro e maio de 2021, com 653 pessoas, sendo 68% homens e 32% mulheres, e aponta que a rua é lugar com maior incidência à violência com relação às muçulmanas, correspondendo a 72% dos casos relatados; seguida do trabalho, com 39%; universidade, 31,8%; e casa, 29%. A violência verbal tem destaque de 92,2%, seguida por moral, com 45,5%, e física, 10,5%.

Alcorão é o livro sagrado do Islã
Alcorão é o livro sagrado do Islã
Foto: GettyImages/AmoHilmi

Para os homens, a violência em espaços públicos também é maior, correspondendo a 54,5% das respostas, muitas vezes devido à roupa que usam. Em seguida, vem do ambiente de trabalho, com 46,4%; universidade, 42,7%; e em casa, 26,4%. Essas violências são em sua maioria verbal, 82%, e moral, 48,6%.

Preconceito reina

Mariam brinca que é 50% árabe e 50% brasileira, pois é filha de mãe mineira convertida e pai libanês. “Sou brasileira, só que também tenho sangue árabe correndo nas minhas veias. Aqui no Brasil, eu sou árabe. Para os árabes, eu sou brasileira”, conta.

Nascida em São Paulo e formada em nutrição, ela começou na internet em 2011, com um blog chamado As Habibas, em parceria com sua irmã --que também é muçulmana-- e duas amigas de faculdade. Nele, o quarteto falava sobre religião, receita, moda e maquiagem. Já nessa época, debatiam o preconceito que rondava por causa de suas crenças.

“Vim falar aqui, para mostrar a vocês que o Brasil não é um País tão ‘cabeça-aberta’ e liberal como todos pensam, o PRECONCEITO REINA em tudo que é diferente ou que saia da própria zona de conforto”, diz ela em um post de junho de 2012. Na ocasião, ela falava de uma situação que passou ao tentar um emprego no mesmo hospital onde estagiou durante a graduação.

Inclusive, durante a entrevista, ela relata o caso. A influenciadora fez uma entrevista para o cargo de nutricionista, na qual a recrutadora ficou perguntando coisas sobre seu hijab, lenço que cobre os cabelos e o pescoço, um dos símbolos mais conhecidos do islamismo, que demonstra a sua devoção a Deus, obediência à recomendação feita no Alcorão, o livro sagrado do Islã.

Mariam Chami usa as redes sociais para desmistificar crença muçulmana
Mariam Chami usa as redes sociais para desmistificar crença muçulmana
Foto: Arquivo pessoal

“Eu nunca consegui trabalhar na minha área por causa do uso do hijab. E me falaram na minha cara. E não foi uma, foram duas. Até que fiquei desgostosa da área. Eu deixei de fazer o que eu amava, de atuar na minha área, porque não me permitiam trabalhar”, aponta.

Após passar pela seleção da vaga, soube que a taxaram como “séria demais”. Na época, ela até brincou que adotaria uma postura mais extrovertida para ver se quebrava a impressão. “Comecei a ser palhaça na internet e deu certo”, explica. Enquanto a internet pode ser uma ferramenta de opressão para muitas pessoas, Mariam encontrou um espaço de acolhimento, em que conseguiu ter voz. “Enquanto há uns anos, as portas se fecharam para mim por eu ser muçulmana, hoje em dia, as portas se abrem por eu ser muçulmana também”, relata.

Mas ela sabe que não é assim com todas as mulheres muçulmanas. Então, busca sempre trazer esse mesmo acolhimento que recebeu para outras mulheres, até mesmo as que não são islâmicas, pois mesmo essas, encontram alguma identificação.

“Afinal de contas, somos mulheres, cada uma tem uma particularidade, mas a gente tem sempre, no fundo, no fundo, os mesmos objetivos de ter espaço, voz, de conquistar coisas. E as mulheres que não são muçulmanas se sentem também inspiradas ou se identificam comigo porque se, uma mulher muçulmana que tem tantos percalços, tantas coisas e conseguiu ter um espaço, qualquer pessoa consegue”, reforça.

Já Hyatt sente mais o preconceito quando está na rua, acompanhada da mãe ou tias, que usam o hijab, diferente dela, que ainda não se sente preparada. “Na rua, por não usar o hijab, não sou um alvo tão óbvio”. No entanto, na web sofreu até ameaças de morte, principalmente, por questões políticas relacionadas à Palestina, como a religião.

