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Lei de combate à violência contra mulher na política foi insuficiente nesta campanha

Dado global aponta que 1 a cada 4 mulheres na política já foi agredida fisicamente; plataforma recebe denúncias mas solução fica além da lei

1 out 2022 - 05h01
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Uma a cada quatro mulheres que estão na política, ao redor do globo, já foi agredida fisicamente
Uma a cada quatro mulheres que estão na política, ao redor do globo, já foi agredida fisicamente
Foto: Pamella Moreno sobre Unsplash

Este domingo marca o fim do primeiro turno de uma das eleições mais violentas dos últimos anos. Foram mortes de eleitores, agressões a candidatos e candidatas e ofensas de toda natureza. Apenas no primeiro semestre deste ano foram 214 ataques contra líderes políticos, segundo o último boletim do Observatório da Violência Política e Eleitoral da UniRio, que, entre abril e junho, registrou 19 homicídios. E, quanto mais elevado o tom, mais as mulheres se tornaram alvos. 

Esta é a primeira eleição desde a promulgação da lei 14.192/21, que combate a violência contra a mulher na política, impondo pena de detenção de até quatro anos para o agressor. Mas uma lei não é suficiente para conter a violência. Mais da metade do eleitorado (53%) é de mulheres, mas elas ocupam apenas 15% dos cargos eletivos, segundo dados divulgados pelo Senado. 

Em um ambiente dominado por homens, as mulheres têm de enfrentar violência física, moral e assédio sexual.

Uma a cada quatro mulheres que atuam na política já sofreu algum tipo de violência física. Segundo dados globais da ONU Mulheres, 82% já sofreram violência psicológica; 45% foram vítimas de ameaças e 20%, de assédio sexual. 

No Brasil, os relatos de abusos atravessam o país de ponta a ponta e não têm partido definido. Um relatório do Instituto Alziras com as 649 mulheres eleitas prefeitas em 2016 revelou que 53% já sofreram assédio ou violência política de gênero e 23% tiveram suas falas ou trabalho desmerecidos pelo fato de serem mulheres.

Ofensas sem partido

No debate do pool do qual o Terra faz parte, no sábado passado (24), a candidata Soraya Thronicke (UB), ao ser chamada de estelionatária pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou que ela e Simone Tebet (MDB) foram alvo de milhares e pesados ataques nas redes sociais. Horas antes, no outro espectro político, a deputada Isa Penna (PCdoB-SP) sofreu o ataque de um homem enquanto fazia campanha no interior do estado. Ao mesmo tempo, seu aliado político Fernando Haddad (PT) expôs sem rodeios, em seu programa de TV, a cena em que ela foi apalpada, sem consentimento, por um deputado na Assembleia Legislativa de São Paulo. 

No Rio Grande do Sul, Manuela d'Ávila, do partido de Isa, já havia desistido da política depois de concorrer à Presidência, em 2018. O limite das ofensas e ameaças, para Manuela, foi quando incluíram sua filha pequena. Agora, Manuela faz política nos bastidores. 

No dia 14 de setembro, uma vereadora do PT em Porto Alegre, cidade de Manuela, teve seu carro atingido por um eleitor bolsonarista. Segundo ela, houve motivação política. O homem sofreu um acidente na sequência e morreu.

A denúncia de Soraya trata de um levantamento feito pela organização feminista AzMina, que detectou que, após o primeiro debate eleitoral, em agosto, ela e Tebet foram alvo de 6.661 mil ofensas no Twitter em apenas 48 horas. 

A ofensa às mulheres não tem partido. Tão logo deixou o bolsonarismo, a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP) foi alvo de piadas e apelidos jocosos disparados pelos filhos do presidente. Como pontua o relatório de AzMina, as ofensas contra as mulheres repetem termos usados pela família Bolsonaro e pelo presidente.

Quando as mulheres são negras, trans ou fora do espectro heteronormativo da sociedade brasileira, essa violência escala. Nas redes sociais, as ofensas combinam machismo, misoginia, racismo, homofobia e transfobia. No mundo offline, pode chegar ao limite. A vítima mais emblemática é a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada com quatro tiros no dia 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro, ao lado de seu motorista, Anderson Gomes. O crime segue sem solução e, sua família, sem justiça.

