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Lam Matos: "Eu não gostaria de ter nascido cis, tenho muito orgulho em ser um homem trans"

Ativista falou sobre vivências, desconstrução e lutas da comunidade trans no país

29 jan 2024 - 05h00
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Lam Matos é  consultor de diversidade, ativista e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT)
Lam Matos é consultor de diversidade, ativista e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT)
Foto: Arquilo Pessoal

Celebrado no dia 29 de janeiro, o Dia da Visibilidade Trans tem como objetivo destacar as pautas e demandas dos diversos grupos que compõem a sigla T do LGBTQIA+. Um deles é a comunidade transmasculina, composta por homens trans, transmasculinos, pessoas não binárias e de gênero fluido. 

O consultor de diversidade, ativista e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) Lam Matos explica que a definição de transmasculinidade surgiu em 2016 no primeiro Encontro Nacional de Homens Trans (ENAT). 

"Quando a comunidade transmasculina vai se organizando, entende que o termo 'homem trans' não era suficiente para dar conta dessa pluralidade da transmasculinidade, muito a partir de um levante de pessoas não binárias do encontro, que buscavam ampliar a visão dessas identidades transmasculinas e entendiam que, ainda que se relacionassem com alguns espectros do masculino, não necessariamente se colocavam como homens", conta. 

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"A desconstrução é fundamental. Quando falamos em ser homem, temos que entender tudo que a palavra carrega. Ser homem, para muitos de nós, é até um gatilho, é uma adversidade por conta dessa bagagem tóxica. Ser homem ou ser masculino não é só essa masculidade intangível e inalcançável. Infelizmente, a maioria dos homens cis vive dentro dela, e precisamos ir contra isso", completa. 

"Eu acredito que a gente pode ser a chave para melhorar a sociedade que a gente tem hoje com relação ao machismo. Nós podemos ser o homem do futuro, com outro pensamento, outra construção da masculinidade". 

Nascido em Brasília e vivendo em São Paulo há quase uma década, Lam é uma daquelas figuras que pode passar horas falando sem que você veja o tempo passar. Didático e caminhando pelas vias do afeto e do acolhimento, segue reverenciando seus pares de luta, como o ativista já falecido João Nery e a militante Neon Cunha. 

"O João falava muito sobre a importância do acolhimento e da desconstrução", conta ele. A desconstrução das masculinidades já faladas, junto com um processo de empoderamento e conforto das identidades, são os pontos principais da sua luta. 

"A sociedade acha, a grosso modo, que pessoas trans queriam ter nascido cisgenero. A gente tem uma identificação, mas não gostaria de nascer assim", dispara. 

Principais lutas

Esse processo de empoderamento e desconstrução, no entanto, só é possível se essas pessoas estiverem vivas, por isso Lam elenca a saúde como tópico principal.

"Hoje, eu colocaria no topo as questões de saúde, principalmente pensando na saúde pública, que é a que vai reger todo o resto. A gente precisa entender sobre corpos. A gente sabe que o sistema, ele é escrito com C e não com S, porque foi feito para pessoas cis. A partir do momento que o gênero passa do feminino para masculino, ele entende que é um homem cis, mas homem cis não vai ao ginecologista. Existe uma dificuldade imensa do transmasculino chegar no serviço de saúde pública e ter um atendimento seguro", relata. 

Lam aponta ainda os direitos sexuais e reprodutivos como ponto de atenção. "Hoje, muitos homens trans e transmasculinos estão optando por gerar filhos e exercer a paternidade, mas existem muitos relatos de violência ao longo do pré-natal e durante o parto". 

Ele completa abordando o alto número de suicídio entre homens trans e transmaculinos. De difícil contabilidade e pouco interesse do estado em olhar para o tema, os dados são escassos, mas pesquisas nos EUA e Dinamarca revelam que os índices de suicídio dos membros da comunidade chegam a ser 50% maior do que em outros grupos. 

Ensinamentos

Hoje com 41 anos, Lam tem uma trajetória que permite o aconselhamento dos mais jovens e a principal dica que dá é ter paciência. "A masculinidade é sua, não vai de cabeça porque, às vezes, a água é rasa. Leia, procure grupos, encontros, espaços de debate de encontro, não odeie seu corpo", ensina. 

A questão do corpo traz à tona, inclusive, o conceito de disforia, termo usado para se referir ao conflito com o próprio corpo, que no caso dos homens trans pode ir da falta de barba até os seios. 

"A gente se descobre, entendendo o que é confortável para a gente. Não nascemos errados. Eu não gosto de falar que tenho disforia, eu tenho desconfortos. Nós somos a nossa casa e o que você faz quando você tem desconforto na sua casa? Você pinta uma parede, coloca uma planta. A gente vai viver para a gente, então, aos poucos, você vai ajustando o que te gera esse desconforto"

"Eu demorei muitos anos para fazer a mastectomia, porque eu não tinha certeza se o peito era um desconforto meu ou se era uma obrigatoriedade da masculinidade, da estética. Fiz só quando tinha certeza que era algo que eu queria, não porque odiava meu corpo. Fiz e aprendi a não odiar meu corpo como faço todos os dias", explica. 

Lam também brinca sobre as expectativas. Se os mais jovens buscam em especial barbas fartas e corpos ditos mais masculinos, os mais velhos se deparam com questões inerentes à vida de muitos homens cis, como a calvíce. 

"Essas dias, fui pintar o cabelo e o cabelereiro falou que ia ser rápido porque meu cabelo é ralo e fininho. Minha mãe e minha companheira brincaram que já estou ficando careca igual meu pai", conta rindo. 

E é assim, cheio de histórias, relatos e ensinamentos que Lam deixa seu último recado ao fim da entrevista: "Precisamos valorizar que estamos vivos".

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Fonte: Redação Nós
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