Livro conta história da menina que ganhou vida nova após traqueostomia
Depois de ser intubada sete vezes, Nina foi traqueostomizada e, enfim, respirou de verdade
“Ah, então ela ganhou um segundo nariz!”. Foi assim que Alice, aos três anos, reagiu ao ver pela primeira vez a foto da irmãzinha Marina, na época com um ano e meio, traqueostomizada. A traqueostomia é um procedimento cirúrgico, realizado na região da traquéia (pescoço), com o objetivo de facilitar a chegada de ar até os pulmões. O que para a mãe parecia o fim de uma vida, Alice traduziu de maneira simples. Marina é Nina, a protagonista do livro infantil “A corajosa Nina e seu fabuloso segundo nariz”, da editora Skoobooks, lançado em fevereiro deste ano, no Dia Nacional da Criança Traqueostomizada. A autora é a mãe das duas meninas, Ana Paula Ballestero, 31, gerente comercial.
Ainda durante a gravidez, Ana Paula e o marido, Bruno Borges, 33, executivo de vendas, levaram o primeiro susto em relação à chegada da segunda filha. No exame, a médica detectou que havia uma má formação na mão direita do bebê e faltava um dedinho em um dos pés. No entanto, naquele momento, foi descartada qualquer síndrome genética. Só após o nascimento da Nina é que começou a saga da família carioca, moradora do bairro de Benfica, no Rio de Janeiro (RJ).
“’A Marina nasceu com um rostinho muito sindrômico’. Essa foi a frase que mais ouvi no primeiro mês dela. Já veio ao mundo indo direto para o CTI-neonatal, porque, apesar de ter respirado bem, aparentemente não ter nada de errado na parte cardíaca e morfológica, eles se assustaram com a má formação da mão e o fenótipo do rosto. Ficaram sete dias chacoalhando a criança para investigar e nada foi encontrado”, conta Ana Paula.
Quinze dias depois de estar em casa, Marina ficou com a pele azulada (ou cianótica, na linguagem médica). De volta ao hospital, passou mais um mês sendo examinada no hospital. Já era a segunda internação em menos de dois meses de vida.
No quinto mês de vida, Marina teve uma bronquiolite (inflamação pulmonar causada pelo vírus sincicial respiratório-VSR, comum em crianças pequenas e bebês). O quadro se agravou muito e a menina precisou ser intubada por cerca de 70 dias. Dos seus sete meses até um ano e meio, Nina foi internada, no mínimo, uma vez por mês. Em todas elas, chegava ao hospital cianótica, cansada, era intubada e voltava para casa.
Depois de tantas idas e vindas ao hospital, em mais uma crise, Nina precisou ser intubada novamente. Desta vez, porém, o tubo não passou. “Foi o pior dia da minha vida”, diz Ana Paula. “Quando isso acontece, é preciso fazer uma traqueostomia de emergência. E esse era o meu maior pavor.”
“Parecia um palavrão. Sempre que os médicos falavam sobre a possibilidade de traqueostomizar a Nina, que já havia passado por tants internações por problemas de via aérea, meu coração só faltava sair pela boca. E é claro que não ajudava em nada as pesquisas malucas que eu fazia na internet, onde só havia desesperança, limitações e dor.”
Apesar do pavor de Ana Paula, na tarde do dia 23 de maio de 2018, Marina precisou passar pelo procedimento.
“Costumo dizer que eu nunca mais fui a mesma pessoa depois desse dia. A cena era uma criança de um ano e meio, semi-acordada em um CTI, que todo mundo já conhecia pelo nome por nossa presença constante lá, morrendo aos pouquinhos. A gente via a respiração dela diminuindo, com um tubo mal encaixado no respirador só para tentar ventilar alguma coisa e o pulmão dela se expandindo cada vez menos por mais de 40 minutos. Até que chegou a hora de traqueostomizar”.
Vida após a traqueostomia
Ainda em coma após a traqueostomia, Ana Paula sentiu que Nina viveu pela primeira vez em muito tempo. Os parâmetros melhoraram absurdamente e, após 8 meses no CTI – o maior período de internação da Nina –, elas, finalmente, foram para casa.
Logo depois, a família conseguiu fazer um teste genético na Nina, aos dois anos e meio, que identificou a Síndrome de Deleção no Cromossomo 6, que é raríssima. Há poucos relatos na literatura médica mundial. “Raro entre os raros”. Com o diagnóstico, nem a família nem os médicos sabiam muito bem o que aquilo significava, mas tinham a certeza de que a Marina tinha ganhado a oportunidade de viver uma vida completamente nova com a traqueostomia.
“Ela parou de ser internada, começou a evoluir, a comer e até a correr. Aprendeu a se comunicar com a gente e muitas outras coisas. Desde esse momento, Nina passou a ser uma criança basicamente feliz e apta para crescer e viver. Entendemos que a traqueostomia, que eu tinha tanto medo, não impedia a Nina de viajar, de ir à piscina, de fazer amigos, de brincar, de ir à escola. Por que foi tão doloroso aprender isso? Por que a gente não acolhe a traqueostomia infantil? Por que a gente não fala disso”?, questiona Ana Paula.
O livro
Ana Paula sempre gostou de escrever e, em uma folha de alta hospitalar da Nina, começou a esboçar esse sonho. O objetivo era mostrar para outras famílias que, mesmo a traqueostomia sendo um procedimento médico que muitas vezes não há escolha, não é preciso viver com medo ou limitado por ele.
“O livro nasceu da vontade de contar a todos que a traqueostomia, na verdade, é vida. Que apenas depois dela Nina respirou plenamente, teve uma vida longe dos hospitais e se desenvolveu em seu próprio curso. Para nós, a traqueostomia trouxe ar”.
Desde o lançamento do livro, Ana Paula conta que teve a oportunidade de receber diversas histórias de mães que estavam próximas a traqueostomizar o filho e viram “A corajosa Nina e seu fabuloso segundo nariz” como uma esperança. Nas redes sociais, Ana Paula divide o dia a dia com a família e conta mais de 13 mil seguidores.
A procura pelo livro foi tanta que, na pré-venda, foi possível pagar todo o investimento nele – que foi recusado por diversas editoras. Hoje, Ana Paula já pensa na segunda edição e há um projeto para criação de uma boneca traqueostomizada inspirada na Nina. Todo valor das vendas é usado no tratamento. O livro pode ser comprado pela internet.
Atualmente
Hoje, aos 5 anos, Nina também foi identificada dentro do Aspectro Autista (TEA) e Ana Paula fala das dificuldades da inclusão escolar e da aceitação de crianças traqueostomizadas em diversos locais.
“Se ela tiver os equipamentos certos, ela pode ganhar o mundo. Mas, até hoje, não conseguimos encontrar nenhuma escola que consiga nos dar o mínimo de tranquilidade de que ela será bem tratada. Não há acolhimento nem inclusão”.
Apesar de estar fora da escola, em relação à saúde, Nina está evoluindo bem com as terapias e faz acompanhamento no Hospital Sabará, em São Paulo, com a equipe de vias aéreas. A esperança é de que ela opere ainda neste ano para tentar decanular – ou seja – deixar de vez o seu fabuloso segundo nariz.