Investigação mostra ironia de delegado um dia após morte de Marielle: "Onde será a comemoração?"
Juiz determinou afastamento de Maurício Demétrio Afonso do cargo, mas decisão deve ter efeito após fim de recursos; delegado já recebeu R$ 780 mil desde que foi preso em 2021
Condenado a nove anos e sete meses de prisão e à perda do cargo por obstrução da Justiça, o delegado de polícia do Rio de Janeiro Maurício Demétrio Afonso Alves ironizou a morte da vereadora da capital fluminense Marielle Franco um dia após o assassinato a tiros da parlamentar em 14 de março de 2018. Conversas obtidas pelos investigadores em um dos 12 celulares apreendidos no apartamento do delegado, em junho de 2021, mostram "manifestações inaceitáveis", como descreve o juiz Bruno Rulière, da 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa da Comarca da Capital, na condenação de Demétrio.
"Gente. O enterro da vereadora será no Caju. Mas a comemoração alguém sabe onde será?", escreveu Demétrio em uma mensagem via WhatsApp no dia 15 de março, menos de 24 horas após a morte de Marielle.
Rulière cita áudios obtidos pela investigação, em que Demétrio afirma a um interlocutor que ainda não tinha tido tempo de rever um documento recebido porque estava na "vida de mensaleiro".
"Cara, eu recebi sim! Só que eu tava andando de jet-ski na minha vida de 'mensaleiro' e não tive tempo de ler", consta em trecho de transcrição de escuta do acusado.
Mensagens de teor racista
As mensagens obtidas pelos investigadores ainda revelam textos enviados por Demétrio com teor racista. O delegado se refere à delegada Adriana Belém, que foi presa em maio de 2022 durante as diligências da Operação Calígula, que apurava uma suposta rede ilegal de casas de jogos de azar liderada pelo contraventor Rogério de Andrade, com o filho Gustavo de Andrade. O grupo contava com a participação de "dezenas" de criminosos, entre eles Ronnie Lessa, acusado pelo assassinato a tiros da vereadora Marielle e do motorista Anderson Gomes.
Os promotores acharam R$ 1,8 milhão em dinheiro vivo na casa da delegada Adriana Belém. Após a apreensão, ela foi presa preventivamente.
Nas mensagens obtidas com Demétrio, o delegado menciona a colega de forma preconceituosa. O juiz destaca: "refere-se de forma racista a uma delegada chamando-a de 'macaca escrota' e 'crioula'".
Sobre o tratamento racista contra Belém, o ex-secretário da Polícia Civil do Rio de Janeiro, receptor das mensagens, posta um ponto de interrogação e não comenta a declaração.
'R$ 780 mil desde que foi preso'
Na decisão, Rulière determinou o afastamento imediato de Demétrio de suas funções como delegado. Com a decisão, ficam suspensos os rendimentos do policial. De acordo com o advogado Fernando Fernandes, a sentença tem efeito imediato, mas o delegado pode recorrer até o trânsito em julgado.
O delegado mantém um salário líquido de R$ 14,378.17 mensais, de acordo com dados do Portal da Transparência do Rio de Janeiro. Desde que foi preso, o delegado recebeu R$ 780.745,25 dos cofres públicos.