Jogadoras da Copa já precisaram provar gênero: ‘Mulher não joga assim’
FIFA tem política de verificação de gênero desde 2011
Atletas que disputam a Copa do Mundo Feminina 2023 já tiveram de “provar” que são do sexo biológico feminino, para a disputa de outras competições.
Chamada de “verificação de gênero”, não há informações se o protocolo foi utilizado até o momento na edição da Austrália e Nova Zelândia, já que é necessário que haja pedido de alguma das seleções envolvidas no torneio. A Fifa não indica nas regras dos testes o limite de testosterona aceito nas atletas.
Capitã da Zâmbia, Barbara Branda entrou em campo no último sábado, 22, e já teve sua privacidade invadida pelo pedido de verificação.
A atacante de 23 foi cortada da Copa das Nações Africanas no ano passado após o sexo biológico da atleta ser colocado em dúvida devido ao resultado apresentar um nível alto de testosterona. A CNA declarou em entrevista à BBC que vai reavaliar o protocolo de verificação depois do Mundial.
"É um tópico muito, muito complexo. Muitas pessoas têm suas próprias opiniões sobre isso e nosso papel é levar todas em consideração. E por isso é importante um processo de consulta, porque temos de entender todas as visões, a pesquisa, as evidências, as situações individuais e, claro, o lado dos direitos humanos. E temos de unir todas essas coisas", disse Sarai Bareman, ex-jogadora e chefe do setor de futebol feminino da Fifa.
Embora gênero seja ligado à identidade da pessoa (a forma como ela se expressa socialmente e não às suas características biológicas), o texto polêmico da FIFa é definido como “verificação de gênero”. O regulamento aponta que cabe ao médico de cada delegação enviar “históricos médicos, nível de hormônios sexuais, diagnósticos e tratamentos” de uma atleta que esteja sob investigação.
A Federação africana também não define com clareza os seus critérios. "Esse posicionamento precisa urgentemente ser esclarecido e atualizado", defendeu a Comissão, em documento emitido em 2021”, dizia uma nota emitida pela Comissão dos Direitos Humanos da Austrália.
Jogadoras já precisaram se expor sem roupas
Nilla Fischer, atleta da Suécia foi obrigada a passar por uma verificação do tipo para disputar a Copa de 2011, na Alemanha. A jogadora hoje com 38 anos, disse em sua biografia que precisou “mostrar a genitália" para os médicos.
"Nós fomos orientadas a não fazer depilação 'lá embaixo' nos dias anteriores e que nós iríamos mostrar nossas partes íntimas para o médico", declarou a sueca no livro "Eu Não Contei Nem Metade".
“Nós pensamos: 'como chegou a isso?'. Por que somos forçadas a fazer isso agora? Tem de existir outras formas de fazer isso. Nós deveríamos nos recusar? Ao mesmo tempo, ninguém quer jogar fora a chance de jogar uma Copa do Mundo. Apenas temos de acabar com isso, não importa o quão humilhante e nojento pareça.” Nilla Fischer, em sua biografia, no trecho reproduzido pelo Daily Mail.
A técnica da seleção feminina da África do Sul passou por uma situação parecida quando era atleta. Em entrevista à BBC da África, Desiree Elis contou que foi orientada pelo pai a ficar nua no teste.
"Naquela época eu era pequena, não tinha seios e tudo mais. Eu me juntei a um time de futebol e meu pai costumava me levar até o campo. E no momento em que entrei e comecei a 'fazer algumas coisas' as pessoas disseram: 'Não pode ser uma menina, meninas não jogam assim’", recordou Desirre, hoje com 61 anos.
Park Eun-seon tem 36 anos e chega para a sua terceira disputa de Mundial. A sul-coreana pensou em desistir do futebol, quando precisou passar por uma das situações mais embaraçosas da sua profissão.
Park chamou a atenção na época pelo seu bom desempenho na disputa da Liga Feminina Sul-Africana. Artilheira pelo Seoul City Amazones, a atacante marcou 19 gols no campeonato e sua equipe ficou em 2º lugar no torneio. As boas atuações renderam desconfiança.
Além dos testes para a federação local, a atacante precisou passar pela “prova” para disputar a Copa de 2003 e Jogos Olímpicos de 2004.
"Me machuca que é uma situação parecida com a de quando muitos técnicos eram legais comigo na intenção de me levar para seus times, mas depois mudavam radicalmente", desabafou Park em um post em sua rede social.
Na época o pedido foi definido como “assédio sexual” pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos da Coreia do Sul e como "uma séria violação dos direitos humanos", pelo Conselho Esportivo de Seul.
“Aquilo me machucou muito. Eu não estava brava, mas sim intrigada. Eu questionava por que tinha de enfrentar tudo aquilo. E pensava frequentemente em desistir do futebol, mas senti que se fizesse isso estaria cedendo às reclamações”, contou Park Eun-seon, recentemente à CNN Sport.
"Talvez eu realmente fosse muito boa", ironizou a sul-coreana.