Hyatt Omar é brasileira e filhos de palestinos
Hyatt Omar é brasileira e filhos de palestinos
Foto: Divulgação

“Várias vezes eu ia explicar alguma coisa da minha religião e vinham pessoas tacar hate [em português, ódio] falando: ‘Nossa, mas tu tá defendendo o machismo, tu é uma mulher machista, tu é burra, tu é estúpida’”, exemplifica.

A psicóloga é filha de pais palestinos, mas nasceu no Brasil e estudou a vida toda em escola cristã, começou seu trabalho na internet enquanto estava morando no Canadá. Ela gravava vídeos para mandar para as amigas, que a incentivaram a fazer um canal no Youtube. Com o tempo, passou a compartilhar coisas sobre sua cultura, o que trouxe curiosidade para o público. Antes disso, ela já era ativista e participava de passeatas em prol de seu povo.

Quando começou a ganhar visibilidade nas plataformas digitais, percebeu que na internet nada é suficiente. As pessoas sempre vão discordar. E foi por meio das redes que viu o quanto a intolerância religiosa no Brasil é grande. “As pessoas acabam sendo ignorantes, mas também muitas escolhem continuar na ignorância. E esse é o erro”, salienta.

Ela cita os diários de Ramadã --nome dado ao 9º mês do calendário islâmico, sagrado para os muçulmanos, pois é o mês em que Deus revelou o Alcorão à eles. Nesse período, conforme o livro sagrado, recomenda que os fiéis deixem de comer, beber e ter relações sexuais durante o dia, desde o nascer até o pôr do sol--, em que mostra sua rotina. 

“É o mês mais sagrado para nós, no qual a gente faz o jejum, o sacrifício, vários ensinamentos. Tem várias pessoas que acham muito legal e tem pessoas que mandam mensagens falando: ‘Nossa, mas tu está incentivando as pessoas a ficarem desnutridas. Tu tá querendo passar pras pessoas que é bom ficar sem tomar água’”, afirma.

Muçulmanos fazem cinco rezas por dia, conforme manda o Alcorão
Muçulmanos fazem cinco rezas por dia, conforme manda o Alcorão
Foto: Kriangkrai Thitimakorn/GettyImages

Em muitas vezes, ela pega na “mão” da pessoa e explica como funciona, e em outras, é um pouco irônica, pois perde a paciência.

Islamismo oprime as mulheres?

De acordo com o primeiro Relatório de Islamofobia no Brasil, o formulário trazia espaço para que os entrevistados expusessem comentários que já haviam feito acerca da religião: “Sua esposa não se converteu porque é difícil para mulheres, né?”, “seu Deus não gosta de mulheres né?”, “não entendo nada da sua religião, mas eu sou uma pessoa muito crítica e jamais aceitaria a forma como sua religião trata as mulheres”.

Na internet, não é difícil que se encontrem comentários parecidos com esses. Mas, afinal, o islamismo oprime as mulheres? O estudo aponta que não, e traz o olhar sobre o machismo estrutural que há em todas as sociedades, e independem de religião.

“[Esses comentários demonstram o] desconhecimento e distorção de como a religião trata as mulheres, projetando estereótipos sobre os modos de ser islâmico e deslegitimando as leituras e proposições de muçulmanas e muçulmanos sobre a sua própria fé que não se adequam a essas projeções. É interessante observar que quando se trata de violência de gênero, as interpretações estão sempre atreladas à religião e não necessariamente ao machismo estrutural, ao patriarcado que há em todas as sociedades, independentemente de religião, da cultura etc., levando a uma identificação imediata entre Islam e misoginia, e que diz respeito mais aos aspectos citados anteriormente do que à fé em si, como se o machismo e a misoginia fossem algo propriamente islâmico.”

A afirmativa reforça o pensamento das influenciadoras e tudo o que elas aprenderam na criação muçulmana. Ambas destacaram que o machismo existe tanto no oriente quanto no acidente, e isso não está impresso na forma como se portam dentro do islamismo ou das roupas que usam por causa dela.

“A maioria das críticas em relação à religião, eu sinto que elas vêm da questão da opressão, de que nós somos machistas, de que a mulher não tem voz, a mulher não tem direito, sendo que o Islã foi a religião que trouxe para a mulher os direitos dela”, aponta Hyatt.

