Em ensaios, fotógrafa retrata opressão e violência de gênero
Lethícia Galo fez um mergulho em si mesma e ouviu outras mulheres para captar em fotos as opressões sociais impostas ao gênero feminino
No exercício de entender a si mesma, a fotógrafa Lethicia Galo, de 33 anos, começou um processo de escuta com outras mulheres. Incomodada com o machismo, a jovem estava buscando respostas e formas de como acabar com aqueles incômodos que essa estrutura provocava. Uma forma de chegar mais perto de "um lugar mais confortável", foi
ouvir histórias de outras mulheres e coletar relatos sobre as opressões sociais que influenciam a vida de quem se identifica com o gênero feminino, seja criança ou adulta, branca ou negra, mãe ou não, entre outros recortes. Dessa busca, nasceram dois ensaios fotográficos que já duram oito anos circulando em exposições Brasil afora: "A dor de ser mulher" e "Catarse", este último que denuncia a violência de gênero.
"Apesar do 'ser mulher' representar um denominador comum em nossas vidas, a diversidade entre nós é um fator a ser considerado ao pensarmos nossas subjetividades. A sociedade brasileira é fatalmente racista e isso atravessa diretamente a vida das pessoas, principalmente das mulheres pretas. Mecanismos de opressão como a hiperssexualização de seus corpos, a ridicularização de suas estéticas e cabelos e o preterimento nas relações amorosas e profissionais foram retratadas nessa construção coletiva".
Desse processo, nasceu em 2014 o ensaio fotográfico "A dor de ser mulher", que ficou disponível apenas um dia para visitação. A busca por entendimento de si mesma e a insegurança eram tão grandes, que a fotógrafa começou a questionar o próprio trabalho, sem saber, na época, que aquilo era o reflexo da própria opressão que denunciava.
"Eu tinha medo de expor. E medo de me expor, e medo de expor o que outras mulheres sentiam e também tinham receio de gritar. Tirei a exposição em algumas horas. Nunca me esqueço de ter pedido ajuda para um amigo, perguntando qual era a opinião dele nas minhas fotografias, e o que ele disse era que faltava direção de arte. Hoje consigo perceber tamanha violência que um homem comete quando não quer ler uma mensagem que é básica. Em anos de fotografia percebi o quanto há fotografias para acalmar, há fotografias para registrar, e há fotografias para serem gritos, expressão. Ele conseguiu me deixar insegura para apresentar todo esse ensaio, e então engavetei ele até março de 2017, mostrando para poucas pessoas".
Foi em 2017 então, que a fotógrafa decidiu divulgar as fotos em sua página do Facebook. "Resolvi que precisava assumir esse lugar dentro de mim e divulgar as fotografias. Postei elas em meu facebook, e elas começaram a serem divulgadas em massa. Foi bonito ver a quantidade de pessoas que falavam de se identificar com as fotografias. De se identificar com as pessoas que eu fotografei, e de ficarem felizes por saber que tinha alguém que também sentia isso", contou.
Catarse
No ensaio "Catarse", criado em 2018, a fotógrafa fez um mergulho ainda mais profundo: retratou quais violências as mulheres foram sujeitas, dependente de seus perfis de raça, religião, características físicas e preferência sexual. O ensaio ficou exposto pela primeira em março de 2018, durante os "21 dias de ativismo pelo fim do racismo e violência contra a Mulher", em Mogi das Cruzes. Frases de violência foram escritas nos corpos das mulheres, o que torna o ensaio impactante.
Circulando o Brasil
Ao longo dos anos, a exposição "A dor de ser Mulher" já ocupou muitos lugares. Já ganhou um Concurso de Camaçari (com a foto da mãe atrás das grades), e também participou de exposições em Manaus e Belém, em escolas estaduais. Em Mogi das Cruzes (SP), cidade de origem do trabalho, já passou por terminal de ônibus, escolas, na Câmara Municipal, casarão de artes e alguns eventos. "Uma das vezes mais especiais foi quando uma escola da cidade de Poá (SP) uma vez fez uma releitura das fotos. Fizeram uma exposição linda, com fotografias feitas pelos alunos desse processo que eles entendiam o que era “a dor de ser”, discutindo principalmente esse lugar do que a sociedade pode impor dentro da gente", contou. Neste ano, as fotos ficaram expostas em Suzano (SP) e Mogi das Cruzes (SP), durante o mês de março, ao lado das 31 fotografias do ensaio "Catarse".