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"Julho das pretas": conheça as mulheres negras que fazem história no presente

Em diferentes segmentos, a prosperidade de mulheres negras no presente é fruto da luta de quem já trilhou este caminho

28 jul 2023 - 05h00
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Julho é marcado pelo movimento histórico protagonizado por mulheres negras, latino-americanas e caribenhas em 1992, quando se reuniram na República Dominicana com um objetivo em comum: pressionar a ONU a assumir a luta contra as opressões de raça e gênero. O julho das pretas representa um marco simbólico da resistência e da busca por igualdade e justiça.

Hoje, nossa luta se mantém, adaptando-se aos desafios e oportunidades apresentados em diferentes contextos que afetam a disseminação de diálogos sobre nossos direitos, conquistas, vulnerabilidades, memórias, sonhos e histórias. Sinal disso é que permanecemos firmes na busca por mudanças significativas na história que vivemos hoje, de olho no futuro que se constrói a partir disso. Tereza de Benguela,  Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e tantas outras pavimentaram a estrada que hoje é vista como caminho.

Por sermos vozes atividades na construção do futuro, neste mês chamado de Julho das Pretas, relembramos nosso compromisso com a transformação social e o respeito à nossa dignidade. A conversa aqui é sobre o que motiva e dá combustível para nossa luta, mas também sobre a trajetória de mulheres que nos permitiram ter referências literárias, políticas e sociais no presente.

Ter referências históricas para traçar novas estratégias de prosperidade e luta é importante e muito provavelmente o que nos permitiu ter diálogos como este aqui. Mesmo assim, no presente, é bom poder olhar para uma referência nos olhos, acompanhar a construção e as transformações realizadas por ela e dividir o tempo em que isso acontece. Na literatura, na tecnologia, na saúde, na comunicação… Tecer histórias em diferentes lugares, cientes de que compartilhamos incômodos e desejos que, quando observados, se parecem.

Quem escreve o presente com a gente?

Somos o sonho em prática

Tecnologia

Andreza Rocha, fundadora e diretora executiva do AfrOya Tech, vê a realização de seu trabalho como continuação do trabalho de outras mulheres. “Nesse contexto, sinto que o que faço é mostrar que há novas possibilidades para buscar espaço na área de tecnologia, que o trabalho coletivo nunca pode sair de vista, que é preciso somar esforços para ampliar nossa participação e que temos plenas condições de assumir o nosso protagonismo onde quer que estejamos”, considera. 

No hub de projetos e diversidade, o objetivo do trabalho está no aumento da inserção, desenvolvimento e pertencimento de talentos negros na área de TI e inovação. Na realização do trabalho, Andreza, parte do Linkedin Top Voices Finanças 2023, reconhece que os avanços acontecem num contexto em que ainda é necessário insistência, um desafio do passado que se reflete no presente. "Os principais desafios são sempre aqueles em que temos que provar a necessidade e qualidade do trabalho, que vale a pena investir em negócios geridos por mulheres negras no ecossistema de tecnologia", conta.

Andreza Rocha conta que observa as transformações e movimentações do segmento com esperança
Andreza Rocha conta que observa as transformações e movimentações do segmento com esperança
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Com ar de orgulho compreensível, Andreza conta que observa as transformações e movimentações do segmento com esperança. "Percebo o avanço quando olho para meu portfólio de clientes e vejo tantas empresas grandes, nacionais e multinacionais. Fico feliz e satisfeita também de ver tantos outros movimentos surgidos a partir de iniciativas que criamos e uma quantidade bem maior de mulheres negras empreendendo em tecnologia e inovação, saindo do lugar de apenas serem pessoas capazes de falar e trabalhar com diversidade."

Para ela, toda mulher preta merece: “Ser ouvida, acolhida, respeitada e alçada a seu lugar de protagonismo.”

Literatura

Elizandra Souza, poeta, jornalista e editora, é parte do Sarau das Pretas, iniciativa criada em 2016 e, enquanto recorda seus feitos na carreira, reforça a importância e o impacto de quem nos antecedeu, sabendo o papel que também ocupamos no presente. “Penso que a nossa história é em espiral, sozinhas vamos ser facilmente esquecidas. Nossa luta é coletiva e ancestral”, argumenta. 