Hyatt Omar palestrando no International Forum of Student Activism for Palestine (Istambul)
Hyatt Omar palestrando no International Forum of Student Activism for Palestine (Istambul)
Foto: Divulgação

Por exemplo, ela destaca que dentro do Islamismo é permitido o divórcio e que as pessoas se casem novamente no religioso, além das mulheres terem direito a voto, a herança, a educação e poder escolher o próprio marido. “Foi uma religião que revolucionou muito o sistema como ele estava naquela época. E as pessoas não percebem isso, porque elas associam a vestimenta com opressão”, reforça a psicóloga.

A vestimenta

Ao contrário do que se pensa, não são só mulheres que precisam usar o corpo coberto de acordo com os preceitos do Alcorão. Para os homens, o corpo precisa estar coberto entre o umbigo e o joelho; e para as mulheres, o corpo inteiro, exceto rosto, mãos e pés. No entanto, ambas as influenciadoras reforçam que existe o livre-arbítrio de cada fiel seguir ou não, e que isso é resolvido com Deus.

Enquanto o Islã assegura direitos para as mulheres, a sociedade vai na direção contrária quando torna a vestimenta um impeditivo, como vimos no caso da Mariam. Aqui no Brasil, o hijab e as roupas mais largas que cobrem o corpo parecem ser uma grande questão. Em muitas oportunidades, a vestimenta é uma ferramenta para oprimir a mulher islâmica, o que não é verdade.

“Se a gente for pensar, muitas coisas podem ser uma forma de opressão. O biquíni pode ser uma forma de opressão para mulher também, só que as pessoas não estão preparadas para esse assunto. As pessoas têm essa questão de ‘só o meu mundo é o correto’. [Em outras culturas] tem mulheres que usam cobrindo todo o rosto. Só que para mim, na minha realidade, não vou usar dessa forma. Mas respeito essas pessoas que têm essa força para usar isso. É só a questão básica de respeito. [...] Muçulmanas se sentem muito empoderadas com as roupas que elas usam”, afirma Mariam.

Mariam afirma que ama usar suas roupas e que elas a empoderam
Mariam afirma que ama usar suas roupas e que elas a empoderam
Foto: Arquivo pessoal

Hyatt complementa a fala da amiga e diz que, por exemplo, o hijab para as mulheres muçulmanas é mais do que um pano, é a ligação delas com Deus, e que se elas não estão incomodadas, as demais pessoas que não pertencem a religião também não deveriam.

“Tem muito aquela questão, quanto mais tapada a mulher está, mais oprimida ela é. Só que aí a gente já entra na pauta, por exemplo, do feminismo branco e europeu, que acaba focando somente num padrão. A gente está falando que a mulher pode fazer o que ela quiser, mas ela pode fazer o que ela quiser de acordo com as normas sociais aceitas pelo feminismo branco. A gente deveria focar também na realidade de mulheres pretas, periféricas, muçulmanas, árabes, asiáticas, porque acaba que o feminismo que a gente vê hoje em dia não é inclusivo”, reflete Hyatt.

Educação para combater

As entrevistas foram realizadas separadamente, mas é preciso dizer como ambas estão alinhadas com o preceito do Islã. Em dado momento do papo, tanto Hyatt quanto Mariam falam sobre o Iqra, que foi a primeira palavra do Alcorão revelada e já citada mais acima.

As duas reforçam a importância de ler e estudar para não se deixar levar pelo preconceito. As influenciadoras reforçam também que o islamismo prega a paz, o não julgamento, a obediência à Deus e aos pais, o respeito e amor ao próximo, e a ajuda ao povo.

“Quando alguém tira a vida de outra pessoa, é como se tivesse tirado a vida de toda uma humanidade. Quando você salva uma vida, é como se você tivesse salvado a vida de toda uma humanidade. Isso é que o Islã prega”, descreve Mariam.

“Seria tão melhor se a gente conseguisse respeitar todo mundo ao invés de querer colocar a nossa realidade nas pessoas. Acho que a troca de conhecimentos, essa busca acaba sendo a ferramenta mais poderosa, porque no final do dia, se tu estudar, tu consegue combater a ignorância”, finaliza Hyatt.

Fonte: Redação Terra
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