"Não serei silenciada": Marielle é a mais emblemática das vítimas de violência contra as mulheres
"Não serei silenciada": Marielle é a mais emblemática das vítimas de violência contra as mulheres
Foto: Mais Goiás

"A situação da mulher hoje na política é muito delicada. O sistema insiste em dizer que a política não é um lugar para as mulheres. Desde a falta de um fraldário até a constatação de que é um ambiente no qual não somos bem recebidas", afirma a presidente do Instituto Marielle Franco, Anielle Franco. 

Irmã da vereadora assassinada, Anielle vai além da luta por justiça pelo crime. O instituto foi criado por sua família para inspirar e apoiar mulheres negras na política, sobretudo em tempos de extrema tensão como hoje. 

Para Anielle, a saída está muito além de uma lei como a 14.192/21. 

"A violência política, mesmo com a lei, é crescente. E foi se legitimando de 2018 para cá. Já existia a violência política, mas talvez não tão escancarada como nos últimos tempos, e não só às mulheres, mas para os que militam de forma diferente do sistema existente", diz ela.

Entre a barbárie e a democracia

Lívia, Laryssa, Luciana e Mariana. De maio até agosto deste ano, essas mulheres sofreram ataques no Pará, Goiás, Bahia e Ceará. A denúncia desses ataques foi registrada pela recém-criada Plataforma para Denúncia de Violência Política de Gênero e Raça. Organizada pela Frente Parlamentar Feminista Antirracista, com apoio da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e da Articulação de Mulheres Brasileiras, a plataforma visa reunir as denúncias e relatar os casos aos órgãos competentes, como Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Ministério Público Federal (MPF).

Segundo a plataforma, em 18 de agosto, a candidata a deputada estadual Lívia Noronha, no Pará, denunciou o TRE por racismo estrutural, ao ser notificada para trocar a foto que encaminhou junto com a documentação de registro de candidatura. Lívia usava um turbante, adereço que utiliza como característica da sua fé na religião de matriz africana. 

Lívia Noronha na foto que enviou ao TSE
Lívia Noronha na foto que enviou ao TSE
Foto: Reprodução/TSE

Lívia, que é professora de Filosofia, já foi candidata a prefeita da cidade de Ananindeua (PA). Em 2020, ficou em 2º lugar, com 12% dos votos para prefeita da cidade. Ela diz que usa turbante todos os dias. 

Em 18 de julho, a candidata a deputada federal Laryssa Sampaio, de Goiás, recebeu mensagens de cunho racista e machista pelas redes sociais. O tom era de ameaça e intimidação. Entre as várias mensagens estão frases do tipo “Bem que senti o fedor de preto”.

Em 4 de maio, a vereadora Luciana Tavares, em Lauro de Freitas, na Bahia, foi ofendida e ameaçada por um vereador que proferiu palavras de cunho machista e com teor de silenciamento, durante sessão da Câmara de Vereadores. "Sua sorte é que você é mulher. Essa é sua sorte. Se fosse homem já tinha metido a mão em você há muito tempo”, disse ele.

Em 6 de agosto, a equipe de panfletagem da candidata a deputada estadual Mariana Lacerda, em Fortaleza, no Ceará, foi ameaçada por um homem que portava arma de fogo ameaçando atirar e proferia palavras de ódio.

As denúncias à plataforma podem ser feitas por esse link.

Para Anielle, quanto mais se discutir sobre essa violência, mais seguras estarão as mulheres. "A sociedade em geral tem que começar a entender que esse é um assunto que tem que ser debatido, falado e advertido para que a sociedade não ache que é normal. Esta é uma eleição importante, que irá marcar a escolha entre a barbárie e a democracia. Espero que não aconteça mais nenhuma grande tragédia, como as tantas que ocorreram este ano."

Anielle Franco, irmã de Marielle: "entre a barbárie e a democracia"
Anielle Franco, irmã de Marielle: "entre a barbárie e a democracia"
Foto: Reprodução / Facebook / Ansa - Brasil

Em caso de violência contra a mulher, denuncie

Violência contra a mulher é crime, com pena prevista de até 3 anos de prisão. Ao presenciar qualquer episódio de agressão contra mulheres, denuncie. Você pode fazer isso por telefone (ligando 190, 180 ou 100), pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou pela página do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Também pode procurar uma delegacia, normal ou especializada.

Saiba mais sobre como denunciar aqui.

Fonte: Redação Nós
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