“O mérito de algumas mulheres negras estarem sendo reconhecidas é delas, mas também uma insistência coletiva de forjar estes espaços. Somos literalmente o que sonharam nossas mais velhas. Somos o sonho em prática”, reafirma. Com a consciência de que a luta é contínua, o objetivo e o reconhecimento dos frutos do que conquistamos também precisam voltar para o foco, serem vistos e validados por nós quem conjugamos o verbo da ação.

Elizandra Souza, poeta, jornalista e editora, integra o Sarau das Pretas, iniciativa criada em 2016
Elizandra Souza, poeta, jornalista e editora, integra o Sarau das Pretas, iniciativa criada em 2016
Foto: Reprodução/Instituto Moreira Salles

O exercício de observar as conquistas é atravessado por questões atuais, que nasceram no passado. “São os grandes impeditivos para as mulheres negras no geral alcançarem lugares e na literatura não seria diferente.  A grande luta é para que o racismo não seja o principal protagonista das nossas histórias. Temos avançado, mas diante das desigualdades de oportunidades para mulheres negras, ainda estamos muito atrás.  Mas resistindo.  Nossa resistência e persistência são maiores”, é o que conta Elizandra. 

Para ela, toda mulher preta merece: “Flores em vida, educação de qualidade,  casa própria ‘um teto só seu’, como diz Virgínia Wolf. A gente merece ser reconhecida,  visibilizada, porque o que mencionei acima está na Constituição. Não é pra ser sonho uma jovem negra ter acesso a uma boa educação, isso é um direito. Queremos e merecemos mais do que a sobrevivência. Toda mulher preta merece ser madame, merece ser servida com boa comida,  boa bebida e boa literatura.”

Música  

Como voz e ritmo que inspiram, Mc Soffia vê na música uma ferramenta para comunicar questões sociais e raciais. Ela se tornou uma figura emblemática ao lutar contra o preconceito e a discriminação, levantando a bandeira da igualdade e do respeito. Sua presença na indústria musical também incentiva outras mulheres negras a se expressarem e ocuparem espaços historicamente negligenciados, trazendo luz à importância e continuidade da luta de mulheres pretas. “Sou rapper e tenho muito orgulho do meu trabalho que fortalece mulheres pretas e me fortalece ao mesmo tempo”, explica a MC.

Mc Soffia: "Me inspiro nas mulheres da minha família, e  em cantoras como Karol Conka, Tássia Reis, Sharylaine e Nicki Minaj"
Mc Soffia: "Me inspiro nas mulheres da minha família, e em cantoras como Karol Conka, Tássia Reis, Sharylaine e Nicki Minaj"
Foto: Reprodução/Instagram

Suas letras carregam  mensagens de empoderamento e auto afirmação, destacando conquistas das mulheres negras ao longo da história. "Me inspiro nas mulheres da minha família, e  em cantoras como Karol Conka, Tássia Reis, Sharylaine e Nicki Minaj", conta sobre suas referências. Inspirando gerações futuras a se orgulharem de suas raízes e a lutarem por um mundo mais inclusivo e igualitário, a presença e a arte de Mc Soffia são uma poderosa lembrança da importância e da contribuição inestimável das mulheres negras para a sociedade brasileira.

Para ela, toda mulher preta merece: “Oportunidade, porque capacidade e talento todas temos.”

Manter a chama acesa

Em uma conversa com Bárbara Carine, doutora em química e filósofa, fui relembrada sobre a importância de "manter acesa a chama da luta da mulher negra" e isso se dá a partir do reconhecimento e propriedade sobre a nossa história. "A gente é um coletivo gigantesco de mulheres, dentro de uma lógica que atravessa os tempos", ela explica, sobre a importância de nos vermos e aprendermos umas nas outras. Sermos reflexo, mas também espelho.

Se compartilhamos dores semelhantes por termos vindo de raízes que foram cultivadas muito antes, é também em nós mesmas e no tempo presente que reconhecemos nossas conquistas e abraçamos uma realidade que também pode ser marcada por prosperidade. Tereza de Benguela lutou por duas décadas, como líder, contra a escravidão. Andreza apoia e impulsiona pretos da tecnologia. Elizandra trabalha pela preservação da memória coletiva de mulheres negras. Soffia canta sua resistência para inspirar.

Somos, de fato, o sonho em prática.

"O racismo me acompanha na universidade", diz Zélia Amador:
Fonte: Redação Nós
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