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Lei de Cotas: 70 mil vagas para negros deixaram de ser ofertadas

Segundo uma estimativa, as universidades não ofertaram 19,4% das vagas que deveriam ser destinadas aos cotistas raciais entre os anos de 2013 e 2019

19 out 2022 - 12h01
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Estudantes pretos estão sentados em cadeiras escolares para retratar a Lei de Cotas
Estudantes pretos estão sentados em cadeiras escolares para retratar a Lei de Cotas
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil / Alma Preta

Em vigor desde 2012, a Lei de Cotas completa uma década de existência neste ano. Desde que foi implantada, a norma nunca passou por mudanças e o Congresso Nacional previa avaliá-la até agosto - no mês em que foi sancionada - com o objetivo de propor uma revisão. No entanto, o debate até o momento não aconteceu.

A Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e a Defensoria Pública da União (DPU) fizeram um levantamento e análise sobre os cotistas negros em universidades e institutos federais para entender melhor o cenário dessa política, sua aplicabilidade e possíveis mecanismos de controle contra fraudes.

Intitulado "Pesquisa sobre a Implementação da Política de Cotas Raciais nas Universidades Federais", este é o primeiro estudo com o recorte de raça nesses dez anos da Lei 10.771/2012. À Alma Preta Jornalismo, Deltan Felipe, professor da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, e diretor da ABPN, explica que o levantamento surgiu da necessidade de se ter dados específicos sobre a política de cotas para negros. Agora mais do que nunca, já que o Congresso deve avaliar e propor mudanças no texto.

"O problema não é a avaliação em si, mas como essa Lei de Cotas vai ser revisada já que o Governo [Federal] não tem feito o devido acompanhamento. Como fazer uma avaliação se não há dados gerados sobre a política?", questiona o pesquisador. Segundo uma estimativa feita pelo portal UOL, a partir dos números reunidos pelo relatório, as universidades, em geral, não ofertaram 19,4% das vagas que deveriam ser destinadas aos cotistas raciais entre os anos de 2013 e 2019, período levado em consideração pelo estudo. Isso significa dizer que mais de 70 mil pretos deixaram de ocupar seus lugares de direito nas instituições de ensino federal.

Recém-graduada em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Tarsis Melo, de 25 anos, foi uma das estudantes que conseguiu o direito à Lei de Cotas em 2016, quando ingressou no curso. Agora formada, depois de quatro anos, ela avalia esse direito como a porta de entrada para o começo de uma reparação histórica e julga importante a garantia de oferta de vagas reservadas às pessoas negras para diminuir a desigualdade racial existente em todo o país.

"Como mulher negra, estou inserida na parte da população mais afetada pela desigualdade e racismo estrutural. A Lei de Cotas foi muito importante para o meu ingresso em uma universidade pública visto que esse espaço era ocupado, majoritariamente, por brancos. Nasci e fui criada em um bairro periférico onde a grande maioria são negros e, infelizmente, o que testemunho é a falta de possibilidades de futuro. Jovens que precisam optar entre estudar ou trabalhar", diz a arqueóloga.

Aperfeiçoamento

Apesar da ampliação de negros nas universidades ser considerável, o estudo da ABPN e DPU concluiu que, por outro lado, os mecanismos de ingresso dos estudantes por cotas raciais precisam ser aperfeiçoados para que a taxa das vagas projetadas e ofertadas pelas instituições sejam equivalentes e também para que a lei seja efetiva, já que o impacto das cotas ainda é relativamente pequeno nesses dez anos. A propósito, uma das estratégias pontuadas pelo relatório, é a obrigatoriedade da criação de comissões de heteroidentificação e políticas de apoio aos cotistas para que não haja fraudes na ocupação dessas vagas e a evasão desses estudantes seja minimizada.

"Temos dois aspectos: a Lei de Cotas deu certo porque ela é fundamental para a inclusão da população negra e geração de conhecimento plural. No entanto, no levantamento dessa denúncia, o texto poderia ter um potencial maior se houvesse um aprimoramento. A lei não só deve ser protegida, como também ela deve ser ampliada nos modelos administrativos e jurídicos, incluindo, por exemplo, no corpo do texto, comissões de heteroidentificação, políticas de permanência e até o próprio entendimento sobre o que são cotas raciais", observa Deltan Felipe.

Tarsis afirma que, durante os últimos anos, alguns casos de pessoas que não se encaixavam nas cotas raciais foram denunciados na UFPE. Ela também concorda que é preciso um maior acompanhamento do Governo Federal e das próprias instituições para que fraudes nesse processo não aconteçam. A arqueóloga, também, sentiu a falta de apoio quando passou a frequentar as aulas.

"Durante toda a graduação, senti muita dificuldade com relação ao conhecimento prévio e também pela questão financeira. Quando entrei na universidade, foi um choque muito grande porque conseguia ver mais a fundo a diferença entre mim e os colegas que tinham uma boa base de conhecimentos e os professores não eram flexíveis em relação a isso. Tive que trabalhar desde o início e isso dificultou a minha participação em atividades extracurriculares", relembra.

Cotas sociais não combatem o racismo

Desde 2012, a Lei de Cotas garante o direito aos estudantes oriundos de escolas públicas à 50% das vagas de institutos e universidades federais. Dentro dessa reserva, há uma cota específica para alunos pretos, pardos e indígenas em grau proporcional à população de cada estado. O professor Deltan Felipe amplia ainda mais a discussão sobre o assunto ao distinguir cotas sociais - aquelas que levam em consideração a renda per capita familiar - das raciais.

"Muitas vezes, não se entende que as cotas raciais e sociais têm objetivos distintos. Enquanto as cotas sociais são para amenizar as desigualdades sociais, as cotas raciais é para combater o racismo. Um outro efeito dela é diminuir as dificuldades sociais que incide sobre os corpos negros por causa do preconceito. As cotas sociais não combatem os racismo. Por isso, é preciso entender a importância das cotas raciais como uma estratégia de construção de igualdade e combate à discriminação no Brasil", ressalta.

Um país que inclui o exclui

Um índice do levantamento mostra que algumas universidades ofereceram mais vagas do que o projetado para os cotistas raciais. No total, o estudo avaliou 64 instituições. Dessas, apenas dez encontram-se nesse grupo. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, ofereceu 5.310 vagas a mais.

"Apesar de termos um Congresso que tem vários Projetos de Lei para a retirada, temos também vários projetos que tentam ampliar as cotas. Então, podemos entender que a discussão da Lei de Cotas no Brasil também perpassa sobre o modelo de país que a gente quer: se é um modelo que inclui ou exclui porque temos pessoas trabalhando para que este país se torne mais inclusivo nas universidades e no Congresso", finaliza.

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Alma Preta
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